O estopim do Contestado foi a imensa
concessão dada em 1908 à empresa inglesa Brazil Railway Company, do empresário
Percival Faquhar (dono da Madeira-Mamoré e da
Port-of-Pa-rá), para a construção da estrada de ferro São Paulo-Rio Grande do
Sul. O acordo dava à empresa 15 quilômetros de terra para ambos os lados dos
trilhos (sinuosos, por coincidência) e que passariam exatamente sobre o
território contestado. Mais de 34 mil quilômetros quadrados de presente para
estrangeiros. Jamais o governo revisaria as concessões, favorecendo o sertanejo
alocado nas áreas contestadas.
Após a conclusão das obras do trecho catarinense da estrada de ferro São Paulo-Rio Grande, a companhia Brazil Railway Company, que recebeu do governo 15 km de cada lado da ferrovia, iniciou a desapropriação de 6.696 km² de terras (equivalentes a 276.694 alqueires) ocupadas já há muito tempo por posseiros que viviam na região entre o Paraná e Santa Catarina. O governo brasileiro, ao firmar o contrato com a Brazil Railway Company de Percival Faguhar, declarou a área como devoluta, ou seja, como se ninguém ocupasse aquelas terras. "A área total assim obtida deveria ser escolhida e demarcada, sem levar em conta sesmarias nem posses, dentro de uma zona de trinta quilômetros, ou seja, quinze para cada lado".. Isso, e até mesmo a própria outorga da concessão feita à Brazil Railway Company, contrariava a chamada Lei de Terras de 1850. Não obstante, o governo do Paraná reconheceu os direitos da ferrovia; atuou na questão, como advogado da Brazil Railway, Affonso Camargo, então vice-presidente do Estado.
Ruy Barbosa de Oliveira, como advogado do lobista
nasceu em Salvador em novembro de 1849 e foi um jurista político, diplomata e escritor. Um dos intelectuais mais brilhantes de seu tempo. Foi também um dos organizadores da República e coautor da constituição da Primeira República. Primeiro Ministro da Fazenda do novo regime, destacou-se, também, como jornalista e advogado. Durante a Guerra do Contestado, defendeu os interesses do Paraná, como advogado e lobista da Southern Brazil Lumber & Colonization Co. Inc., grande empresa que integrava o grupo empresarial de Percival Farquhar.
Logo em seguida à construção da São Paulo Rio Grande do Sul, a empresa adquiriu 180 mil hectares de floresta de
araucária, pagando 15 mil réis o hectare. Os sertanejos foram mais uma vez
expulsos. E desta vez nem alguns grandes fazendeiros escaparam. Nesse
latifúndio estrangeiro, Faquhar instalou a Southern Brazil Lumber and
Colonization Company, que serrava diariamente 300 metros cúbicos de madeira em
operações mecanizadas que necessitavam de apenas 800 trabalhadores. Por ano,
eram derrubados cinco milhões de pés de araucárias. Tratava-se da maior
madeireira da América do Sul na época.
Também era comum a especulação de terras. Os coronéis ou empresas compravam
lotes de terra por preços ridículos, expulsavam os posseiros e logo passavam o
lote adiante, lucrando até vinte vezes o valor inicial.
Para a construção da São Paulo-Rio Grande foram trazidos cerca de oito mil
operários de todo o país, que aos poucos iam sendo demitidos e abandonados na
própria região. Este contingente juntou-se aos sertanejos desapropriados.
Seriam eles os futuros rebeldes que, ao invés de receberem alguma assistência,
seriam obrigados a pegar em armas para obter melhores condições de vida.
Após a conclusão das obras do trecho catarinense da estrada de ferro São Paulo-Rio Grande, a companhia Brazil Railway Company, que recebeu do governo 15 km de cada lado da ferrovia, iniciou a desapropriação de 6.696 km² de terras (equivalentes a 276.694 alqueires) ocupadas já há muito tempo por posseiros que viviam na região entre o Paraná e Santa Catarina. O governo brasileiro, ao firmar o contrato com a Brazil Railway Company, declarou a área como devoluta, ou seja, como se ninguém ocupasse aquelas terras. "A área total assim obtida deveria ser escolhida e demarcada, sem levar em conta sesmarias nem posses, dentro de uma zona de trinta quilômetros, ou seja, quinze para cada lado".. Isso, e até mesmo a própria outorga da concessão feita à Brazil Railway Company, contrariava a chamada Lei de Terras de 1850. Não obstante, o governo do Paraná reconheceu os direitos da ferrovia; atuou na questão, como advogado da Brazil Railway, Affonso Camargo, então vice-presidente do Estado.
