1.
Considerações Preliminares
a. Muito já se disse e escreveu acerca do memorável Movimento
Cívico-Militar de 31 de Março de 1964, também chamado de Revolução ou
Contrarrevolução. Hoje, em face da atual conjuntura política, este importante
capítulo da História-Pátria é propositadamente omitido, deturpado e/ou
interpretado sob um viés revanchista e ideológico. Urge, pois, que a verdade
seja exposta e restabelecida, máxime para a juventude, que vem sendo vítima de
uma atoarda constante de desinformação e propaganda, encetada pelos perdedores
de 50 anos atrás.
b. Assim, pretendemos trazer à apreciação dos queridos
leitores, de forma acadêmica, cronológica, abrangente e perfunctória, sempre
imbricada com a fidelidade histórica, selecionados e importantes enfoques,
dentre tantos, relativos aos acontecimentos ocorridos naqueles idos de 1964.
Acreditamos, piamente, que “História é Verdade e Justiça!”
c. Duas breves explicações: a) não foi possível o
devido afastamento nosso, sob um prisma histórico, eis que houve um inevitável
envolvimento emocional de nossa parte, ao escrever este texto e b) não
elaboramos uma bibliografia ao final do trabalho, citando apenas algumas fontes
de pesquisa, no decorrer do escrito; é que foram inúmeras as obras às quais
recorremos (em especial os Relatórios Históricos Anuais de várias Organizações
Militares do Exército), ficando difícil a escolha das que deveriam ser
apresentadas. Pedimos desculpas por essa proposital transgressão a normas
consagradas da boa didática e rogamos paciência a todos, pois a apreciação é
longa, como não poderia deixar de ser, e boa leitura!
2. Recorrência Histórica
a. Mister se faz, antes de abordarmos fatos
relacionados ao Movimento, que façamos um retrospecto de seus antecedentes de
cunho histórico-político-ideológico, aí incluídas as suas causas profundas,
remotas e recentes. Tudo para que bem se compreenda como se passaram alguns
episódios que desejamos lembrar, não esquecendo de que vivíamos em pleno
período da “guerra fria”.
b. Inicialmente, eis uma incompleta e muito
sumária cronologia de aspectos (pródromos) antecessores do 31 de Março de 1964,
que julgamos relevantes, aos quais acrescentamos algumas achegas ancilares:
1) Em 1922, é
criado, no Brasil, o “Partido Comunista - Seção Brasileira da Internacional
Comunista”, posteriormente chamado de Partido Comunista do Brasil. Anote-se que
havia uma cláusula no programa deste novel Partido, subordinando-o ao Partido
Comunista da União Soviética (PCUS) - principal ramificação do Movimento
Comunista Internacional (MCI) -, a quem devia obediência
partidário-institucional, tanto que dele era uma Seção, sendo as diretrizes
emitidas por Moscou, fielmente cumpridas. A faina proselitista desenvolvida
pelos comunistas era intensa e constante, inclusive nas Forças Armadas, o que
deveras alarmava o governo.
2) Em
final de novembro 1935, eclodiu em Natal, Recife e Rio de Janeiro, a Intentona
Comunista. O seu principal mentor foi o ex-capitão do Exército, Luiz Carlos
Prestes, que cumpriu ordens recebidas da Rússia. O termo “intentona” quer dizer
“intento diabólico, louco”, o que de fato foi, eis que militares fardados,
coturnos calçados, em pleno cumprimento do dever legal, foram chacinados, à
socapa, por companheiros de farda - facínoras crapulosos -, de forma cruelmente
traiçoeira e covarde. Todos os anos, em 27 de novembro, junto ao monumento
erguido na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, as Forças Armadas rendem um
comovente preito de homenagem aos heróis-mártires da barbárie comunista, que,
daquela época aos dias atuais, foi sempre repudiada pelos militares
brasileiros, sendo certo que “esquecer, também é trair”. Diga-se que durante
anos, tal cerimônia contou com a presença do presidente da República, o que não
mais acontece, lastimavelmente, sendo também hoje proibidas as solenidades
alusivas, nas Organizações Militares, o que é mais lamentável ainda.
Recomendamos, por ser a melhor fonte histórica sobre o assunto, a nosso sentir,
a leitura das edições históricas do Jornal Inconfidência, de Belo Horizonte, intimorato
periódico que há anos vem abordando, com profundidade e riqueza de detalhes,
esta página triste de nossa História que bem pode ser sintetizada em duas
palavras apenas: traição e covardia.
3) No ano de 1937,
o presidente Getúlio Vargas implantou o “Estado Novo”. Duas ideologias
antípodas se digladiavam acerbamente: o comunismo e o integralismo. As Forças
Armadas foram infiltradas por profitentes das ditas ideologias. A paz pública
encontrava-se muito abalada e uma das razões da implantação da Nova Ordem foi o
restabelecimento da lei e da ordem.
4) Em
1945, os militares depuseram o presidente Vargas e foram realizadas eleições
gerais, tendo sido eleito presidente, o general Eurico Gaspar Dutra; o Partido
Comunista elegeu diversos candidatos, inclusive Luiz Carlos Prestes para
senador. Prestes declarou, de forma apátrida, que se o Brasil entrasse em
guerra com a Rússia, estaria ao lado deste país...
5)
No ano de 1947, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou o registro do
Partido Comunista do Brasil (era esta a denominação; o Partido Comunista
Brasileiro, com a sigla PCB, só será instituído em 1960, em face da já citada
cláusula que o vinculava ao Partido Comunista da União Soviética (PCUS), pela
série de badernas e pertinaz doutrinação ideológica por ele promovidas em todo
o país, além das revoltantes e impatrióticas declarações de Prestes.
6)
Fidel Castro assume o poder em Cuba, no ano de 1959.
7)
Em 31 de janeiro de 1961, toma posse na presidência da República, o candidato
da União Democrática Nacional (UDN), Jânio da Silva Quadros, que vence por
larga margem de votos o candidato do Partido Social Democrático (PSD), general
Teixeira Lott. Mas Jânio frustra os seus eleitores da conservadora UDN ao
empalmar teses esquerdistas, chegando a condecorar, em 19 de agosto de 1961,
com a mais alta comenda nacional (a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do
Sul) o sanguinário guerrilheiro Ernesto “Che” Guevara. Também ele se volta à
prática de atos menores e mesquinhos, eufemisticamente chamados de “iniciativas
moralizadoras”, como a proibição de corridas de cavalo, brigas de galo, uso de
biquínis nas praias, etc.
8)
No dia 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros renuncia ao seu mandato, surpreendendo
toda a nação. Tal atitude estupefaciente ocasionou uma grave crise
político-militar, posto que os ministros militares, almirante Sílvio Heck,
general Odylio Denys e brigadeiro Grum Moss, eram contrários à posse do
vice-presidente João Goulart, que visitava, oficialmente, a China comunista.
