PEKÍN, China — A política do filho único impediu o nascimento de quase 500 milhões de chineses, mas se transformou em uma bomba-relógio, já que o envelhecimento da população na China criará enormes problemas econômicos e sociais no pais mais povoado do mundo.
Se não tivesse aplicado a limitação de nascimentos, medidas que a esta escala e com tal rigor não foram aplicadas em nenhum lugar do mundo, a China teria cerca de 2 bilhões de habitantes que seria incapaz de alimentar, em vez dos atuais 1,34 bilhão.
Desde 1979, a política do filho único fez a taxa de fecundidade cair para cerca de um filho e meio por mulher chinesa, mas, da metrópole aos povos isolados, essa queda ocorreu de maneira acelerada, com esterilizações em massa, abortos até os oito meses de gravidez, "feminicídios" (assassinatos de meninas para priorizar o filho homem) e grande abandono de bebês do sexo feminino.
Os casais rebeldes podem ser multados com vários anos de salários, com a anulação do acesso aos serviços sociais e por vezes podem ser presos. As "crianças negras" (nascidas na ilegalidade) não têm nenhum reconhecimento legal.
Mas três décadas depois, os demógrafos soam o alarme quando começa a surgir uma grave crise de envelhecimento. A China é o único país em desenvolvimento que enfrenta o paradoxo de ser um país com população majoritariamente idosa antes de ser um país rico.
Na China, a crise do envelhecimento é "incomparavelmente mais rápida" que na Europa, onde "a fecundidade caiu, assim como a mortalidade, muito gradualmente em um século", declarou à AFP o demógrafo Christophe Guilmoto.
Nos próximos cinco anos, os que têm mais de 60 anos passarão de 170 milhões a 221 milhões, representando 16% da população (contra 13,3%).
Em meados do século, os habitantes com mais de 65 anos representarão 25% da população chinesa, considera a Comissão da População e Planejamento familiar, contra apenas 9% atualmente. E a metade dos maiores de 60 anos vive em um lar vazio, algo impensável no passado, quando viviam "quatro gerações sob o mesmo teto".
A pirâmide invertida dos 4-2-1 faz o governo temer: quatro avôs, dois pais e um filho único incapaz de satisfazer as suas necessidades e muitas vezes enfrentando o desemprego ou o êxodo para outras cidades para trabalhar.
"Em dez anos será um enorme desafio para o governo", disse à AFP Liang Zhongtang, um demógrafo envolvido em planejamento familiar.
A China já sofre com uma falta de infraestruturas médicas, lares para idosos e funcionários de saúde qualificados.
Para 2015, quer duplicar a quantidade de camas nos institutos especializados, para alcançar seis milhões. Mas seis milhões é a quantidade de camas que faltam atualmente.
A China apenas começa a montar um sistema de segurança social e aposentadoria para todos. Esta crise é "brutal de um ponto de vista econômico pela ausência de aposentadorias", explicou Guilmoto.
Será preciso "acelerar ainda a introdução de sistemas de segurança social e de aposentadorias, que por enquanto envolve apenas uma parte limitada da população urbana e é muito reduzida entre a população rural", disse o demógrafo.
"O direito a se reproduzir é um direito humano", afirmou He Yafu, demógrafo chinês. Mas, "inclusive se a China flexibilizar (as regras do filho único), não acredito que muitos casais queiram uma grande quantidade de filhos", explicou à AFP.
Guilmoto espera que "talvez a fecundidade aumente no futuro", mas "é incerto se observarmos as províncias mais avançadas, onde é quase de um filho por mulher".