Os EUA estão explorando seu mais novo estado cliente-procurador, a Guiana, com vistas a abrir uma segunda frente para 'conter' a Venezuela.
Em Transnacionalización y ocupación del Esequibo: lo que hay detrás [esp. em Missión Verdad; ing. em The Vineyard of the Saker; e há boa informação em português também em Diário Liberdade), Franco Vielma explica brilhantemente como as coisas chegaram ao ponto em que estão hoje.
Guerra geopolítica contra a Venezuela (2/2)
14/7/2015, Andrew Korybko, Vineyard of the Saker (Parte 2)
Ver antes
Guerra geopolítica contra a Venezuela (a questão do 'reatamento' EUA-Cuba) (1/2)
13/7/2015, Andrew Korybko, Vineyard of the Saker, port. em Pravda
Resumindo a pesquisa detalhada de Vielma (cuja leitura recomenda-se muito),
Venezuela e Guiana estão engajadas em disputa territorial que se arrasta há mais de 100 anos, e que começou com a invasão pelo Reino Unido, de larga faixa de terra (159.500 km2) no leste da Venezuela [vide mapa]. Embora a Corte de Arbitragem de Paris, de 1899, tenha fixado as atuais fronteiras, o Acordo de Genebra de 1966 anulou a decisão anterior, mas manteve o
status quo até que os dois países assinassem novo acordo. Mas a Guiana, sempre se mostrou relutante em apressar esse processo, reconhecendo a riqueza energética potencial que há em áreas do subsolo continental e marinho no território em disputa.
Quando a empresa
Exxon Mobil pôs-se a prospectar petróleo em águas territoriais naquela região, a Venezuela viu naquela ação todos os sinais mais claros de iminente ação de desestabilização e entendeu que tinha de agir para proteger aquele território, antes que lhe fosse roubado pela segunda vez. Daí surgiu o Decreto n. 1.787 de 26/5/2015, que cria a Zona de Operação de Defesa Marítima e Insular Integral [
Zona Operativa de Defensa Integral Marítima e Insular Occidental (Zodimainoc)].[1]
Vielma observa corretamente que a
Venezuela tomou essa medida para impedir o deslocamento para aquela região, por ação da Exxon, de mercenários encarregados de 'proteger' a região onde há importantes reservas de petróleo, e que, no futuro, poderiam 'proteger' também a correspondente porção terrestre da mesma área. O autor também faz referência aos interesses estratégicos dos EUA em todas as questões, em todos os lugares do mundo, relacionados à energia; e lembra que a possibilidade de que haja importantes reservas de petróleo ou gás na Guiana com certeza põe aquela região no centro do radar do Pentágono, para reforçar relações bilaterais 'de pleno espectro', inclusive na esfera militar. Isso tudo considerado, vale a pena traçar as linhas gerais do rumo que essa situação está tomando, e de como se encaixa na estratégia mais ampla, dos EUA, para 'conter' a Venezuela.
Plano em três passos, da Guiana, para 'conter' a Venezuela
1. Atrair a atenção dos EUA
A Guiana quer transnacionalizar a crise e levá-la além do espaço das relações bilaterais entre Venezuela e Guiana. A Guiana contava com que seus aliados da Comunidade do Caribe, Caricom, alguns dos quais são também estados-membro da ALBA (Antigua & Barbados, República Dominicana, São Cristóvão e Nevis, Santa Lúcia e as Granadinas), emitiriam declaração forte de apoio à própria Guiana, o que converteu a questão em assunto regional e pode criar atrito entre os membros caribenhos da ALBA e o núcleo venezuelano.
Embora a declaração não tenha sido redigida em termos tão fortes como a Guiana preferiria, o grupamento regional tomou, sim, o lado da Guiana na disputa, depois de uma reunião de três dias em Barbados, mostrando que o tópico, sim, já foi convertido em tema internacional, com real possibilidade de abrir fissura ainda maior dentro da ALBA.
Os EUA viram o apoio do CARICOM à Guiana como gatilho para se envolver diplomaticamente na questão. E o embaixador dos EUA em Georgetown - como seria de esperar que acontecesse e já aconteceu - emitiu também sua própria declaração de apoio também à Guiana. E pronto. A crise já se expandiu para proporções hemisféricas e a porta já está aberta para mais intromissão dos EUA. É situação que previsivelmente levará à aparição de navios de guerra dos EUA na área em disputa, supostamente para 'proteger' os prospectores de petróleo da Exxon, supostamente ameaçados pela Marinha venezuelana.