Houve, então, uma séria e indesejável cisão nas Forças Armadas, devido à reação
do governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, que criou a “Rede da
Legalidade” a favor da posse de Goulart, contando com o apoio do comandante do
III Exército, general Machado Lopes. O regime parlamentarista foi a solução
encontrada para se evitar uma guerra civil. Mas o país, dividido,
mergulha em grave crise institucional...
9)
Em janeiro de 1963, realizado um plebiscito, João Goulart assume, plenamente,
os poderes presidenciais. Inicia-se um período de intensa instabilidade
político-social; de colapso das instituições e da economia - em plena
bancarrota, com a insolvência financeira do país, obrigado a mendigar empréstimos
e investimentos a credores estrangeiros; de uma inflação galopante; de
crescente desabastecimento de gêneros de primeira necessidade, com filas
intermináveis junto aos mercados e armazéns; de aviltamentos salariais; de
agitações populares no campo, nas cidades, nos meios estudantil, político,
sindical e militar; de infiltração comunista em todas as expressões do Poder
Nacional, inclusive na Igreja, nas Forças Armadas e Polícias Militares (havia
células comunistas em vários quartéis) e no meio estudantil; de luta pela
implantação de uma “República Sindicalista”, com todo o poder para os
sindicatos; de criação de milícias ou grupos paramilitares, como as “Ligas
Camponesas”, no Nordeste, e os “Grupos dos Onze Companheiros”, no Sul do país;
de constantes (quase que diárias) greves em serviços públicos essenciais e
também de cunho político-ideológico, com agressivos piquetes nas entradas das
fábricas e empresas; de incitamento à convulsão social (era o “quanto pior,
melhor”), promovido por poderosas organizações político-sindicais, como o
Partido Comunista Brasileiro (PCB), a Ação Popular (AP), a União Nacional dos
Estudantes (UNE), o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), o Pacto de Unidade e
Ação (PUA), a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI) e
outras, como denunciou à nação, o general Pery Bevilácqua; de inversão de
valores; de tentativas, por vezes coroadas de êxito, de quebra da disciplina e
da hierarquia nas Forças Armadas - o que era até incentivado pelo próprio
presidente da República, como evidenciaremos, adiante, etc, etc. Diga-se que
aquele estado de caos teve o total repúdio da imprensa, do clero, de parte
significativa do Congresso Nacional, da imensa maioria da população ordeira e
laboriosa e das Forças Armadas - à exceção de uma minoria minimante, atrelada
ao débil “dispositivo militar”, o qual, dizia-se, - “cortaria a cabeça da
direita” -, e que foi montado pelo chefe da Casa Militar da Presidência,
general Assis Brasil (assinale-se que este militar, após a consolidação do
movimento revolucionário, foi o mais severamente punido, dentre os
oficiais-generais, eis que expulso do Exército e não expurgado da Instituição,
para a inatividade, “ex officio”, como outros das três Armas, contrários à Nova
Ordem). Aqui, façamos um alentado parêntese, conexo ao tema: muito se condena,
hodiernamente, o “golpe militar da direita com o apoio do imperialismo ianque”.
Entretanto, os pregoeiros sofistas dessas teses falsas e canhestras,
normalmente prosélitos esquerdistas, recusam-se a contextualizar os fatos e a
entendê-los de forma holística; a procurar saber para aonde estávamos sendo
conduzidos, polítco-ideologicamente; a indagar a quem interessava a erosão da
hierarquia e da disciplina e o rompimento da coesão nas Forças Armadas (procuravam
lançar os sargentos contra os oficiais e tinham o apoio, lamentavelmente, de um
pequeno segmento de oficiais-generais, alcunhados de “legalistas” e de
“generais e almirantes do povo”); a relembrar a REAÇÃO da esmagadora maioria
(refrise-se) dos brasileiros ao estado de anarquia então vigente e das
históricas “Marchas da Família, com Deus, pela Liberdade”. Esquecem-se da
repulsa ao governo central, da parte dos governadores dos principias estados da
Federação, de grande parcela do Congresso, dos principais meios de comunicação
de massa, da Igreja, etc; negam-se a rever o que foi farta e amplamente
publicado na grande imprensa jornalística daquela época (as manchetes e
editoriais dos maiores periódicos encontram-se disponíveis na internet...); a
pesquisar os relatórios das Organizações Militares que foram protagonistas das
ações para a derrubada do governicho de então; a ler, em bons livros e
revistas, os historiadores isentos e não contaminados ideologicamente
(antológico foi o artigo publicado, em separado, nas “Seleções do Reader’s
Digest”, de novembro de 1964, intitulado “A Nação que se Salvou a Si Mesma”); a
inquirir os de ilibada honestidade intelectual, que viveram a hostil conjuntura
em comento e podem, com conhecimento de causa, analisá-la com imparcialidade,
tudo levando à comprovação da INEVITABILIDADE da Contrarrevolução (ao depois,
explicaremos esta expressão) de 1964, igualmente apodada, com muita
propriedade, de “Revolução Redentora!”. Todo bom historiador sabe que a
História não se repete, mas ela contém leis invariáveis e constantes que se
aplicam a relevantes momentos da evolução da humanidade, como as do “horologium
historiae” ou “pendulum historiae” (relógio ou pêndulo da História). Ora, em
vista da situação caótica dos anos imediatamente anteriores e de 1964, a
revolta da população brasileira e de suas Forças Armadas não poderia ser outra
e era nitidamente previsível e inexorável, como inexorável foi o igualmente
acontecido em inúmeros outros países que passaram por situações semelhantes, ao
longo dos tempos. Historiadores norte-americanos dizem que “em História, não há
“ifs and buts”. Mas hoje, no Brasil, existe uma caterva de impostores
despreparados, cabotinos, boquirrotos e revanchistas, sem repertório cultural
suficiente, meros repetidores de frases feitas, chavões ou bordões
esquerdistas, que se aproveitam do lastimável menosprezo de nosso povo para com
a memória histórica do país, e desejam, de forma capciosa, sibilina e nebulosa,
a releitura e/ou a modificação, a seu talante, de forma amadorista,
inconsequente e irresponsável, dos fatos históricos e das milenares e imutáveis
balizas da História, a “Mestra da Vida”. É muita presunção, para não dizer
hipocrisia, oportunismo, desfaçatez e demagogia, desses tão conhecidos
medíocres e mentirosos velhacos, considerados “politicamente corretos”,
neo-escrevedores e contadores de estórias. Eles, verdadeiros “estelionatários
culturais”, em constante, maniqueísta e reducionista interpretação dos
episódios existenciais, à luz de um insidioso dogma marxista, chamado de
“materialismo histórico e dialético,” passam a impressão, em particular para os
jovens e os incautos, de que existe uma História de direita e outra de esquerda
(esta, chamada de “Nova História”, “História Combatente” e de outras enganosas
rotulações).
