terça-feira, 21 de setembro de 2010

MASSACRE DE WIRIAMU genocídios da guerra fria silenciado durante vinte anos


Portugal planejou um genocídio?

 

Barbara Reis

É um relatório de 1974, mas que nunca foi divulgado em Portugal. Elaborado a partir de um inquérito mandado realizar pelas Nações Unidas depois de conhecido o massacre de Wiriamu, contém terríveis acusações às autoridades coloniais e hierarquias militares da época. Um relatório que vai ao ponto de considera que a actuação portuguesa em Moçambique, nos anos finais da guerra, se aproxima do conceito de genocídio.

Subitamente, num dia de Setembro ou Outubro de 1973, no distrito de Vila Perry, numa área controlada pela Frelimo, centenas de moçambicanos morrem com os sintomas clássicos da cólera, temperatura baixa, vómitos e diarreia. Ao fim do terceiro dia tinham morrido mais de mil pessoas, esperava-se que morressem muitas mais, mas a suposta epidemia acabou. De um modo tão abrupto que os médicos não acreditaram que a cólera fosse a causa das mortes, porque nenhuma epidemia, que começa com uma agressividade destas, acaba assim, em 72 horas.

Esta é a razão médica que, há 22 anos, provocou fortes dúvidas em relação à “cólera oficial”. Mas há, além disso, um conjunto de factores que, na altura, as Nações Unidas juntaram, peça a peça, num relatório. Durante, a “cólera, no distrito de Tete tropas do Sul da Rodésia que apoiavam as portuguesas foram vistas a transportar água pura em pequenas latas, e em Manica e Sofala as tropas portuguesas foram vistas  a viajar com grandes latas também com água, algo que nunca tinha acontecido. Até então, as tropas portuguesas e a Frelimo sempre tinham usado as mesmas fontes de água, e de repente não só estavam a abastecer noutro local, como entre os materiais capturados numa emboscada, a Frelimo encontrou garrafas de água, coisa que também nunca acontecera. Cerveja e vinho era comum, mas nunca água.

Este é um dos “incidentes especialmente sérios” contados no Relatório da Comissão de Inquérito dos Massacres em Moçambique das Nações Unidas, tornado público na Assembleia Geral da ONU em 1974 em Nova Iorque, mas que nunca chegou a ser divulgado em Portugal. “Há fortes suspeitas de que as mortes tenham resultado de envenenamento da água, o que talvez indique uma política de genocídio” por parte do Governo colonial português, escreve a comissão de inquérito.

A comissão diz não ter bases suficientes para tirar uma conclusão 100 por cento segura, mas lendo os anexos do relatório - nos quais são transcritas, na íntegra, todas as entrevistas feitas às 69 testemunhas - não há dúvida de que a ONU tinha, em 1973, fortes suspeitas de que Portugal estava a usar armas químicas, bacteriológicas ou a experimentar alguma substância química nova em Moçambique.

“Uma epidemia de cólera, que começou como esta, tem que durar meses e atingir vastas áreas, sobretudo numa região onde as condições de higiene e profilaxia são muito más”, disse Slavcho Rajkov Slavov, o cirurgião húngaro que trabalhava no hospital da Frelimo Américo Boavida, em Ntawara, Tanzânia, e que testemunhou perante a comissão da ONU. “As nossas enfermeiras que trabalhavam na zona mandaram-nos um telegrama no qual diziam que mais de mil pessoas tinham morrido, entre soldados e civis, em Manica e Sofala, mas quando os nossos camaradas lá chegaram para investigar e organizar o combate à doença não encontraram nenhum caso de cólera”.

Todos estes dados juntos sugerem, repete a comissão, que houve, da parte das tropas portuguesas, um acto intencional de envenenar a água que se sabia ser consumida na região, por militares e civis.


O genocídio

As tropas portuguesas, sobretudo os Grupos Especiais, os Grupos Especiais de Pára-quedistas, as companhias de comandos, os Flechas, um corpo auxiliar da polícia secreta, a Direcção Geral de Segurança (antiga PIDE), torturaram e mataram arbitrariamente milhares de moçambicanos civis, homens, mulheres e crianças, em diferentes províncias do país até Abril de 1974.

Segundo este Relatório da ONU, durante a ditadura as violações dos direitos humanos em Moçambique eram comuns, frequentes e generalizadas. a tal ponto que, contrariando a ideia de que o famoso massacre de Wiriamu, a 16 de Dezembro de 1972, foi uma acção quase isolada, o relatório dedica algumas páginas à volta de uma pergunta perturbante: Portugal tinha como política planeada eliminar o povo moçambicano?