Esses camponeses que viram o direito às terras que ocupavam ser usurpado, os trabalhadores que foram demitidos pela companhia (1910), decidiram então ouvir a voz do monge José Maria, sob o comando do qual organizaram uma comunidade. Resultando infrutíferas quaisquer tentativas de retomada das terras - que foram declaradas "terras devolutas" pelo governo brasileiro no contrato firmado com a ferrovia - cada vez mais passou-se a contestar a legalidade da desapropriação. Uniram-se ao grupo diversos fazendeiros que, por conta da concessão, estavam perdendo terras para o grupo de Farquhar, bem como para os coronéis manda-chuvas da região.
Como aconteceu no Nordeste sempre teve um padre à frente dos conflitos induzindo os sertanistas, Padin Ciço, centralizou os pobres fiéis do nordeste favorecendo os coronéis e a oligarquia Acioly, durante os conflitos de canudos, caldeirão, pau de colher. Em contestado surge outros padres se dizendo líderes religiosos deixando os pobres dos fiéis cegos pela fé, e a caminho da morte.
O primeiro a aparecer, foi o
monge Gian-maria d'Agostini, italiano de Piemonte que registrou sua entrada no
Brasil em 1844. Assinalara como profissão "solitário eremita". Três
anos depois de sua chegada, João Maria, como se intitulava, desceu para o sul,
onde ergueu capelas e cruzes nos arredores de Santa Maria da Boca do Monte
(SC). Não dormia na casa de ninguém, mas na floresta. Comia frugalmente,
açoitava-se em penitência e entoava cantos e orações, solitário, madrugada adentro.
Logo estaria juntando cerca de 200 pessoas em romarias, atrás de qualquer cura
para suas aflições.
Um dia, João Maria foi embora. Sem deixar fotos nem desenhos. Versões para seus
últimos dias existem várias, algumas datas de 1890 e outras de 1908. Mas um dia
João Maria voltou.Na verdade, era outro João Maria. Chamava-se Anastás Markaff,
um imigrante "nascido no mar e criado em Buenos Aires". Segundo
depoimentos colhidos por Oswaldo Cabral, "um apóstolo humilde, que não
ameaça, chegou em Santa Maria por volta de 1890. Não poderia ser o monge
italiano, pois era bem mais novo. Além disso, este era um profeta, com frases
como "um dia haverá muito rastro e pouco pasto". Pregava a penitência
e profetizava calamidades, inclusive a guerra do Contestado, sendo, porém,
singelo e bondoso. Tal como o primeiro, não deixou rastro. Desapareceu ainda
antes do final da primeira década do século XX.
Ex-soldado do Exército, desertor, o terceiro monge era mais um rebelde do que
um místico. Miguel Lucena de Boaventura se intitulava S. Miguel ou José Maria,
irmão do profeta João Maria. Ao contrário dos dois monges anteriores, gostava
de popularidade e tinha na cintura uma espada de combate. Em setembro de
1912, José Maria havia juntado, no reduto de Taquarussú, cerca de 700 fiéis.
Entre rezas, ameaçava invadir as cidades vizinhas, organizando a população à
maneira militar. Os coronéis, preocupados com o ajuntamento de gente armada,
pediram ao governo uma solução, acusando José Maria de monarquista.
Pacificamente, levantaram acampamento e foram para Irani, então no Paraná.
Quando, em Curitiba, o governador soube, boatos haviam distorcido a história.
Não eram religiosos agrupados, mas catarinenses invadindo as terras paranaenses
para garantir sua posse através do utis-possidetis. Mandou imediatamente uma
tropa com 60 homens, uma metralhadora e 11 cavalarianos, liderados pelo coronel
João Gualberto, para dispersar o grupo. Mal sabia ele que iriam enfrentar mais
de 200 sertanejos. A vitória dos rebeldes foi enfática, com todo o material
bélico do exército caindo em suas mãos. Mas José Maria morreu no combate. Os
crentes abandonaram o local, e quando novas forças do governo chegaram lá,
deram por encerrado o assunto.