c. Ainda no bojo desta sintética cronologia, passemos à
apresentação das principais causas, remotas e recentes, a nosso entender, que
levaram à eclosão do Movimento:
1) Causas Remotas (Mediatas):
a) A criação, em
1922, da agremiação política formadora do futuro Partido Comunista do Brasil,
em especial pela ação doutrinário-propagandística fortemente desencadeada em
todo o País, com sérios reflexos para a paz social.
b) A Intentona
Comunista de 1935, já abordada, anteriormente. Não consideramos o “tenentismo”,
como querem muitos, uma das causas remotas da Contrarrevolução, apesar do
acendrado patriotismo e acrisolado idealismo (“a regeneração da Pátria”) de
jovens e valorosos oficiais como Juarez Távora, Cordeiro de Farias, Eduardo
Gomes e outros que participaram ativamente das ações em 1964. É que houve uma
ofensa contundente à disciplina, à hierarquia e à autoridade, quando vitoriosa
a Revolução de 1930, ocasião em que os “Tenentes” passaram a chefiar superiores
hierárquicos, por conta das funções que exerciam, mormente as de Interventores
em vários estados. Um dos objetivos da Revolução de 1964 era, em especial, a
restauração dos mencionados princípios, fortemente violentados...
2) Causas Recentes (Imediatas),
dentre outras:
a) A
renúncia de Jânio Quadros, em 1961, já apreciada.
b) A
fundação, em maio de 1962, da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do
Brasil (AMFNB), de feição comuno-sindicalista, à revelia dos regulamentos
militares, embrião de um nocivo “sindicalismo ou associativismo militar”, assaz
pernicioso, no seio das instituições militares. Abalizados analistas afirmavam
que tal Associação era um verdadeiro “soviete” bolchevique, encravado na
Marinha de Guerra.
c)
A Revolta dos Sargentos em Brasília. Tal bernarda ocorreu em 12 de setembro de
1963, na Capital Federal, deflagrada por suboficiais e sargentos da Marinha e
da Aeronáutica e motivada por uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que
considerou ilegal a elegibilidade das Praças. Os sublevados ocuparam as
instalações do ministério da Marinha e de outras instituições federais, além de
fazerem prisioneiro um ministro do STF. Diga-se que, estranhamente, naquele
dia, o presidente da República ausentara-se de Brasília, só regressando depois
que o Exército debelou a rebelião.
d)
O monumental comício de 13 de março de 1964, realizado na Central do Brasil, no
Rio de Janeiro, com a presença do presidente da República, de vários ministros (inclusive
o da Guerra) e de gradas autoridades. O presidente prometeu implementar as
reformas, “na lei ou na marra”, e foram pronunciados diversos e incendiários
discursos que pregavam a desobediência civil, a luta de classes, a encampação
das refinarias de petróleo, a revisão da Constituição, a subversão em todas as
expressões do Poder Nacional, etc. A massa humana vociferava agressivas
palavras-de-ordem e portava bandeiras vermelhas com a foice e o martelo,
do Partido Comunista, faixas e cartazes alegóricos insultuosos aos “gorilas”,
aos “fascistas”, aos “reacionários”, ao governador da Guanabara, Carlos
Lacerda, etc.
e)
A Circular Reservada do Chefe do Estado-Maior do Exército (EME),
General-de-Exército Humberto de Alencar Castello Branco, datada de 20 de março
de 1964. Nessa Circular, o chefe do EME prevenia seus subordinados para o
acelerado processo de instauração de uma “Constituinte como caminho para a
consecução das reformas de base e o desenvolvimento em maior escala de agitações
generalizadas do ilegal poder do CGT”. Advertia que “As Forças Armadas são
invocadas em apoio a tais propósitos”. E, adiante: “A ambicionada Constituinte
é um objetivo revolucionário pela violência com o fechamento do atual Congresso
e a instituição de uma ditadura. A insurreição é um recurso
legítimo de um povo”. E mais à frente: “Entraram as Forças Armadas
numa revolução para entregar o Brasil a um grupo que quer dominá-lo para mandar
e desmandar e mesmo para gozar o poder? Para garantir a plenitude do grupamento
pseudo-sindical, cuja cúpula vive na agitação subversiva cada vez mais onerosa
aos cofres públicos? Para talvez submeter a nação ao comunismo de Moscou? Isto,
sim, é que seria antipátria, antinação e antipovo”.
Como se observa, o general Castello Branco já vislumbrava uma
iminente revolução comunista no país. O jornal “O Globo”, de 5 de abril de
1964, estampou a seguinte manchete: “A Revolução Democrática antecedeu de um mês
a revolução comunista”. Ainda mais: o falecido historiador e militante comunista
do PCBR, Jacob Gorender, chamou, com franqueza e honestidade, a Revolução
Redentora, de “um golpe preventivo” (segundo Jarbas Passarinho, in “ O Estado
de São Paulo”, 19 Dez 2004, artigo “Apogeu e Declínio do Ciclo Militar”).
Destarte, são muito coerentes e apropriadas as afirmações de competentes
exegetas, de que a Revolução de 31 de Março foi, na realidade, um contragolpe,
uma Contrarrevolução, vale dizer, uma revolução oposta à outra revolução, de
cunho ideológico e sectário, que estava em avançado andamento, cujo objetivo
maior era a bolchevização do Brasil e, posteriormente, da América do Sul.
Acrescente-se que o termo “Revolução” foi cunhado pelo famoso jurista Francisco
Campos. Isso era necessário, juridicamente, para a caracterização do vitorioso
Movimento como de natureza revolucionária (implantação de uma Nova Ordem),
tendo em vista o imprescindível respaldo jurídico para a investidura no
exercício do Poder Constitucional. Francisco Campos foi o principal redator do
Ato Institucional n° 1 (promulgado em 9 Abr 64), e, neste documento de nossa
História Política, usou o citado termo, no preâmbulo do Ato, “ipsis litteris”:
“Fica, assim, bem claro que a Revolução não
procura legitimar-se através do Congresso. Este é que recebe deste Ato Institucional,
resultante do exercício do Poder Constituinte, inerente a todas as revoluções,
a sua legitimação”. Sob tais fundamentos, o Comando Supremo da Revolução
manteve a Constituição Federal de 1946, com pequenas modificações, e o
Congresso Nacional. Eis, portanto, o principal motivo por que o “Movimento
Civil e Militar”, para usarmos expressão insculpida no referido AI-1, é
considerado uma “Revolução”. Ainda a respeito do assunto, preleciona o eminente
coronel Jarbas Passarinho, em magistral artigo de título “A História Revisada”,
in “Correio Braziliense”, de 3 de abril de 2001: “O 31 de Março foi uma
contrarrevolução, maciçamente apoiada pela sociedade civil, imprensa à testa, o
Congresso por
sua ampla maioria,
a Igreja igualmente”.
f)
O Manifesto “Sentinelas Alertas”. Em 22 de março de 1964, a imprensa publicou
um histórico Manifesto de 72 generais da reserva aos seus irmãos de armas, de
título “Sentinelas Alertas”, em que os signatários alertavam a nação e as
Forças Armadas quanto às ações ilegais do presidente da República, que
extrapolava os “limites da lei” (esta expressão era da Constituição de 1946,
como comentaremos adiante), e estimulava, de forma solerte, a luta de classes,
a cizânia e a inversão de valores no meio militar.