A palavra genocídio aparece pela primeira vez na página 27. A comissão começa por dizer que a definição de genocídio no artigo II da Convenção sobre a Prevenção e Castigo do Crime de Genocídio de 9 de Dezembro de 1948 “é uma definição difícil”, que “fala de actos cometidos com o intento de destruir, no todo ou em parte, um grupa nacional, étnico, racial ou religioso”. A seguir a comissão diz “que não há provas fortes de que as autoridades portuguesas tivessem intenção de dizimar a população nativa de Moçambique. Há uma diferença entre os actos portugueses e o protótipo de genocídio, a exterminação dos judeus pelos nazis”.

“Mas - escreva a ONU - as acções portugueses satisfazem o critério em relação á parte da definição geral “ de genocídio. “Consequentemente, a comissão de inquérito considera que, se o massacre das populações das aldeias não constitui genocídio tal como ele é definido no artigo II da Convenção sobre Genocídio, está muito perto dela”.

São dezenas os factores que levaram a comissão a pensar em genocídio. A misteriosa epidemia em Vila Perry é uma delas, a que se juntam os vários massacres, algumas vezes de mais de 500 pessoas, como na aldeia de Mueda, no distrito de Cabo Delgado, a 16 de Junho de 1960, ou no caso da aldeia de Mutanga, onde 59 pessoas, incluindo mulheres e crianças foram queimadas vivas em Janeiro de 1965. Só num dia, a 16 de Março de 1972, tropas portuguesas e do sul da Rodésia mataram 78 pessoas na aldeia de Zambeze, 30 em Mponda, 38 em Deveteve e 38 em Chimandabue. “Numa área de 20 a 25 quilómetros, ficou tudo destruído”.

“Outro massacre foi cometido na aldeia de Chinyerere em Setembro de 1973. De uma população total de 58 pessoas, 31 foram mortas”. Noventa foram mortas em Chiuaio, na área de Angonia. A lista é longa. Em Cambeue, perto de Moatize, em Tete,  300 pessoas foram mortas em Setembro-Outubro de 1971. Depois foi Wiriamu, que desapareceu do mapa e o Governo de Marcelo Caetano disse na altura que a aldeia nunca existira. “Uns dias antes do massacre, um vendedor de gado português informou os aldeões de que haveria uma feira de animais em Wiriamu em 16 de Dezembro. Por isso, várias pessoas juntaram-se na ladeia com o seu gado. O vendedor de gado não apareceu. Em vez disso, os aldeões foram cercados por tropas comandadas por agentes da DGS”, relata a comissão. “Os massacres mais recentes sobre os quais a comissão ouviu testemunhos ocorreram á volta de Inhaminga, no distrito da Beira, em março de 1974, e custaram a vida a mais de 200 pessoas.”

Os massacres foram da responsabilidade do Governo português, e eram parte integrante da política colonial. Havia uma cadeia de responsabilidade dos escalões mais baixos, os que perpetravam os massacres, até ao topo. Mas em última instância, a responsabilidade é do Governo português”, escreve a comissão, que concede ser “plausível uma certa medida de iniciativa local” por parte das tropas. “Mas é claro que as políticas emanadas de níveis superiores criaram um clima geral que tolerava e até encorajava o desrespeito pelos direitos humanos”.


O silêncio

Esta era a época em que Portugal estava à margem de dezenas de convenções internacionais, como a acima citada ou a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação racial, de Dezembro de 1965. Mas, sublinha o relatório, Portugal já assinara e ratificara a convenção sobre a Protecção das Pessoas Civis em tempo de Guerra, de 12 de agosto de 1949. De acordo com o artigo 146º desta convenção, “as pessoas responsáveis por ‘graves infracções’ devem ser trazidas perante a justiça e o Estado responsável deve pagar uma compensação ás vítimas ou aos seus sucessores”.

Foi uma coisa que nunca aconteceu, e o temor de que acontecesse talvez tenha estado na origem do facto de o relatório não ter sido tornado público em Portugal, como era intenção das Nações Unidas. Salim A. Salim, antigo primeiro-ministro da Tanzânia e actual presidente da OUA, foi a Lisboa no Verão de 1975 com a missão específica de ler o relatório, mas foi persuadido pelo então presidente português, Costa Gomes, a mantê-lo em segredo (ver texto nestas páginas).

