Setenta anos de intempérie se encarregaram de esmaecer um dos pouquíssimos marcos de uma insondável aventura na Amazônia.
Meu envolvimento com a história que segue começou em 2003, por meio de uma página encontrada por acaso nas profundezas da internet, intitulada "A rota do nazismo na Amazônia", em referência ao livro sobre uma misteriosa expedição alemã. Minha primeira reação foi a lembrança da teoria da conspiração tramada no livro
A crônica de Akakor (Editora Bertrand, 1977) do correspondente da rádio alemã no Brasil, Karl Brugger - assaltado e assassinado no final de 1983 à saída de um restaurante no Leblon, Rio de Janeiro. Nele Brugger ecoava a invencionice contada nos anos 1970 por um falso índio, de uma "expedição nazista à Amazônia", ocorrida no final da 2ª. Guerra Mundial - crônica esdrúxula reciclada em 2007 por Steven Spielberg. Plágio bilionário, o cenário apoteótico de
Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal é a "cidade perdida" de Akator,
supostamente uma "base subterrânea de nazistas na Amazônia". No curso destes anos resisti à publicação do que sabia sobre o Jari para não comprometer um projeto cinematográfico há muito acalentado. Contudo, o episódio atraiu o interesse da revista alemã
Der Spiegel, cujo correspondente no Brasil resolveu adiantar-se, publicando o livro Das Guyana-Projekt (O Projeto Guiana). Resisti em lê-lo para não me deixar influenciar, mas a publicidade dada ao assunto na Alemanha justifica, agora, a abertura de uma modesta janela no Brasil.
No inferno das selvas
Num sebo da internet encontrei o tal livro sobre a expedição. Folheando-o, dei-me conta que tinha nas mãos a encomenda errada, porque sua edição era a de 1953. Demorei em entender que são duas as versões sobre a aventura no Amapá: uma oficial, de 1953, e outra, de 1938, nem tanto. Publicado pela Deutscher Verlag em 1938, plena ditadura nazista, o livro original
Rätsel der Urwaldhölle" - Mistérios do inferno da selva, que eu adquiri mais tarde, tem 60 fotografias a mais que a versão pós-guerra. Suas ilustrações mais escancaradas são duas suásticas: uma, na cabeça da cruz, e outra, tremulando alegremente na popa de uma canoa, sobre o Jari. Símbolo proibido pela constituição democrática alemã, do pós-guerra, as fotos com as suásticas nazistas foram banidas da edição de 1953.
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Índios diante da cruz onde foi enterrado o teuto-brasileiro Greiner |
Capricho germânico, o livro é um diário
making of do filme homônimo, estreado e distribuído pela Universum Film AG (UfA) em 1938, depois misteriosamente desaparecido. Em seu lugar, surge na década de 1970 o inofensivo documentário
Sobre o cotidiano dos índios da selva amazônica - relatos de uma viagem de pesquisas, 1935 - 1937, distribuído pela WBU, produtora de filmes educativos, fundada na década de 1960 pelo geógrafo dublê de documentarista, Otto Schulz-Kampfhenkel.
O apoio brasileiro
Conta a versão oficial da aventura que em outubro de 1935 desembarcam em Belém do Pará três jovens aviadores alemães, acompanhados de 11 toneladas de bagagem, cuja lista e sofisticação extrapolam abusivamente os limites desta crônica. Risível nota de rodapé é que além do inexplicável arsenal trazido, os alemães não abriram mão do conforto, em plena selva amazônica, de cobertores de pelo de camelo e roupa de cama. Eram eles Gerd Kahle, Gerhard Krause e o líder da expedição, Otto Schulz-Kampfhenkel. Ao contrário da informação, falsa, veiculada pela imprensa internacional, Joseph Greiner, sepultado sob a cruz do Jari, não foi integrante do Esquadrão de Pesquisas Schulz-Kampfhenkel, vindo da Alemanha, mas, provavelmente, contratado no Rio de Janeiro. Explica o líder da expedição: "Neste meio tempo Gerd (
Kahle) manda um cabo do Pará, informando que lá não é possível encontrar nenhum 'capataz'. Mas já que eu estou no Rio de Janeiro, tento encontrar algum
landsmann (patrício), criado no País e versado em Português. Depois de muito procurar, eis que encontro o sujeito certo: Joseph Greiner,
auslandsdeutscher(alemão criado no exterior), jovem marinheiro, empreendedor e confiável, que se soma como quarto integrante ao nosso grupo expedicionário, onde terá a função de mestre-bagageiro, capataz e encarregado das provisões. Contratado, ele embarca no primeiro navio de cabotagem rumo ao norte, no Pará". (
Rätsel der Urwaldhölle, Berlim, 1953.)