Era a relembrança dos velhos Soldados, de um mui antigo brado
castrense: “Sentinela Alerta? – Alerta Estou!”
g)
O Motim dos Marinheiros. Em 25 de março de 1964, cerca de 1.400 sócios da já
mencionada e ilegal Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil
(AMFNB) amotinaram-se na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, no Rio de Janeiro,
gritando palavras-de-ordem e dando vivas a João Goulart e ao Almirante Aragão
(comandante do Corpo de Fuzileiros Navais). Os insurretos exigiam o reconhecimento
da espúria AMFNB e a anulação das punições impostas aos seus membros; a
imediata substituição do ministro da Marinha; a modificação dos regulamentos
militares; a elegibilidade das praças; o aumento dos vencimentos, etc, etc.
O ministro da Marinha determinou, em 26 de março, que um
contingente de Fuzileiros Navais cercasse e prendesse os sublevados. Tal tropa
se insubordina, abandona as armas em plena via pública e adere aos revoltosos.
O ministro se demite e é nomeado para o ministério, o almirante da reserva
Paulo Mário, militar sabidamente esquerdista.
No dia 27 de março, a marujada passa a comemorar as vitórias
obtidas, deixa o Sindicato em ruidosa e vexatória passeata, com uniformes em
desalinho e adulterados, bradando violentos “slogans” e carregando
nos braços, os almirantes Suzano e Aragão, eles fardados. Em consequência dessa
gravíssima perturbação da ordem, com a quebra da disciplina e da hierarquia, o
Exército recebeu ordens de cercar e prender os insurretos.
h)
A reunião de Juiz de Fora. No dia 28 de março de 1964, às 1700 h, realizou-se,
no aeroporto de Juiz de Fora (MG), uma reunião solicitada pelo Marechal Odylio
Denys, à qual estiveram presentes o governador Magalhães Pinto, o general
Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar, o comandante da Polícia Militar
de Minas Gerais, coronel José Geraldo, e outras autoridades. Tudo ficou
acertado para que o Movimento partisse de Minas Gerais, e, por sugestão do
Marechal Denys, foi marcada a data-hora: 310600 Mar 64. Assinale-se, por muito
relevante, que a Revolução de fato se inicia em 30 de março e não no dia 31,
após o governador Magalhães Pinto lançar um Manifesto, desligando o estado de
Minas, da Federação, até que o presidente da República fosse deposto. Esse fato
histórico, tão pouco lembrado, será por nós comentado mais à frente.
i)
A Reunião do Clube Naval. Centenas de oficiais da Marinha se reuniram no Clube
Naval, no Rio de Janeiro, em 29 de março de 1964, indignados com “a destruição
da Marinha e das Forças Armadas, pela quebra da disciplina e da hierarquia”. A
reunião redundou no lançamento de um Manifesto ao povo brasileiro, da parte de
1.500 oficiais daquela Força, em que afirmavam “ter chegado a hora de o Brasil
defender-se”. A Imprensa apoiou abertamente o Manifesto que obteve grande
repercussão nacional, no Congresso e nas duas outras Forças.
j)
As “Marchas da Família com Deus pela Liberdade”. Estas foram manifestações
espontâneas, ocorridas nas principais capitais do país. Era o povo nas ruas,
aos milhares (em especial os clérigos e as mulheres, portando terços, imagens
de santos, velas, faixas, cartazes, etc), num protesto cristão e democrático
contra o que se passava no Brasil do início dos anos 1960. Tais marchas, de
fortíssimo apelo emocional, muito influíram para o desencadeamento da Revolução.
k)
A reunião no Automóvel Clube. Na noite de 30 de março de 1964, realizou-se uma
megarreunião, com a presença do presidente da República, no Automóvel Clube do
Rio de Janeiro. O evento congregou cerca de 2.000 militares (a maioria, praças)
das Forças Armadas e Polícias Militares de vários estados, da qual participou,
para gáudio dos presentes, o famigerado Almirante Aragão. Como ocorrera no
comício da Central do Brasil, vários oradores usaram da palavra, inclusive o
presidente da República. Maus brasileiros, “pelegos” civis - ligados a João
Goulart -, e militares bastardos, proferiram discursos radicais, inflamados,
insolentes, repletos de invectivas contra a democracia, incentivadores do
divisionismo no seio militar e atentatórios a princípios basilares das Forças
Armadas. Sim, pois eles defendiam o deletério “sindicalismo militar”, as
“reformas de base na lei ou na marra”, o abrandamento dos regulamentos
militares, a legalização da Associação de Marinheiros, uma nova lei de
promoções, a elegibilidade das praças, o aumento dos vencimentos, etc, com
ameaças de “sérias represálias do povo” aos que se opusessem a essas
reivindicações. O pundonor das gloriosas e invictas Forças Armadas Brasileiras
foi, então, vergonhosa e acintosamente enxovalhado. A televisão mostrou ao vivo
aquelas cenas deploráveis. Era a gota d’água que faltava. Quem as viu, pôde
sentir, sem dúvidas, que estava próxima a deposição de Jango; e, de fato, no
dia seguinte, o “Destacamento Tiradentes” deslocava-se de Minas Gerais para o
Rio de Janeiro, onde ele se encontrava com os seus auxiliares diretos, no
Palácio Laranjeiras.
3. A Infringência da Ordem Jurídica
“As Forças Armadas violaram a Constituição
para poder salvá-la”.
(jurista Pontes de Miranda, in Jornal do
Brasil, 6 Abr 64)
a. Quando da eclosão da Revolução de 1964, estava em
vigor a Constituição de 1946. Aquela “Lex Legum” continha preceitos muito claros
e insofismáveis e que foram inquestionavelmente infringidos pelo Primeiro
Mandatário da Nação. Tal fato implicou, entre outras nefastas consequências, no
solapamento dos princípios da disciplina e da hierarquia nas Forças Armadas.
O parágrafo único do artigo 83 da dita CF explicitava, quanto
ao ato da posse, o compromisso do presidente da República: “Prometo manter, defender e
cumprir a Constituição da República e observar as suas leis”.