O reduto de
Caragoatá foi o mais organizado de todos. Era chefiado por Elias de Moraes.
Havia fartura alimentar, com um boi carneado por dia. Ocorreram mais batalhas
contra as tropas do governo, com duas vitórias dos rebeldes, que passaram então
por um período de euforia que resultaria numa nova etapa da guerra.
Marcou essa nova etapa a morte de um general, Mattos Costa, depois de um ataque
sertanejo à Southern Lumber. Venuto Bahiano, um refugiado que adentrou nos
pelados, matou-o e depois foi morto pelos próprios companheiros, pois Costa era
considerado um importante aliado da causa sertaneja.
Foi o início das divergências. Personagens mais aguerridos, como Adeodato Ramos
e Chico Alonso, começaram a formar seus próprios grupos, assaltando fazendas e
queimando cartórios — ato simbólico contra as novas leis agrárias. Foi o
momento de maior expansão dos rebelados, ocupando uma área do tamanho de
Alagoas, com mais de 20 mil adeptos.
Paulo Ramos Derengoski cita o relatório do general Demerval Peixoto como o que
melhor define a estratégia de guerrilha dos rebeldes: "os matutos só
aceitam o combate em certas condições, em vai-e-vens, avanços e recuos,
esgueirando-se nas dobras das selvas, contornando rincões, (...) mas fugindo
sempre — e na fuga levando de vencida os soldados que se esfalfavam em terreno
adverso... são exímios transformadores em defesa natural dos acidentes do
solo... (...) preferem combater a tiro durante a noite (n: do alto dos
pinheiros)."
Holocausto em Contestado
Até o dia em
que o governo federal resolveu jogar pesado. Iniciava-se 1914. Sob o comando do
general Setembrino de Carvalho, sete mil homens bem equipados, organizados em
quatro colunas, objetivavam um cerco lento, progressivo, a fim de vencer pelo
cansaço. Pela primeira vez no mundo foram usados aviões em um conflito civil,
atirando granadas nos redutos. Agora a guerra era um levante separatista que
queria "um Estado dentro de um Estado", segundo Derengoski. Após um
ano de batalhas só o reduto de Santa Maria da Boca do Monte, protegido pela
geografia, resistia, passando fome. Adeodato Ramos era o novo líder, com mais
de dois mil homens armados. A cidade-santa tinha virado um inferno nas mãos de
Adeodato, apelidado "O Flagelo de Deus", e a rigidez das normas dentro
do reduto foram reforçadas. Velhos, mulheres e crianças eram expulsos por serem
"bocas inúteis".
O holocausto que aconteceu em Canudos, Caldeirão e Pau de Colher, aconteceu também em Contestado.
Em abril de 1915, Santa Maria seria invadida pelo exército... Tenho, pois, a dizer a vossa excelência que, tudo se conseguirá desde que o preclaro chefe da nação queira fazer justiça. Prevenimos aos interessados que, com ameaças nada conseguirão, porque os mil homens que existem neste acampamento sob as minhas ordens, só se entregarão contra o direito, depois de o último deles cair inânime. O convite verbal que vossa excelência se dignou mandar-me fazer, pode vossa excelência marcar o lugar, assim como se quiser, poderá vir até este acampamento, onde trocaremos indizível de recebê-lo. Pode vossa excelência, vir sem o menor receio, que será garantido. Não costumamos violar as nossas promessas. Subscrevo com estima... Antônio Tavares Júnior.
