Apoio dos mais ricos ao deputado revela como estão
presentes, entre as elites, ideias de opressão dos pobres, submissão ao
estrangeiro branco e predação da natureza. Ele é quem nos fala de suas
façanhas. É ele também, quem relata o que decidiu aos índios e negros,
raramente lhes dando a palavra de registro de suas próprias falas. O que a
documentação copiosíssima nos conta é a versão do dominador.”
O sistema político brasileiro é cindido na origem. Ora é
puxado pelo populismo no executivo, ora pelo parlamentarismo conservador
elitista, este último com apoio do judiciário e das forças armadas quando
necessário. Mestre Celso Furtado já nos alertava sobre a característica inata
de um legislativo que, controlado pelas oligarquias rurais desde a época
colonial, impediria quaisquer tipos de reformas de base.
A questão atual é a mesma de sempre…
A evolução dos dois últimos séculos para os dias atuais
evidencia um flagrante continuísmo do sistema desigual e predatório
desenvolvido no Brasil, tanto na sua dimensão social como ecológica. Não faltam
fatos históricos desta continuidade, tanto na repressão às periferias urbanas
como no meio rural. Ao exemplo do avanço das commodities para o centro-oeste e
Amazônia sob o mesmo modelo predatório e violento ocorrido na Mata Atlântica no
século retrasado. O crime ambiental de Mariana completa dois anos sem qualquer
solução. A questão ambiental é fundamentalmente uma problemática humana.
Destaca-se a Lei de Terras de 1850, fundamental para
instituir a propriedade privada sem qualquer tipo de alteração na estrutura
fundiária ou o fomento aos pequenos lavradores, posseiros ou escravos
libertos.
Mesmo a Lei Eusébio de Queirós que proibiu o comércio escravista
(curiosamente publicada doze dias antes da promulgação da Lei de Terras), foi
elaborada cuidadosamente para tirar as responsabilidades da elite rural em
relação aos escravos. Um dos casos de apoio mútuo entre a monarquia e a
elite escravocrata ocorreu no episódio da tentativa dos EUA importarem seus
escravos para a Amazônia.
O racismo é parte de um sistema maior de
dominação e, seja nas antigas metrópoles ou nas antigas colônias, todo país com
tal herança é um país racista. Entretanto, no Brasil a questão racial é uma
construção social que permeia a sociedade em sua totalidade.
A ideia girava em torno de “uma necessidade absoluta de que
os negros libertos [fossem] transportados para fora da jurisdição dos Estados
Unidos, onde jamais poderão desfrutar de igualdade política ou social”. A
proposta lastreava a pretensão de dominação territorial norteamericana que,
contudo, acabou sendo vetada por Dom Pedro II. Havia a necessidade de proteger
o ciclo econômico da borracha, em franca expansão.
Ainda assim, os EUA
realizariam uma contínua campanha a favor do livre comércio na maior bacia
hidrográfica do mundo.Uma das questões mais importante da época girava em torno
da ideia de “raças” e as implicações nacionalistas inspiradas pelas abordagens
norteamericanas e europeias de eugenia. Em paralelo à preocupação da elite
rural com as crescentes revoltas escravistas, a questão racial foi o pano de
fundo ao então embrionário meio intelectual brasileiro. As nascentes
instituições educacionais da época eram palco privilegiado deste debate, cujo
objetivo principal era o estabelecimento de critérios diferenciados de
cidadania. Isso se traduz na abordagem da incapacidade dos negros e
mestiços ao trabalho livre, o que serviu como uma das justificativas à
imigração europeia.
Com uma lógica arcaica baseada na abertura de áreas de
plantio por meio do fogo, da usurpação das terras de indígenas e de pequenos
posseiros, o sistema(?) agropecuário era improdutivo e predatório. A extração
madeireira completava o ciclo exploratório, pois esta não somente fornecia
lenha doméstica e para a mineração, como também para o avanço da grande lavoura
por meio das suas cinzas. como argumenta
o historiador Warren Dean, as elites rurais do centro sul, especialmente as
fluminenses, instigadas pelo ciclo cafeeiro, estabeleceriam uma estratégia
calcada em quatro movimentos.
Em primeiro lugar, a elite forçaria manutenção da
escravidão até as últimas possibilidades: a Coroa portuguesa tinha a intenção
de extinguir o tráfico de escravos, fato este que já ocorria em outras colônias
conjuntamente à crescente pressão britânica. Por outro lado, a expansão do café
e a intensificação do tráfico escravista seguiram. Havia resistência ao uso de
técnicas para melhorias produtivas, causando não somente a sobre-exploração do
trabalho escravo como a expansão da grande lavoura sobre os ecossistemas.
Adicionando o fato de que foi a escravidão, e não o café, a “atividade
econômica” mais rentável da época para baronato rural;
Em segundo lugar, as elites acabariam com os obstáculos ao
monopólio privado sobre terras públicas: ao final do século XVIII houve uma
tentativa de maior controle sobre as terras da Coroa em relação ao regime de
sesmarias, nada mais que um sistema de doação de terras públicas às elites
rurais. Neste período surgiu uma corrente de pensadores reformistas que
defendiam a necessidade de fixação dos limites das propriedades, parcelamento
para pequenos posseiros e escravos libertos, reivindicação de terras
abandonadas e a promulgação de políticas de conservação mais sólidas. Seria
hoje o que chamamos de reforma agrária e, obviamente, nunca passaria do campo
das ideias da época, enquanto a realidade mostrava um aumento sem precedentes
de aberturas de terras e intensificação do tráfico escravista para nutrir o
ciclo cafeeiro;
Em terceiro, temos a remoção de indígenas das terras e
recrutamento forçado para o trabalho: aqui não há conflitos entre elites
rurais, Coroa ou mesmo as correntes liberais da época. A escravidão de povos
africanos não significava alívio algum aos indígenas, forçados às constantes
fugas pelo avanço do plantation. A lógica da assimilação ou extinção seguia:
capturados para trabalhos forçados, crianças vendidas, mulheres prostituídas,
fixação das ‘aldeias’, algo semelhante ao processo de genocídio indígena
durante a conquista do oeste nos EUAxxii. A elite rural organizava milícias
caçadoras de indígenas, comumente chamados de bugreiros, com atuação em São Pauloxxiii
e em Santa Catarinaxxiv. Como se apreende de uma frase dita na época: “A terra
encharcada de sangue é terra boaxxv”.
O quarto ponto foi enfraquecer a legislação florestal: no
período colonial, a Coroa proibia o corte de pau-brasil e de madeira de lei,
bem como tinha o monopólio sobre a extração e venda dos mesmos. Ao início
do século XIX, a extração madeireira, seja pela sua retirada em propriedades
privadas, seja na interlocução com comunidades locais e indígenas, alimentava a
indústria naval e as crescentes serrarias. Paradoxalmente, a dependência em
relação à Europa era espantosa a ponto de o Rio de Janeiro importar mogno da
Jamaica mais barato que os preços praticados das madeiras de leis locais, estas
amplamente subsidiadas aos europeus.
Outro interesse de exportação eram os
animais e flores raras. A caça, tanto para alimentação dos posseiros como
atividade de lazer das classes médias da época, extinguia rapidamente a fauna
local, especialmente em áreas próximas às periferias urbanas.
A questão atual é a mesma de sempre…
Por Joaquim Alves da Silva Jr | Imagem: Jean-Baptiste
Debret -Darcy Ribeiro
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