O artigo 176 primava por sua clareza: “As Forças Armadas, constituídas
essencialmente pelo Exército, Marinha e Aeronáutica, são instituições nacionais
permanentes, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a
autoridade suprema do Presidente da República e dentro dos limites da
lei”. O artigo 177 também era bastante cristalino: “Destinam-se as
Forças Armadas a defender a Pátria e a garantir os poderes
constitucionais, a lei e a ordem”. Ora, se o presidente ao pregar
abertamente a quebra da constitucionalidade, estimulando a luta de classes
marxista nas Forças Armadas, com flagrante ofensa, torne-se a frisar, à
hierarquia e à disciplina (comício da Central do Brasil, apoio a marujos
sublevados, reunião de confraternização com praças das Forças Armadas e
Polícias Militares, etc) agia, indubitavelmente, fora dos “limites da lei” (rever
o artigo 176, da CF/46), em frontal testilha com as normas constitucionais,
normas que as Forças Armadas eram obrigadas a garantir (artigo 177, da
CF/46)... Daí o general Castello Branco ter alertado, repita-se, em 20 de março
de 1964: “A Insurreição é um recurso
legítimo de um povo”.
b. O Estatuto dos Militares (Decreto-Lei n° 9.698, de 2
de setembro de 1946) prescrevia, “in verbis”: “ Art 31. Cabe aos militares a
responsabilidade integral das decisões que tomam ou dos atos que praticam,
inclusive na execução das missões e ordens por eles taxativamente determinadas.
Parágrafo Único: No cumprimento de ordem emanada de autoridade superior, o executante não fica
exonerado da prática de qualquer crime”.
c. O Código Penal Militar (CPM) – Decreto-Lei n°
6.227, de 24 de janeiro de 1944, asseverava no artigo 28 e seu parágrafo
primeiro: “Art 28. Se o crime é cometido sob coação irresistível ou em estrita
obediência à ordem de superior hierárquico, em matéria de serviço, só é punível o autor da
coação ou da ordem. § 1°. Se a ordem do superior tem por objeto a prática
de ato manifestamente criminoso, ou há excesso nos atos ou na forma da
execução, é
punível também o inferior”.
d. Do antes expendido, conclui-se que aos militares era
defeso o cumprimento de ordens, sob pena de cometeram crime, se estas fossem
flagrantemente atentatórias à lei e à ordem e que pusessem em risco, por
exemplo, a autoridade, a hierarquia e a disciplina, fundamentos constitucionais
das Forças Armadas. Tais ordens ilegais e abstrusas foram dadas pelos ministros
militares e pela cúpula do chamado “dispositivo militar” do governo deposto em
1964. Não foram cumpridas pela imensa maioria das tropas enviadas (1ª Divisão
de Infantaria e Grupamento de Unidades Escola, Grandes Comandos do Rio de
Janeiro) para barrar, em 31 de março/1° de abril de 1964, os deslocamentos da
4ª Divisão de Infantaria (Minas Gerais) e do II Exército (São Paulo) em direção
à Guanabara. Tudo de acordo com os ditames da CF/46, do Estatuto dos Militares
e do Código de Processo Penal (CPM). E também pela falta de liderança dos
generais janguistas.
Urge não esquecer de que “A Justiça é a primeira das Virtudes”,
como sentenciava São Paulo Apóstolo.
e. Passaremos a contestar a afirmação, hoje tão correntia, de
que a Revolução Democrática de 1964 foi uma “ditadura militar” que levou o país
aos “anos de chumbo”. Lembremo-nos, inicialmente, de que todos os cinco
presidentes revolucionários, tachados, de forma indevida e injusta, de
“ditadores”, foram
eleitos legal e constitucionalmente, estando em pleno funcionamento os
três Poderes da República! Um importante adendo: as liberdades constitucionais
somente foram cerceadas a notórios e empedernidos perturbadores da paz pública
e a frios e desalmados terroristas. E ainda: é por demais consabido por
juristas e cientistas sociais, que o único organismo internacional que trata da
análise dos governos em todo o mundo, sob esse aspecto, ou seja, se de “estrutura
democrática” ou de “estrutura totalitária” - para usarmos as expressões por ele
utilizadas -, é o Tribunal (ou Corte) Internacional de Justiça da ONU (o
“Egrégio Pretório” desta Organização) sediado em Haia, na Holanda, também
conhecido como “Tribunal ou Corte de Haia” (não confundir com o Tribunal Penal
Internacional - TPI). A dita Corte preconiza como sendo de estrutura
democrática, aqueles países que obedecem a seis fundamentos básicos: três deles
são os pilares da democracia grega e os demais, típicos das democracias
modernas. Dos gregos, são considerados os princípios da isonomia legal (ou
seja, “todos são iguais perante a lei”); da isotimia (princípio da
representatividade: “todos têm o direito de exercer funções públicas
administrativas e de constituir um seu representante ou paráclito”, como um
advogado, um prefeito, um deputado, etc) e da isagoria (em alusão às ágoras,
locais onde os gregos discutiam os seus problemas, por meio da democracia
direta: vale dizer, a liberdade de reunião e de expressão, desde que não
atentatórias às leis estabelecidas; este direito é negado aos democratas, pelos
seguidores da ideologia marxista-leninista). Da democracia moderna exsurgem
três outras condicionantes: a existência de eleições (independentemente se diretas
ou indiretas); o pluripartidarismo (em oposição ao partido único dos regimes
totalitários) e a rotatividade (alternância) no poder. Pois bem: o Brasil, ao
tempo dos governos militares, cumpriu tais mandamentos, tanto que o mencionado
Tribunal, à época, não nos classificou como país de “estrutura totalitária”.
Inegavelmente, como não poderia deixar de ser, em face da atmosfera
político-social vivenciada, esses governos foram autoritários, de força, por
vezes discricionários e de exceção (como na edição do Ato Institucional n° 5, o
AI-5, e em três ocasiões, quando o Congresso Nacional foi temporariamente
fechado, tudo para a imprescindível defesa dos primados revolucionários), porém
jamais se constituíram, técnico-juridicamente, em uma ditadura, como foi a de
Getúlio Vargas, para não se falar nas infames, opressoras e cruéis “ditaduras
do proletariado”, com os seus regimes genocidas de mais cento e dez milhões de
mortos, dos “gulags”, das masmorras, das torturas e dos “paredões”, que
envergonham a humanidade. Os parâmetros a esse respeito têm de existir e
existem, sim, consoante o superior e douto magistério da “Corte de Haia”, como
observamos anteriormente, para que não prevaleça o subjetivismo amador
(“achismo”), inconsequente e irresponsável, como sói acontecer entre nós, muito
desafortunadamente.
4.