Acompanhando o mesmo modelão, a Marinha dos EUA também pode instalar bases de operações no porto de Georgetown, que já foi usado pelos norte-americanos pela primeira vez em 2010, o que mostra que há precedente a partir do qual erguer uma crescente cooperação bilateral marítima Guiana-EUA.
2. Dividir o foco dos militares venezuelanos
O surgimento de navios de guerra dos EUA e o correspondente componente em solo, na Guiana, das mesmas forças armadas, instantaneamente terá de gerar resposta furiosa dos venezuelanos, que provavelmente terão de reagir à intromissão com reforço na sua presença militar ao longo da fronteira. É preciso ter em mente que os militares venezuelanos até agora deram menos atenção à Guiana que à Colômbia. Nessas circunstâncias, evento que exija foco imediato e urgente também na fronteira oriental, será na prática como um 'pivô' de tipo militar. Além do mais, aquela região abriga população escassa e conta com um mínimo de infraestrutura, o que implica dizer que será operação em ambiente consideravelmente diferente do ambiente na Colômbia, ao qual os militares estão mais habituados. Para complicar ainda mais as coisas, os militares têm de manter contingente considerável também nas principais cidades, para impedir que cresçam e responder a quaisquer ações de desestabilização de tipo 'revoluções coloridas'. Nessas circunstâncias, o exército terá de se dedicar a manter cuidadoso equilíbrio entre essa prioridade e os deslocamentos pelas fronteiras da Colômbia, de um lado; e da Guiana, do outro lado. Toda essa movimentação serve para forçar os militares venezuelanos a 'distribuir-se', em termos de atenção, e impedirá que, em qualquer caso, possam concentrar-se em alguma crise que irrompa (seja na Colômbia, na Guiana ou como 'revolução colorida'). E explosão simultânea nos três fronts representará cenário apocalíptico para os planejadores estrategistas venezuelanos.
3. Capturar a Venezuela numa campanha militar desastrosa
O grande objetivo estratégico dos EUA é atrair a Venezuela para uma intervenção militar para restaurar sua soberania sobre o Rio Essequibo. Não se discute se a Venezuela deve restabelecer controle até o ponto x ou y, ou se tem razões legais para fazer seja o que for; a única coisa relevante, do ponto de vista dos EUA, é que aquele movimento, se alcançar dimensões militares, (não importa se para impedir movimento de norte-americanos na área ou para responder a provocação da Guiana), implica significativos custos tangenciais que podem não ser percebidos à primeira vista. Não é tão simples quando derrotar inimigo militar muito mais fraco. Trata-se, isso sim, de ocupar e administrar território de selva densa, com praticamente nenhuma infraestrutura. É peso descomunal até para as forças militares globais mais avançadas; e ainda mais descomunal para uma potência regional mediana, como a Venezuela, ainda que o país leve ali certa vantagem competitiva dado que se trata de selva venezuelana, território ao qual seus soldados estão habituados, como área de treinamento.
Mas o problema é que a área que a Venezuela declara sua é vasta (cerca de 145.353 quilômetros quadrados, quase do tamanho do Nepal, ou 1/5 do território sob governo atual da Venezuela). Administrar essa enorme extensão, onde o transporte é difícil, quando não impossível, implica custos financeiros altíssimos e cria uma infinidade de vulnerabilidades militares para enfrentar forças de guerrilha apoiadas pelos EUA.
Há grave risco de a Venezuela ver-se repentinamente presa numa missão em cenário infernal, onde rapidamente superdistenderá suas forças militares e criará aberturas para provocações que venham ou da Colômbia ou de 'revolucionários coloridos'. Além disso tudo, uma campanha militar prolongada, com custos financeiros monstruosos e número fatalmente muito alto de baixas, pode levar a escalar as dissensões internas, o que só aumentará o risco de que tentativa posterior de 'revolução colorida' encontre mais apoio e, eventualmente, consiga derrubar o governo eleito (especialmente se for auxiliada por ataques cirúrgicos 'anti-FARCs e 'incursões limitadas' complementares pelos militares colombianos).