 


As provas

Na introdução, a comissão escreveu: “Este relatório pretende, o mais clara e concisamente possível, chamar a atenção da comunidade internacional para as atrocidades” cometidas em Moçambique. Mais: a comissão encontrou provas de “vários tipos de violência perpetrados contra a população do território”, provas que “indicam um certo padrão de tropas coloniais”, “violência que varia desde a prática frequente de tortura a massacres envolvendo a eliminação de populações inteiras de certas aldeias”. Entre os tipos de violência descrita encontram-se vários assassinatos, homicídios em massa e destruição da propriedade, frequentemente acompanhados por outros tipos de atrocidades como a violação ou o abrir as barrigas a mulheres grávidas.”

Os objectos de tortura mais comuns eram os cavalo-marinho (um chicote feito de pele de hipopótamo), a palmatória, e os chicotes feitos com pneus de bicicletas. Algumas sessões de tortura incluíam também o uso de agulhas e choques eléctricos.

A maioria das sessões de tortura tinha por objectivo obter confissões ou informações sobre a Frelimo. Ocorriam nas prisões, nos escritórios do governo, nas aldeias ou atrás de arbustos à saída das aldeias. Muitas vezes as vítimas eram torturadas arbitrariamente e forçadas a dizer se tinham alguma familiar da Frelimo.

Isso aconteceu, por exemplo, na aldeia de Chingao, perto de Mucumbura. “Outro missionário contou à Comissão de Inquérito a história de um homem que foi espancado durante cinco dias, uma hora por dia. Quando o missionário foi autorizado a ajudá-lo, o homem estava perturbado mentalmente e incapaz de se mexer. Tinha sido torturado porque tinha ido de férias a cerca de 25 quilómetros da fábrica, em Tete, onde trabalhava, e a polícia pensou que ele tinha ido  contactar a Frelimo.”

Mais à frente: “Um missionário que trabalhava na área de Cabora Bassa deu o seguinte testemunho escrito: ‘A polícia prendia pessoas pela mais leve razão para tentar saber se tinham qualquer ligação aos guerrilheiros e torturava-os. Pendurava-os pelos pés, de cabeça para baixo, por exemplo, e batia-lhes até eles confessarem. Às vezes a tortura com choques eléctricos era usada nos órgãos genitais. Por vezes as pessoas morriam durante a tortura.”

Há também a história dos “quatro jovens africanos que foram presos em Junho de 1972 pela polícia portuguesa quando tentavam fugir para o Malawi. Foram torturados durante cinco meses. Um deles foi forçado a bater nos companheiros até eles confessarem às autoridades coloniais o que elas queriam ouvir sobre as actividades dos missionários católicos de Vila Perry, Murraça e Inhangoma. Os relatos obtidos durante as torturas foram usados como base do interrogatório de três missionários”.,

Outro caso é o do “professor africano numa missão católica que foi preso e esteve nove dias na prisão sem praticamente nada para comer. Não foi autorizado a lavar-se e recebeu choques eléctricos”. O motivo da sua prisão foi “uma carta que recebera de um dos seus estudantes. De acordo com a testemunha (um missionário católico) este tipo de tortura era comum e frequente”.

 

Os aldeamentos

Bonifácio Bomba, um agricultor da aldeia de Kanyenze, ponto de Mungale, em Manica e Sofala, disse à Comissão que na aldeia de Kuedza, “as tropas portuguesas prenderam algumas pessoas, espancaram-nas e cortaram-lhes as costas. A seguir as pessoas foram enviadas para um aldeamento”.

Aldeamento era o nome dado as aldeias fortificadas com arame farpado, para onde as pessoas, civis, geralmente trazidos de localidades diferentes, eram levados à força de modo a evitar possíveis contactos com a Frelimo. Em Agosto de 1973, quase um milhão de moçambicanos estavam concentrados nos 895 aldeamentos construídos nos distritos de Cabo Delgado, Niassa e Tete. Mais tarde foram construídos mais 200 nos distritos de Vila Perry e Beira, pelo que, em Dezembro de 1973 um milhão e 300 mil moçambicanos, ou seja, 15 por cento do total da população.

“Alguns missionários católicos que tinham a impressão de que  as autoridades portuguesas desejavam deixar morrer o maior número possível de pessoas” nestes locais descritos como campos de concentração.

Os relatos das atrocidades sucedem-se ao longo das 40 páginas do relatório. “Alguns dos assassinatos foram cometidos da forma mais bárbara. As pessoas eram mortas por serem suspeitas de cooperarem com a Frelimo ou porque resistiam a ir para os aldeamentos.”