Aspectos de relevante historicidade relativos à Contrarrevolução de 1964
a. Não é escopo deste Estudo, a abordagem minudente de
fatos ocorridos por ocasião das operações militares revolucionárias. Isso está
narrado nos mínimos detalhes pelos Registros Históricos Anuais das Organizações
Militares do Exército, partícipes do Movimento, referentes a 1964 e aos anos
que o antecederam e sucederam. Tais Registros (que são as principais e mais
fidedignas fontes, pois primárias!) eram custodiados pelo Centro de
Documentação do Exército, em Brasília, até a sua recente e infeliz desativação,
e cujo acervo foi enviado para o Rio de Janeiro. Os episódios mais emblemáticos
também estão descritos em vários livros, revistas e jornais (como nas edições
históricas do Jornal Inconfidência, de Belo Horizonte) e, principalmente, na
coletânea “História Oral do Exército”, de título “1964 - 31 de Março. O
Movimento Revolucionário e a sua História”, publicada pela Biblioteca do
Exército, já no seu 13° tomo. Ademais, não é nosso desiderato o resgate
histórico nem a elucidação de notáveis ocorrências pontuais – tantos já o
fizeram - eis que quase tudo já foi desvelado pela vasta bibliografia existente
e que pode ser compulsada com percuciência científica. Mas gostaríamos, sim, de
recordar fatos pouco explorados, a nosso entender.
b. Inicialmente, registre-se que a Revolução foi
deflagrada no dia 30 de março (e não 31) de 1964, em Minas Gerais, pelo
governador Magalhães Pinto (que já no dia 20 de março, havia lançado, em cadeia
de rádio e televisão, um primeiro Manifesto contra as atitudes de João
Goulart), em reunião iniciada às 1000 h e encerrada às 1330 h, na casa do
secretário do Interior, Oswaldo Pierucetti, que contou com a presença do
secretariado do governo mineiro, do general Luís Guedes, comandante da
Infantaria Divisionária da 4ª Divisão de Infantaria, com sede em Belo
Horizonte, e do coronel José Geraldo, comandante da Polícia Militar de Minas
Gerais. Na ocasião, foi lido o “Manifesto de Minas” em que o estado se
considerava desvinculado da União, até à substituição do presidente da
República. Em seu livro “Tinha que Ser Minas” (Editora Nova Fronteira SA, RJ,
1979) afirma o general Guedes, no capítulo da página 202, de título “30 e não
31 de março de 1964”, o que se segue: “Nesta hora (14 horas) de 30 de março de
1964, que rigorosamente marca o início da Revolução Mineira, dei-lhes ciência
[referia-se aos seus oficiais da ID/4] do Movimento que estava eclodindo, com
as seguintes palavras: Minas está rebelada, com a minha concordância e integral
apoio; a partir deste momento, nos desligamos do Governo Federal e passamos a
constituir Força autônoma integrada na Revolução; não nos conformamos em
assistir, passivamente, ao desenrolar dos acontecimentos, que, fatalmente, nos
conduzirão à anarquia e ao caos”. Aduza-se que desde a tarde daquele dia, foi
desencadeada em todo o estado, pelas Polícias Militar (há dias com os seus
batalhões completamente mobilizados e aquartelados, totalizando 18.000 homens)
e Civil e pela Guarda Civil de Belo Horizonte, em combinação com a 2ª Seção da
ID/4, uma mega-operação, a “Operação Gaiola” que prendeu inúmeros subversivos,
ocupou sedes de partidos políticos, sindicatos, etc. Além disso, as fronteiras
(divisas) de Minas Gerais com os demais estados foram bloqueadas por
contingentes da PMMG que também passaram a controlar, rigorosamente, por meio
de barreiras policiais, os principais eixos rodoviários e ferroviários e
ocuparam pontos sensíveis, como as represas de Furnas e Três Marias, centrais
de abastecimento de água, todos os postos de gasolina, casas de armas e
munições, bancos, prédios públicos, etc, etc. Concomitantemente, foi posta em
execução a “Operação Silêncio”, com a ocupação do Departamento dos Correios e
Telégrafos (DCT), da Central Telefônica Brasileira (CTB), de jornais, de
emissoras de rádio e TV, etc, impondo-se a censura em todas as mídias. Tais
preliminares e eficazes providências, de cunho policial (adrede, minuciosa e
sigilosamente planejadas pela Secretaria de Segurança Pública de Minas),
garantiram a completa segurança das ações militares posteriormente deflagradas.
Consigne-se, ainda, que a Base Aérea de Belo Horizonte, ao comando do coronel
aviador Afrânio Aguiar, integrou-se, militarmente coesa, à Revolução. No dia 31
de março, também se iniciou, na capital mineira, a mobilização civil, no Grupo
Escolar Pandiá Calógeras, ao encargo do general da reserva José Lopes Bragança,
irmão do desafortunado tenente Benedicto Lopes Bragança, assassinado,
covardemente, quando da Intentona Comunista, em 27 de novembro de 1935, na
Escola de Aviação Militar, no Rio de Janeiro. Cada voluntário recebia uma
braçadeira verde-amarela com um triângulo no centro, para portar no braço
direito, símbolo do levante mineiro. Após o primeiro dia, o número de
apresentados já ultrapassava a casa dos 10.000. E digamos mais: igualmente,
milhares de voluntários civis se apresentaram quando das convocações, em outros
estados, particularmente em São Paulo, que conclamava, especialmente a
juventude, por meio de uma cadeia de rádio e televisão, denominada “Rede da
Democracia”, semelhante à “Cadeia da Liberdade”, de Minas Gerais. Assinale-se
em complementação ao assunto, que o estado de polarização no país era por demais
extremado e preocupante. Para se contrapor às ações perpetradas pelos “Grupos
dos Onze” e pelas “Ligas Camponesas”, bem como às atividades subterrâneas de
comunistas nas Polícias estaduais e nos meios estudantil (particularmente no
universitário) e sindical, foram formados em vários estados brasileiros, bem
antes de março de 1964, grupos paramilitares. Eram tropas de choque (milícias
particulares muito bem organizadas), aguerridas, treinadas, fortemente armadas
e municiadas, ditas “de direita”. O que mais se dedicou a esse mister, desde os
anos próximos ao de 1964, foi o governador de São Paulo, Adhemar de Barros, que
também intensificou o adestramento de suas Polícias Civil e Militar. Portanto,
estávamos deveras sobre um barril de pólvora que explodiria, mais cedo ou mais
tarde. Com a vitória da Contrarrevolução, tudo voltou ao normal e os
voluntários mobilizados, além dos mencionados grupos, foram devidamente
desmobilizados e desarmados, evitando-se um doloroso derramamento de
sangue, por meio de uma prolongada e catastrófica guerra civil, que,
certamente, teria a indesejável participação alienígena. Assim, naquele bendito
ano de 1964, após a derrota comuno-sindicalista, não é exagero dizer-se que
houve, de fato, uma autêntica e incontestável Pacificação em todo o Brasil, por
força da atuação do Exército, basicamente. Mas retornemos ao fio da meada: em
suma, Minas Gerais estava completamente sublevada. Todavia, o general Mourão
Filho, comandante da 4ª Divisão de Infantaria, sediada em Juiz de Fora, não
participou nem teve informação prévia sobre a reunião e o Manifesto do governo
de Minas, o que o deixou furioso com o governador e com o general Guedes, fato
que narra em detalhes no seu livro “Memórias: A Verdade de um Revolucionário”
(L&PM Editores, Porto Alegre, 1978). Entretanto, 15 horas e meia depois da
reunião de Belo Horizonte, ou seja, às 0500 horas de 31 de março, este general
decide partir na direção da Guanabara, constituindo o “Destacamento
Tiradentes”. Como conclusão, que fique muito claro que a Revolução eclodiu em
Belo Horizonte, em 30 de março de 1964, sendo o governador José de Magalhães
Pinto, o seu grande líder civil, que contou com o decisivo apoio do comandante
da ID/4, general Carlos Luís Guedes e do comandante da Polícia Militar de Minas
Gerais, coronel José Geraldo de Oliveira; e o comandante militar, que
determinou o deslocamento das tropas em direção ao Rio de Janeiro, foi o
general Olympio Mourão Filho, no comando da 4ª Região
Militar/4ªDivisão de Infantaria, secundado pelo comandante do citado
Destacamento, general Antônio Carlos da Silva Muricy, cujo chefe de
Estado-Maior era o tenente-coronel Walter Pires de Carvalho e Albuquerque,
futuro ministro do Exército, tendo permanecido em Belo Horizonte, nesse
primeiro momento, o governador e o general Guedes.