A Guiana emergiu muito rapidamente como uma considerável vulnerabilidade estratégica para a liderança venezuelana, uma vez que implica dilema à maneira do "Ardil 22", que tem de ser decidido de um modo ou de outro. Se admitir que Georgetown explore petróleo em águas disputadas, e deixar que a Exxon perfure ali, Caracas estará cedendo toda a zona marítima à Guiana, de uma vez por todas. Se, porém, responder a essa evidente provocação, a Venezuela terá, contra sua vontade, iniciado um processo pelo qual a Guiana poderá escalar, de crise regional, para crise de proporções hemisféricas, tudo feito com o objetivo final de convocar os militares norte-americanos como parte de facto do conflito, e do lado da Guiana.
Além disso, porque a Venezuela está em posição militar muito melhor contra a Guiana do que contra a Colômbia, deve-se esperar que o Pentágono acelerará qualquer assistência que dê a Georgetown, para rapidamente compensar o desequilíbrio militar como possa (talvez substituindo a desigualdade convencional por vantagens assimétricas, comotreinamento para guerra não convencional).
O que se vê é que não há solução tipo 'bala de prata' para superar a ameaça guianense, o que mostra que a Venezuela deve avaliar cuidadosamente todas as suas alternativas e esperadas consequências, antes de dar o seu próximo passo.
Cálculo das consequências da contenção
Há três consequências imediatas do atual avanço dos EUA para conter a Venezuela:
- Ataque estratégico contra a unidade da ALBA
A cooptação da liderança cubana criou a oportunidade para, eventualmente, separar Havana e Caracas. Não é coisa que se veja muito evidentemente no aspecto físico (assistência bilateral em solo ainda é forte entre Venezuela e Cuba), mas, mais no aspecto estratégico, como numa rivalidade pouco solidária pelo controle da ALBA. Vários cenários se podem oferecer no futuro próximo, nos quais Raul Castro e Nicolas Maduro aparecerão em desacordo claro e público (seja sobre as FARCs, seja o próprio o relacionamento amistoso entre Cuba e EUA, no mesmo momento em que Washington reativa sua campanha de golpe para mudança de regime contra a Venezuela). Daí, dada a natureza da política latino-americana, em que os líderes têm grande peso, esse 'dilema' pode levar a dificuldades entre os dois países, o que inevitavelmente obrigará a ALBA a tomar posição a favor de um dos lados.
Por falar nisso, os membros caribenhos da Aliança recusaram-se a assumir o lado de seus amigos andinos, e ficaram com a solidariedade com a Guiana dentro da CARICOM (a sede continental da qual, aliás, está instalada na Guiana). Já se configura portanto o palco para maior divisão intra-ALBA. Se Cuba usar essa ocasião para promover seus interesses com os outros países, à custa da Venezuela, já estará configurado o racha entre Venezuela e Cuba de que falamos aqui.
- Cerco de duas pinças
Os EUA manipularam a política sul-americana de tal modo que, agora, a Venezuela foi apanhada num cerco de duas pinças, cada uma das quais pode usar a respectiva disputa territorial para escalar a situação como mais lhe interesse. A Venezuela está resistindo contra esses reclamos agressivos, mas não se pode saber por quanto tempo conseguirá manter-se. Se Colômbia e Guiana entrarem em acordo coordenado, as duas sob supervisão estratégica dos EUA, podem, realisticamente avaliado, construir um cenário pelo qual seus esforços unidos podem ser canalizados para desestabilizar a Venezuela e promover uma, os objetivos da outra. A reemergência da Guiana como força hostil anti-Venezuela muda dramaticamente o cálculo estratégico de Caracas, porque nessas circunstância ela tem de equilibrar entre conter a Guiana e conter a Colômbia, o que pode levar ao enfraquecimento em qualquer desses fronts, a ser explorado pelo outro, via colaboração estratégica coordenada pelos EUA.
- Autocontenção ou contenção autoimposta
Diante de duas graves preocupações estratégicas em suas fronteiras, uma economia em dificuldades por causa da ação dos EUA e a sempre presente ameaça de nova 'revolução colorida', a Venezuela foi empurrada para a defensiva estratégica para se autopreservar. Ainda mantém influência na região, mas já não é capaz de projetar essa influência como o fazia há alguns anos, por causa da onda de dificuldades que os EUA lançaram contra o país, no governo de Obama (que para Raúl Castro seria "homem honesto"). Simplesmente não tem os recursos ou o material humano necessário para concentrar-se nesses objetivos, como antes. Pode-se dizer que até aí há algo que se pode declarar vitória dos EUA, dado que, sim, conseguiram conter a influência pró-multipolarismo que a Venezuela disseminava para a região. Mas para que Washington consiga sair por cima, tem ainda de derrubar o governo venezuelano, ou garantir que capitule como Cuba capitulou.
