domingo, 2 de agosto de 2020

A FUNAI sob o governo militar de Bolsonaro, será transformada ao mesmo tempo em subsede de cartório de registro de “imóveis” privados e funerária indígena.

Mineração de ouro ilegal em terra Yanomami

Juliana de Paula Batista || Advogada do ISA

O delegado da Polícia Federal Marcelo Augusto Xavier da Silva completou na sexta-feira (24/07) um ano na presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai). Uma gestão marcada pelo aumento da violência contra indígenas, por taxas recorde de desmatamento, invasões em grande escala nos territórios e pela submissão do órgão a interesses do agronegócio.

Nos 365 dias em que esteve à frente da Funai, ele seguiu à risca a promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro de não demarcar “nenhum centímetro” de terra indígena e não deu sequência a nenhum processo de homologação de Terras Indígenas (TIs).

De Olho nos Ruralistas, fazem da gestão de Marcelo Xavier um símbolo da desarticulação da política indigenista no governo Bolsonaro. Ele é o segundo personagem da série Esplanada da Morte, que destaca o papel de cada ministro (ou secretário, no caso o presidente de uma fundação) na política genocida de Jair Bolsonaro.

O primeiro a ser retratado na série foi o ministro da Economia, Paulo Guedes: “Esplanada da Morte (I): o papel de Paulo Guedes na implosão de direitos e na explosão da pandemia“. A conexão entre os temas é direta: o Decreto 9.711/2019, mencionado na reportagem inicial da série, contingenciou em 90% o orçamento da Fundação Nacional do Índio (Funai). O órgão já vinha tendo problemas e está atuando com cerca de um terço de sua força de trabalho.
Número de assassinato de indígenas é o maior em dez anos

Desde julho de 2019, Marcelo Xavier assiste passivamente à escalada da violência e do desmatamento em territórios indígenas.

Emitiu, no dia 22/4, a Instrução Normativa IN nº 9/2020, mais de 237 Terras Indígenas pendentes de homologação, poderão ser vendidas, loteadas, desmembradas e invadidas. Os invasores poderão obter o certificado expedido pela FUNAI onde constará que a área invadida não é TI. Depois, poderá pedir a legalização da invasão no INCRA, o que se dá por intermédio de cadastro autodeclaratório, já que as regras para isso foram afrouxadas pela Medida Provisória nº 910/2019, a “MP da grilagem”, em trâmite no Congresso Nacional.

Pretensos ocupantes também poderão licenciar qualquer tipo de obra ou atividade, como, por exemplo, desmatamento e venda de madeira.

A gravidade da IN nº 9/2020 é tamanha que a “Declaração de Reconhecimento de Limites da Propriedade Privada” poderá ser emitida até mesmo em TIs com a presença de índios isolados, já que algumas contam apenas com portaria de interdição da FUNAI, cuja finalidade é restringir o uso de terceiros e garantir o direito de não contato dos indígenas.

O que define uma TI é a existência de índios, que fazem dela a base material para sua sobrevivência física e cultural.

“não há índio sem terra. A relação com o solo é marca característica da essência indígena, pois tudo o que ele é, é na terra e com a terra. Daí a importância do solo para a garantia dos seus direitos, todos ligados de uma maneira ou de outra à terra. É o que se extrai do corpo do art. 231 da Constituição.”
Além disso, o Estatuto do Índio (Lei n.º 6.001/1973) determina e o STF já reconheceu que os direitos dos índios sobre suas terras independem de demarcação.
Ora, o que não cabe à FUNAI é ignorar os direitos indígenas previstos na Constituição.

A Constituição garante aos índios os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, bem como a posse permanente e o usufruto exclusivo das terras, rios e lagos nelas existentes. A Carta Magna não tergiversa sobre a fase do processo de demarcação. É cristalina em afirmar que compete à União demarcar, proteger e fazer respeitar todos os bens existentes nas Terras Indígenas. Também classifica como nulos e extintos os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse dessas terras. São justamente esses atos que a IN nº 9/2020 pretende autorizar. Ainda, pela Constituição, as terras indígenas são consideradas inalienáveis e indisponíveis.

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