c. As tropas do “Destacamento Tiradentes” (integrado
por Unidades do Exército e por dois batalhões da PMMG) iniciaram o seu
deslocamento, às 1230 h, de 31 de março, consoante o histórico Boletim
Especial, de 9 de maio de 1964, “Relatório da Revolução Democrática iniciada
pela 4ªRM/DI, em 31 de março de 1964”, exarado pela dita Região Militar,
constando às folhas 6, o que se segue: “Às 1230 h, o 10° RI [sediado em Juiz de
Fora] iniciou seu deslocamento para o Sul”, etc, etc. Aqui, uma curiosidade:
por que “Destacamento Tiradentes”? No documento “Relatório das Atividades do
Destacamento Tiradentes”, de 7 de abril de 1964, assinado pelo general Mourão
Filho, consta a seguinte dicção, na primeira página: “O Destacamento foi constituído
por tropas da Guarnição Federal da 4ª RM-DI e da Polícia Militar de Minas
Gerais e, como homenagem ao espírito que irmanava todos os seus integrantes,
bem como a todos os mineiros, foi denominado DESTACAMENTO TIRADENTES, para
simbolizar o ideal de: “Libertas Quae Sera Tamen”.
O deslocamento se fez pela rodovia BR-3, de Juiz de Fora a
Petrópolis; daí, até à Fábrica Nacional de Motores, na Baixada Fluminense, e de
lá para o Rio de Janeiro, tendo o Destacamento chegado naquela cidade, no dia 2
de abril, ficando acantonado no Estádio do Maracanã. Em 6 de abril, deu-se o
retorno a Minas Gerais, pois a Missão fôra airosamente cumprida.
O comandante do I Exército e ministro da Guerra interino (eis que o
ministro efetivo, general Jair Dantas Ribeiro encontrava-se hospitalizado),
general Moraes Ancora, deu ordens para que a 1ª Divisão de Infantaria (1ª DI),
do Rio de Janeiro, ao comando do general Oromar Osório, tendo como comandante
da Infantaria Divisionária, o general Cunha Melo, rumasse para Minas Gerais a
fim de barrar as tropas mineiras. O encontro com a 1ª DI ocorreu junto ao rio
Paraibuna, nos arredores do município fluminense de Três Rios, na madrugada de
1° de abril. Mas não houve combate, pois às 0500 h daquele dia, a vanguarda da
Divisão, constituída pelo legendário 1° Regimento de Infantaria – o Regimento
Sampaio – partícipe glorioso da Guerra do Paraguai e da 2ª Grande Guerra, adere
à causa revolucionária e passa, uno e coeso, para o lado do “Destacamento
Tiradentes”, no que é imitado por quase todas as tropas da referida 1ª DI. Tal
importante episódio se constituiu em um essencial ponto de inflexão nas
operações militares, pois a progressão do Destacamento, assaz reforçado com as
adesões recebidas, se faria sem qualquer empecilho. Não houve maiores problemas
de cunho militar, até a chegada ao Rio de Janeiro. O retorno a Minas, no dia 6
de abril, foi bastante auspicioso, sendo as tropas recebidas, apoteoticamente,
por delirantes massas humanas, particularmente em Juiz de Fora, São João Del
Rei e Belo Horizonte.
Acrescente-se que no dia 2 de abril, o general Mourão Filho
determinou a constituição de um Grupamento Tático, o GT/12, composto por tropas
do Exército, com base no 12º RI (menos o 2° batalhão, integrante do
“Destacamento Tiradentes”) e dois batalhões da PMMG, que se deslocou, naquele
dia, de Belo Horizonte para Brasília, com a finalidade de consolidar a
Revolução na Capital Federal. Tal Grupamento foi batizado de “Destacamento
Caicó”, em alusão à terra natal do potiguar, coronel Dióscoro Vale, comandante
do 12° RI. A tropa regressou a Minas Gerais, orgulhosa do dever cumprido, no
dia 16 de abril.
Outrossim, registre-se, por digno de nota, o fato de que a 4ª
Brigada de Infantaria Leve de Montanha, com sede em Juiz de Fora (MG), oriunda
da 4ª RM/DI, ostenta, com superlativa ufania, a denominação histórica de
“Brigada 31 de Março” e o respectivo estandarte histórico, veneráveis
honorificências que a vinculam, perenemente, assim como o glorioso e invicto
Exército Brasileiro, ao memorável Movimento revolucionário que partiu daquela
cidade, em 31 de março se 1964, como narrado linhas atrás.
d. Pouco antes da meia noite de 31 de março, o general Amaury
Kruel, comandante do II Ex, com sede em São Paulo (SP), após tentar com o seu
amigo João Goulart, sem que obtivesse êxito, uma solução conciliadora - mas que
contrariava os interesses comuno-sindicalistas do governo -, resolve aderir à
Revolução. Para tanto, decide partir para a Guanabara, no dia 1° de abril, ao
longo da BR-2, mantendo contato, às 0230 h com o comandante da Academia Militar
das Agulhas Negras (AMAN), general Emílio Garrastazu Médici, informando-o dessa
decisão. O general Médici, que já havia recebido, às 0200 h, solicitação do
general Costa e Silva, para que a Academia participasse do Movimento,
responde ao general Kruel que a AMAN se integraria à Revolução e garantiria a
livre passagem do II Ex pela região de Resende, entre as cidades de Itatiaia e
Barra Mansa. Às 0830 h, do dia 1º de abril, a Academia lança uma Vanguarda,
constituída pelo Corpo de Cadetes, para o estabelecimento de uma Posição
Defensiva (PD), pelo Curso de Infantaria, nas alturas do Km 120, da BR-2, na
região de Barra Mansa, a fim de bloquear aquela via de acesso no sentido
Rio-São Paulo. O comandante da Academia também emitiu uma vibrante proclamação,
intitulada “Irmãos em Armas”, explicativa das razões da histórica decisão
tomada.