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Plano de Ação
É aconselhável que a Venezuela siga com urgência o plano que aqui se oferece, para melhor se defender contra ameaças iminentes de contenção que se organizam contra ela e em torno dela.
Recuperar o controle sobre o país
A primeira coisa que a Venezuela tem de fazer é estabilizar a economia e recuperar o controle sobre o setor dos 'revolucionários coloridos' da sociedade. Mal-estar econômico prolongado, independente da causa, leva a insatisfação contra o governo, e até indivíduos não orientados para golpe de mudança de regime podem acabar por ser arrastados para protestos pró-'revolução colorida' por causa das dificuldades econômicas, sem compreender o contexto completo onde se meteram. Até aqui, a Venezuela já obteve empréstimo de $5 bilhões, da China, como adiantamento sobre exportações futuras de petróleo, mas ainda não se sabe se essa é a escala de alívio de que a economia está precisada nesse momento. Mais provavelmente, o país precisará de muito mais do que dinheiro emprestado da China para voltar a andar com os próprios pés, mas, se investir adequadamente essa quantia para aliviar o sofrimento econômico pelo qual a população passa e passou durante todo o ano passado (tornado ainda pior pela forte baixa no preço do petróleo), nesse caso estará dando passo positivo na direção correta.
No que tenha a ver com manter sob rédea curta elementos dos grupos 'revolucionários coloridos', aconselha-se que a Venezuela siga o modelo da Rússia, que obrigou as ONGs mantidas com dinheiro vindo do exterior a registrarem-se como agentes estrangeiros. Isso feito, e ainda seguindo o que fez a Rússia, deve propor e fazer aprovar as leis que deem ao governo o direito de fechar ONGs indesejáveis, procedimento que simplifica consideravelmente o processo de desmontar essas redes e expulsá-las do país.
Mas é claro que remover do país os elementos estrangeiros que trabalham a favor do golpe de mudança de regime não basta como proteção à soberania da Venezuela, porque muitas das forças de agitação contra o governo são redes de cidadãos venezuelanos (de uma oposição ainda não democratizada).
O passo realmente importante e que tem de ser absolutamente prioritário é ajudar os cidadãos a enfrentar o torvelinho econômico, com o que se reduz o apelo dos protestos antigoverno e a favor do golpe para mudança de regime por 'revoluções coloridas' (mesmo que os grupos que participem dos protestos não reconheçam que trabalham para um golpe contra a legalidade). Aquele primeiro passo também ajuda o governo a ver com clareza quem são os que protestam por motivos legítimos e quem são os golpistas a serviço do golpe de estado.
Adotar defesa proativa
A melhor providência que o governo venezuelano fez, na direção de proteger a própria soberania foi estabelecer as Zonas de Operação de Defesa Marítima e Insular Integral (Zodimains).[2] A criação dessas zonas mostrou que Caracas sabe dos planos agressivos de seus vizinhos contra suas demandas territoriais e indicou claramente que o Estado está comprometido com defender seus interesses legítimos.
Em certo importante sentido, a Venezuela adotou a mesma abordagem que a China adotou para o Mar do Sul da China, quando os chineses tomaram medidas proativas para reforçar sua posição no mar, antes de os rivais fazerem o mesmo em territórios disputados. Se China ou Venezuela não tivessem feito o que fizeram, é perfeitamente razoável supor que os EUA teriam implantado bases nas mesmas ilhas que a China reclama hoje, e que já haveria barcos de guerra dos EUA navegando pelo litoral atlântico no nordeste da Venezuela.