Ntenga Mumwilo, um homem idoso da aldeia de Malunzu, na área de Nangade, em Manica e Sofala, disse à Comissão que em 1964 as tropas portuguesas foram à sua aldeia e mataram os seus três filhos. “As tropas ordenaram-lhe que escavasse um buraco para enterrar os filhos, e obrigaram-no a deitar-se dentro do buraco enquanto se riam dele e lhe encostavam os canos das espingardas contra o seu peito. A seguir foi obrigado a ir buscar os corpos e a enterrá-los.”

Numa aldeia em Cabo Delgado “11 crianças foram metralhadas a partir de um helicóptero a caminho da escola perto de uma escola da Frelimo em Mantabalala, a 10 de Outubro d 1973, quando corriam para um abrigo com homens da Frelimo.”

Em Mchkadela, dez mulheres foram degoladas, e a seguir os soldados arrancaram as entranhas de três delas, que estavam grávidas, abriram-lhes as barrigas, tiraram os fetos e cozinharam-nos em brasas espetados em paus. Aconteceu o mesmo em Nankutu pouco depois. Neste relatório não são os números que impressionam. A aldeia de Wiriamu tinha 200 pessoas e era considerada um grande centro populacional.

 

Em Portugal, graças a Costa Gomes

 

Relatório silenciado durante vinte anos

Entre 12 e 18 de Junho de 1975, Lisboa acolhe a 1000 ª reunião da Comissão de Descolonização das Nações Unidas, também conhecida por Comité dos 24 pelo número de países que a integram.

Presidida por Salim Ahmed Salim, antigo primeiro-ministro da Tanzânia e actual presidente da OUA, e com a participação do subsecretário-geral da ONU para os Assuntos Políticos e para a Descolonização, o chinês Tang Ming-Chao, representantes do PNUD (Programa das Nações Unidas para os Refugiados), OMS, FAO, UNHCR e outras organizações das Nações Unidas, a Comissão vai debater a situação nos territórios ainda sob administração portuguesa e as questões da Namíbia e da Rodésia do Sul.

A política de descolonização aplicada por Portugal após o 25 de Abril  é saudada por todos os intervenientes e o representante da Indonésia garante não ter Jacarta ambições territoriais, mas que acolherá Timor-Leste como parte integrante da república “desde que essa seja a vontade da população”. As preocupações vão para a situação em Angola, onde os focos do conflito armado se multiplicam, prenunciando a guerra civil. Em declarações à imprensa, Salim A. Salim afasta a hipótese de intervenção militar da ONU em Angola e exprime confiança na mediação do Governo português e nas conversações que Agostinho Neto, Holden Roberto e Jonas Savimbi vão travar, dias depois, em Nakuru, Quénia, com a intenção anunciada de salvar o moribundo Acordo de Alvor.

No entanto o modo consensual como decorre a reunião, onde não é difícil encontrar proximidade de posições nas grandes questões, podia ter sido profundamente agitado. Bastava para isso que Salim tivesse levado por diante a intenção que o animava ao desembarcar em Lisboa de proceder à leitura do relatório encomendado, em 12 de Dezembro de 1973 sobre os Massacres em Moçambique.

O relatório, revelado agora pelo Público, vinte anos depois de ter sido silenciado em Portugal, teria provocado certamente, em Junho de 1975, um tremendo choque na opinião pública portuguesa e internacional. A escassos dias da independência de Moçambique, é fácil imaginar o impacto causado junto dos movimentos de libertação com a revelação dos massacres que, segundo a Comissão de Inquérito, indicam uma prática política “muito perto” de definição oficial de genocídio, e do emprego de armas químicas e bacteriológicas pelas Forças Armadas portuguesas sobre as povoações de Wiriyamu, Chawola, Juwau, Nehaminga, João e Vila Perry, com a última acção referida no relatório datada de Março de 1974.

 

Costa Gomes convence Salim A. Salim

O documento fica na bagagem do presidente do Comité dos 24 devido à intervenção do general Costa Gomes. Quando Salim A. Salim lhe comunica, logo à chegada a Lisboa, o propósito de revelar o relatório, o Presidente a República tem consciência do efeito arrasador que a denúncia dos massacres causará à reputação das Forças Armadas portuguesas e teme as consequências políticas, imprevisíveis, que daí poderão advir.