O Major Taurino lê atentamente o bilhete, relê em seguida, após fica por um instante pensativo. Julgava a princípio que encontraria pessoas sem nenhuma instrução intelectual, o bilhete que estava à sua frente, era escrito por uma pessoa inteligente e muito consciente a tudo o que estava fazendo. O acontecimento inesperado trouxe-lhe o receio de atacar o reduto, sem primeiro descobrir as suas fraquezas. O impasse se prolonga por quase uma semana, onde recebe ordens expressas do general Setembrino para atacar e destruir o reduto. Tavares e Alemãozinho organizam os seus guerreiros e a quase quinhentos metros entram em confronto com os soldados e vaqueanos legalistas, que gritam vivas ao São João Maria e a São Sebastião. Valentes guerreiros, não temiam a morte, porque lutam numa guerra santa, onde destruiriam os filhos do Demônio. Aos injustiçados do século deixaram somente a opção em sobreviverem uma vida miserável, onde se obriga a se apegar em suas superstições, trazendo ao sertão contestado a guerra do século. Os soldados e os piquetes legalistas ganhavam terreno, avançando lentamente contra eles e em direção do reduto. Tavares e Alemãozinho após vinte minutos de intenso combate, onde perdem vários guerreiros, são obrigados a debandar. Alemãozinho pede para Tavares levar todos os confinados para o reduto de Piedade, de Bonifácio Papudo, enquanto que ele e os seus guerreiros dariam cobertura. Assim que viu que eles já estavam distantes, ordena a retirada aos seus guerreiros, formando duas colunas. Enquanto uma recuava, a outra protegia a retaguarda. Escondido no mato, Alemãozinho testemunha o desenrolar dos acontecimentos. Os soldados republicanos adentram o reduto, fazem duzentos e setenta e oito prisioneiros. O Major Taurino manda incendiar o reduto, jogando os corpos dos jagunços mortos no fogo. Ele sente que era o princípio do fim, o holocausto jagunço, umas das maiores vergonhas do poder republicano.
Sem dar um único
disparo. Destruída, porém deserta. Os sertanejos haviam se escondido nas
encostas da serra e, com a chegada da noite, passaram a varar a cidade com
tiros de carabina. Potyguara, o capitão, pediu apoio a outras colunas, que
fizeram 358 prisioneiros — uma fração dos combatentes. As tropas, cansadas da
longa batalha, iniciaram a retirada, concluindo sua missão. Caberia às milícias
locais extirpar seus últimos vestígios. Isso porque o grosso dos rebeldes já
havia se reagrupado — ainda sob a liderança de Adeodato, prestigiado, mas
enlouquecido pela guerra, chegando a matar a mulher e a sogra por reclamarem
demais.
Mercenários deram o golpe final nos sertanejos. Com apenas algumas dezenas de
vaqueiros, Lau Fernandez comanda uma invasão ao agrupamento e facilmente prende
a todos. Adeodato, paranóico, reprimia tanto seus seguidores, que esqueceu de
tomar medidas de proteção externa. Esqueléticos, doentes, esfarrapados,
centenas de fanáticos se apresentavam nas vilas. Alguns eram executados.
Hoje, João Maria ainda é reverenciado por fiéis em toda a região, cujo
desenvolvimento após a guerra não trouxe novas resistências. Como conclui
Oswaldo Cabral: "o homem é o mesmo — e a crença é a mesma. Se o perigo não
existe é porque as condições sociais que levaram ao desencadeamento da luta
desapareceram."
Aconteceu de 1 a 3/08/2012 em Florianópolis o Seminário Nacional 100 Anos da Guerra do Contestado.
O seminário promovido pelo Ministério Público de SC reuniu autoridades militares, pesquisadores catarinenses, estudiosos de outros Estados e juristas de diferentes segmentos, dentre eles o historiador canoinhense Fernando Tokarski.
Apesar de ser pouco divulgado, o seminário foi considerado como um dos mais completos e esclarecedores eventos do gênero em todo o país. A Guerra do Contestado começou no dia 22 de outubro de 1912 com a batalha do Irani e terminou em 22 de outubro de 1916 com a assinatura do acordo dos limites, no Rio de Janeiro.
*************
1-
Revista
Trimestral do Instituto Histórico Geográfico e Ethnograpfico do Brasil, parte
I, RJ 1866.
2-
Percival Faquhar sócio do banqueiro sionista Rothschild quando este "comprou" a dívida do Brasil, Livro, Brasil Colônia de
Banqueiros, de Gustavo Barroso.
*Léo Laps é estudante de jornalismo da Universidade
Federal de Santa Catarina.
Bibliografia
Queiroz, Maurício Vinhaz de — Messianismo e
Conflito Social, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966.
Cabral, Oswaldo R. — A Campanha do Contestado,
Florianópolis, Lunardelli, 1979.
Derengoski, Paulo Ramos — Guerra no Contestado,
Florianópolis, Insular, 2000.
As fotos são do arquivo de Nilson Thomé, professor
da Universidade do Contestado, em Caçador