Agora, a Venezuela tem de mostrar que sua defesa proativa é movimento sério, que sinaliza sólido comprometimento com a soberania marítima, e que o país responderá pragmaticamente a qualquer futura provocação que receba de qualquer lado (como fez a China). Ao mostrar que não se deixará intimidar e não retrocederá das atuais posições (ao mesmo tempo em que escapa inteligentemente de ser apanhada numa ratoeira pelos EUA, seja em terra ou no mar), o governo venezuelano pode marcar importantes pontos patrióticos entre os venezuelanos, e talvez conquiste alguns dentre os muitos que foram seduzidos perversamente para o golpe, pelas dificuldades econômicas recentes.
Se a população puder compreender com clareza a ameaça que o país enfrenta nesse momento, os cidadãos bem-intencionados arrastados para o golpismo pelos propagandistas da 'revolução colorida' podem afinal reconhecer, assustados, que, sem o perceber, estavam contribuindo para o golpe de mudança de regime; e podem ser persuadidos a mudar de posição. Podem continuar a se sentir insatisfeitos com o governo e a desesperadora situação econômica, mas pelo menos terão percebido que suas manifestações públicas contra o governo só faziam tornar cada dia pior, uma situação que já estava muito ruim. Essa conscientização pode bastar para que desistam das manifestações de rua, pelo menos nesse momento. Com isso, já se torna mais fácil para o governo separar os manifestantes legítimos, dos agentes provocadores; e assim o estado tem melhores chances de reassumir o controle dentro das próprias fronteiras.
Reconceptualizar a ALBA
A liderança venezuelana precisa compreender que alianças políticas do tipo que ela espera não se compram só com subsídios ao petróleo, e que solidariedade ideológica sincera à causa do multipolarismo é muito mais importante que declarações retóricas de apoio.
Mesmo que nem todas as nações-membro da Petrocaribe (rede venezuelana regional que recebe petróleo venezuelano subsidiado) sejam parte da ALBA e vice-versa, ainda assim há considerável superposição entre os membros da ALBA e da Petrocaribe. Excluindo-se Equador e Bolívia, todos os membros da ALBA são parte da rede Petrocaribe, o que significa que recebem petróleo venezuelano a preços preferenciais.
O elo fraco dessa cadeia de aliados são os pequenos estados do Caribe, como Antigua & Barbados, República Dominicana, São Cristóvão e Nevis, Santa Lúcia e as Granadinas. Esses países, como já se sabe, estão procurando fornecedor alternativo de petróleo, dados os cortes no petróleo fornecido pela Venezuela, que fazem crescer os temores de que o parceiro antes tão confiável, depois de esmagado pela guerra econômica assimétrica que os EUA lhe fazem, talvez não consiga manter sob o mesmo formato, para o futuro, o programa de petróleo subsidiado. Assim sendo, esses estados-ilhas, que também são membros do CARICOM, como a Guiana, podem decidir aprofundar o apoio à Guiana, na disputa territorial com a Venezuela, na esperança de que o apoio lhes valha benefícios a receber dos EUA, talvez na forma de petróleo e gás extraídos por técnicas de fracionamento do solo.
A Venezuela deve portanto aceitar que seus 'aliados' caribenhos menores deixem a ALBA, quando os subsídios ao petróleo tiverem de ser cortados, e que esses países microscópicos são muito suscetíveis à 'diplomacia do dólar' dos EUA, quando o bolívar enfrenta dias muito difíceis.
Em vez de tomar como perda cada vez que um membro da CARICOM desertar da ALBA, a Venezuela deve tomar o movimento como ganho estratégico, no sentido de que liberta recursos venezuelanos comprometidos e permite que a Venezuela concentre-se mais intensamente em ajudar o Estado (ALBA e Petrocaribe) da Nicarágua.
Cuba, também, é membro dos dois grupos, mas se se considera o recente pivoteamento da liderança cubana para o colo dos EUA, vê-se que o país também é suscetível à diplomacia do dólar e à 'amizade por fracionamento do solo', como seus contrapartes da CARICOM - e não deve continuar a ser considerado aliado de cuja lealdade ideológica não se duvida.
A Nicarágua, por sua vez, mantém-se em perfeita e estrita solidariedade com a Venezuela e o multipolarismo, por causa do Trans-Oceanic Canal financiado pelos chineses, já planejado e que cortará o país.
Se se passa a olhar para a ALBA mais como uma constelação de estados firmemente comprometidos com o multipolarismo - como Nicarágua, Equador e Bolívia - a Venezuela consegue meios para proteger-se, em boa medida, contra o golpe de quaisquer deserções que aconteçam na CARICOM, e pode trabalhar para fortalecer o núcleo duro da Aliança, no confronto contra o mais recente 'repique' do unipolarismo norte-americano na América Latina.