Recorda o marechal Costa Gomes: “Eu era amigo de Salim e quando soube da sua intenção de ler o relatório percebi que ele ia estragar tudo o que estávamos a fazer na descolonização, que o documento estava fora do contexto, Ele concordou e não o leu. E a reunião decorreu de maneira muito diferente daquela como poderia ter decorrido.”

Convencido Salim A. Salim, Costa Gomes parte, a 13 de Junho, para uma visita oficial de três dias à Roménia. Regressa a Portugal ainda a tempo de encerrar a reunião do Comité dos 24.

O relatório elaborado pela Comissão de Inquérito sobre os Massacres em Moçambique é considerado pelo antigo Presidente da república de “grande importância histórica”. Lembra-se das referências que contém ao “emprego de armas químicas ou bacteriológicas sobre as águas da região de Vila Perry” e confirma que as Forças Armadas portuguesas “utilizaram muito os desfolhantes como arma de guerra em Angola e Moçambique”.

“Não tínhamos desfolhantes para as florestas como os americanos no Vietname. Os desfolhantes que lançávamos para destruir as sementeiras só davam nas culturas de baixo porte, como a dos cereais.” Além dos desfolhantes, o marechal Costa Gomes não tem reservas em afirmar que as Forças Armadas portuguesas recorreram com frequência ao napalm nas três frentes da guerra colonial.

Porém, assegura nunca o ter utilizado enquanto chefiou as Forças Armadas em Angola, em Fevereiro de 1970 a Setembro de 1972. “Quando fui nomeado comandante-chefe para Angola, todo o napalm armazenado foi posto à disposição da Defesa Nacional e seguiu para a Guiné e Moçambique.”

Sobre a polémica desencadeada por afirmações  suas na conferência no Martinho da Arcada em Abril último, segundo as quais na fase mais crítica da guerra colonial teria sido discutido o recurso a uma “arma definitiva”, o marechal garante nunca ter falado de “arma invencível”, “absoluta”, “demolidora” ou “final”, mas sim em “armas colectivas” e “outro tipo de armas” que estiveram na “mente dos altos comandos portugueses”.

 

Na pista de Wiriyamu

A Comissão das Nações Unidas que produziu este relatório foi criada para investigar o massacre de Wiriyamu, em Tete, mas acabou por descobrir muito mais. Recolheu informações de violações dos direitos humanos sobretudo entre os anos de 1971 e 1973, mas também muitas outras de anos anteriores, que revelam um mesmo padrão. para a elaboração do relatório, a comissão recolheu informações da Amnistia Internacional; do Comité de Angola em Amsterdão; da Casa di Animazione Missionaria em Roma; do Comité dos Desertores Portugueses em Malmo, Paris, Grenoble, Amsterdão e Arhus; do Comité para a Libertação de Moçambique, Angola e Guiné, em Londres; dos Padres de Verona em Roma; do Instituto Espanhol de Missões Estrangeiras em Madrid, e do Fundo de Ajuda e Defesa Internacional em Haia.                                                                                             

Além destas instituições, a comissão entrevistou 69 pessoas, entre as quais três menores, cujos nomes são transcritos no relatório. Marcelino dos Santos e Joaquim Ribeiro de Carvalho, então dirigentes da Frelimo, entre outros, testemunharam como peritos. a maioria das testemunhas foram padres missionários, quase todos católicos, ou moçambicanos que viviam nas aldeias atacadas.

A comissão de inquérito foi criada e aprovada na Assembleia Geral da ONU de 12 de Dezembro de 1973. Motivos: a assembleia estava “profundamente perturbada” e “convencida da necessidade urgente de uma investigação internacional”.

Por votação, Shailendra Kumar Upadhyay, do Nepal, foi escolhido para presidir à comissão, constituída por Guenter Mauersberger, da então RDA, Roberto Martinez Ordonez, das Honduras, Blaise Rabetafika, de Madagascar, e Sverre J. Bergh Johansen, da Noruega. Foi decidido que as reuniões seriam realizadas à porta fechada. A Comissão de Inquérito reuniu-se sete vezes na sede da ONU, em Nova Iorque, entre Abril e Maio de 74, durante as quais organizou o trabalho e planeou as viagens de campo, concretizadas entre 10 de maio e 16 de Junho (31 encontros: cinco em Londres, seis em Madrid, cinco em Roma, e 15 em Dar es Salaam, Tanzânia). Mais tarde, de regresso aos EUA, a comissão voltou a reunir-se dez vezes para analisar e escrever o relatório.

 

Jornal Público, 10 de Setembro 1995

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