Buscar apoio diplomático dos centros pró multipolarismo
A Venezuela deve usar seus canais diplomáticos para informar seus aliados multipolaristas sobre a importância de declarações de apoio que façam a seu favor.
Rússia, China e Irã têm relações muito próximas com a Venezuela, mas os três países estão hoje tão ocupados com seus próprios e muito complexos assuntos regionais que podem não estar muito atentos à grave ameaça que seu aliado latino-americano enfrenta nesse momento. Devem portanto ser informados das ações agressivas da Colômbia e da Guiana contra a soberania marítima da Venezuela; devem também ser estimulados a manifestarem-se publicamente sobre a questão. Não se espera que tomem abertamente as dores da Venezuela, como talvez a Venezuela deseje, mas as pessoas habituadas às falas diplomáticas podem facilmente ler nas entrelinhas e ver ali, manifesto, o apoio implícito. Tudo isso é muito importante, porque assim se expressa a solidariedade (venha seja em que grau vier) dos centros multipolaristas mundiais, com a Venezuela, o que levará os EUA a ter de considerar que os malfeitos de seus procuradores regionais já atraíram atenção global e já criaram o cenário para a implementação da recomendação política final.
Hospedar bases navais russas e chinesas
A principal recomendação, para garantir a integridade territorial da Venezuela, hoje ameaçada, sob comando dos EUA, por intriga geopolítica urdida com colombianos e guianenses, é instalar no país bases navais russas e chinesas. É ideia perfeitamente lógica à luz de declarações recentes de cada um desses dois gigantes pró-multipolarismo. A Rússia já fez manobras navais conjuntas com a Venezuela antes, em 2008, e já anunciou planos para voltar a fazê-las em breve, o que implica que a cooperação marítima entre os dois países não é evento sem precedentes ou estranho à região. Além disso, o ministro da Defesa Sergey Shoigu manifestou publicamente o interesse da Rússia por bases na Venezuela, na mesma linha de raciocínio que se desenvolve nesse artigo. Quanto à China, o primeiro documento que o país jamais publicou sobre estratégia militardeixa absolutamente claro que a China quer expandir sua influência naval pelo globo, como meio para defender seus interesses econômicos. É evidente que a China também gostaria de instalar uma base na Nicarágua para proteger o canal cuja construção está financiando naquele país; mas pode fazer o mesmo na Venezuela, para proteger mais concretamente seus interesses no petróleo.
Afinal, a Venezuela abriga a bacia de petróleo do Orinoco, que pela avaliação de especialistas contém as maiores reservas não exploradas do planeta, num total superior a 513 bilhões de barris, e o presidente Maduro, na volta de viagem que fez a Pequim no início de 2015, disse que recebeu garantias de que a China investirá $20 bilhões na economia do país (parte dos quais certamente para desenvolver os recursos do Orinoco).
Rússia e China têm evidentemente interesses estratégicos na Venezuela, e seria natural para esses países defender seus investimentos no país mediante um deslocamento naval (conjunto) naquela direção. Se os EUA podem e já fazem precisamente o mesmo movimento em direção aos próprios aliados, nada impede que Rússia e China façam o mesmo com os aliados delas.
A presença de forças navais russas e chinesas em águas venezuelanas obrigaria os EUA a pensar duas vezes sobre o conflito que está planejado contra Caracas, porque os norte-americanos não parecem estar preparados para essa escalada do conflito da Guerra Fria justo ali, ao pé das fronteiras dos EUA - por mais que os EUA estejam escalando uma Nova Guerra Fria bem lá, junto às fronteiras da Rússia (na Ucrânia) e da China (no Mar do Sul da China), respectivamente.
Um posicionamento coordenado de forças navais russo-chinesas na Venezuela (seja numa base naval conjunta, seja em bases separadas) tem potencial para alterar completamente a atual dinâmica da Nova Guerra Fria e para inverter a iniciativa, contra os EUA. Por tudo isso, dado que esse posicionamento também pode garantir a soberania da Venezuela e reforçar o governo bolivariano contra ameaças externas que pesam contra ele, ele deve merecer atenção séria dos mais altos tomadores de decisões estratégicas nesses três estados, porque é movimento que pode ser realizado em futuro próximo.
À guisa de conclusão
A Venezuela está sendo geograficamente cercada pelas intromissões dos EUA em assuntos regionais; aquelas intromissões buscam sempre limitar cada vez mais a flexibilidade militar e estratégica que Caracas já teve na América Latina. Cuba - sabendo o que fazia, ou não sabendo - tornou-se uma das mais altas incertezas para a Venezuela, e a solidariedade ideológica que ligava os dois países já não pode receber confiança irrestrita, para o bom estado das relações bilaterais entre esses países.
A mais grave consequência dessa dúvida crescente é que a unidade da ALBA já não é tão firme como já foi; qualquer fissura, agora possível entre Havana e Caracas, pode levar à dissolução da Aliança Bolivariana ou ao racha, com criação de dois blocos distintos (com Cuba influenciando os membros da CARICOM, e a Venezuela conservando a influência nos territórios continentais). Essa ameaça estratégica não tem qualquer implicação militar imediata, muito diferente da outra ameaça que pesa contra a Venezuela, pelo lado da Colômbia.
O vizinho da Venezuela parece interessado em flexionar os músculos no momento em que se resolva o conflito em torno das FARCs, e espera-se que a ação aconteça sob a modalidade de eventual implantação de forças militares de EUA-Colômbia ao longo das fronteiras com a Venezuela. No futuro, o movimento pode ser usado para acrescentar caninos novos às exigências marítimas da Colômbia em águas do Golfo da Venezuela, ou, mesmo, para encenar uma ação 'anti-FARCs', sob bandeira falsa, em território da Venezuela, para empurrar o governo na direção de um ponto de ruptura se, simultaneamente, crescer no plano interno o caos gerado por uma 'revolução colorida'.
Pelo outro lado, a Guiana - pode-se dizer, inesperadamente - pulou para a dianteira nas preocupações de segurança da Venezuela, por efeito da renovada disputa marítima no Oceano Atlântico, que pode incorporar a 4ª Frota dos EUA.
Confrontado com tantas e tão graves dificuldades geopolíticas, o governo da Venezuela deve encontrar meio para neutralizar a ameaça de uma 'revolução colorida' doméstica, para garantir seu território; só depois disso poderá defender com eficiência e com confiança as próprias fronteiras e suas reivindicações no mar. A ação proativa da China no Mar do Sul da China é bom exemplo a seguir, mas a Venezuela deve cuidar para manter a consistência entre suas ações e sua retórica e não ceder ante ameaças agressivas, o que pode ser difícil para ela, na posição enfraquecida na qual se vê hoje.
Contudo, se conseguir fazê-lo e se puder reconceptualizar a ALBA, nesse caso a Venezuela poderá contar, a seu favor, com o apoio diplomático do mundo que trabalha pelo multipolarismo. A melhor chance está em a Venezuela realmente conseguir atrair russos e chineses para que estabeleçam uma base naval conjunta no país - o que lhe garantirá o necessário poder de contenção para escapar dos golpes dos agentes-procuradores dos EUA na região.
Esse desenvolvimento também fará reverter toda a maré da Nova Guerra Fria, trazendo a competição para dentro do próprio quintal caribenho dos EUA - reversão muito necessária da atual política norte-americana dedicada a fazer aumentar cada vez mais as tensões na Ucrânia e leste da Europa e no Mar do Sul da China. Esse desenvolvimento, mais que qualquer outra coisa que Rússia e China possam fazer em todo o Hemisfério Ocidental hoje, sinalizaria a firme decisão daqueles países com vistas a efetivamente conter as ameaças aos respectivos interesses estratégicos na Venezuela. Sinalizaria também que, finalmente, Rússia e China estariam invertendo a favor delas a dinâmica da Nova Guerra Fria. *****
[1] Sobre isso 24/6/2015, Infodefesa: "Venezuela cria quatro zonas operativas de defesa dos territórios marítimos e insulares" (esp.) [NTs].
[2] Sobre isso 24/6/2015, Infodefesa: "Venezuela cria quatro zonas operativas de defesa dos territórios marítimos e insulares" (esp.) [NTs].
- See more at: http://port.pravda.ru/busines/24-07-2015/39126-guiana_venezuela-0/#sthash.5Hd2RgpP.dpuf
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