Ainda pela manhã do dia 1°, o comandante do I Ex e ministro
interino, general Ancora, determinou o deslocamento do Grupamento de Unidades
Escola (GUEs), do Rio de Janeiro, comandado pelo general Anfrísio da Rocha
Lima, na direção de São Paulo. O contato entre as tropas foi estabelecido, mas
não houve ações de guerra, em face, principalmente, do fato de que o GUEs teria
de combater contra jovens cadetes imbuídos de sentimentos cristãos e
democráticos, além de muito bem preparados, psicologicamente, pelo estudo da
matéria “Guerra Revolucionária” que lhes era curricularmente ministrada. Às
1800 h, reuniram-se na AMAN, os generais Ancora, Kruel e Médici, ficando
decidido pelo primeiro deles (comandante do I Exército e também ministro da
Guerra interino) que todos deveriam se recolher a quartéis, pois a Revolução
estava consolidada. Uma curiosidade: esses três oficiais generais eram oriundos
da Arma de Cavalaria, gaúchos, sendo os dois primeiros, da mesma Turma de 1921,
da Escola Militar do Realengo, e ex-integrantes da FEB. Aduza-se que os cadetes
foram empregados militarmente, pela segunda vez, na História Militar do Brasil,
eis que, em 1935, a Escola Militar do Realengo, ao comando do inesquecível
coronel João Baptista Mascarenhas de Moraes, combateu o mesmo inimigo
comunista, que, em 1964, 29 anos depois, também nos assolava.
Como corolário, é imperioso dizer-se, que a AMAN estabeleceu uma Missão
bem definida em sua Ordem de Operações: “Empregar o Corpo de Cadetes para
impedir o acesso das forças do I Exército à região de Resende, até à chegada do
II Exército”. Não era a sua finalidade separar dois Exércitos na iminência de
um combate, como afirmam alguns, de forma equivocada.
e. No dia 2 de abril, o deputado Ranieri Mazzilli, presidente da
Câmara dos Deputados, assume a presidência da República, em face da vacância do
cargo.
f. No Nordeste, região convulsionada pela atuação de perigosos e
fanáticos grupos subversivos, como as “Ligas Camponesas” (dispunham de
armamento, munição, uniformes, etc, e campos de treinamento militar), rápida e
extremamente eficaz foi a ação do IV Exército, sediado em Recife (PE), unido e
coeso em torno dos ideais do Movimento que eclodira em Minas Gerais e de seu
comandante, general Justino Alves Bastos. As principais lideranças comunistas
foram presas, houve a ocupação de áreas estratégicas e pontos sensíveis, em
toda a extensa região, e a deposição e prisão dos governadores de Pernambuco,
Miguel Arraes (em 1° de abril), e de Sergipe, Seixas Dória (2 de abril), ambos,
posteriormente, confinados na ilha de Fernando de Noronha.
g. Entretanto, a situação ainda estava indefinida no Rio Grande do
Sul. João Goulart, Leonel Brizola e os generais Ladário Pereira Teles (que
assumiu o comando do III Exército, que lhe foi passado pelo general Benjamin
Galhardo), Assis Brasil e outros, encontravam-se em Porto Alegre. Leonel
Brizola desejava resistir, tendo lançado várias conclamações aos Sargentos,
incentivando-os a tomar os quartéis e prender os oficiais “gorilas”. Em face da
incerteza reinante, eis que algumas Unidades em Porto Alegre e São Leopoldo
eram comandadas por oficiais sabidamente alinhados com o governo federal, o governador
Ildo Meneghetti passou a governar da cidade de Passo Fundo e o general
Adalberto Pereira dos Santos, comandante da 6ª Divisão de Infantaria,
transferiu o seu comando para Cruz Alta. Diga-se que a conjuntura
sócio-política no estado era completamente diferente da vivida em 1961, quando
da “Campanha da Legalidade”. O governador Meneghetti tinha o total apoio da
Brigada Militar (é a Polícia Militar do RS) e da Polícia Civil que já haviam
posto em execução operações de prisão dos principais líderes esquerdistas, em
especial dos “Grupos dos Onze” e ocupado pontos sensíveis, veículos de
comunicação de massa, etc. Então, é uma FALÁCIA o que posteriormente alardeou o
falecido e falastrão ex-governador Brizola, de que poderia convocar mais de
100.000 gaúchos para a resistência, não o tendo feito porque João Goulart não
consentiu, a fim de evitar derramamento de sangue (mas bem que ele tentou,
porém não logrou êxito, com os seus patéticos apelos aos sargentos...).
As tropas das 3ª e 6ª Divisões de Infantaria, a partir
de Santa Maria e Cruz Alta, ao comando, respectivamente, dos generais Poppe de
Figueiredo e Adalberto dos Santos cerraram sobre Porto Alegre. A 5ª Região
Militar/Divisão de Infantaria (PR e SC) era comandada pelo general Silvino da
Nóbrega, que estava em férias fora da guarnição, assim como o general Crisanto
Figueiredo, comandante da Infantaria Divisionária. Esses oficiais eram do
esquema presidencial, pelo que assumiu o comando da Região Militar, o general
Dario Coelho, comandante da Artilharia Divisionária. A 5ªRM/DI, então, passou,
de ordem do ministro da Guerra, general Costa e Silva, ao comando do II
Exército, que confirmou o general Dario no comando que assumira, e que contava
com o apoio do governador paranaense Ney Braga.
Às 1830 h, de 3 de abril de 1964, o governador Ildo Meneghetti e o
general Mário Poppe de Figueiredo entram, triunfalmente, embarcados em um jipão
aberto, na capital gaúcha, onde este general assume o comando do III Exército
(João Goulart e os que o acompanhavam, não mais se encontravam na cidade).
Este foi o feliz e glorioso epílogo do vitorioso Movimento Civil e
Militar que se iniciou em Minas Gerais, às 1330 h, de 30 de março de 1964, sem mortos
e feridos, e que na linha de um tempo prenhe de historicidade, teve a duração
de quatro dias e cinco horas (101 horas) que abalaram o País e obstaram a
eclosão de uma terrível e sanguinolenta guerra civil, de imprevisíveis
consequências. O Brasil, mercê da Revolução de 1964 e de seu Exército, não se
engolfou em uma trágica luta fratricida, e não houve, por aqui, um hediondo
banho de sangue. Livramo-nos do tenebroso flagelo da hidra vermelha, com a sua
ideologia espúria, internacionalista, materialista e ateia, e preferimos
trilhar o caminho luminoso da Liberdade, pela senda do modo de vida ocidental,
cristão e democrático. Nosso país-continente, em seu inexorável destino de
grandeza, não aceitou a canga de um destino mesquinho para o tamanho que
possui... Que repiquem os grandes sinos de bronze! “Deus é brasileiro!”
5. Conclusões
a. A Contrarrevolução de 1964, hoje na celebração
de seu Jubileu de Ouro, “ad perpetuam rei memoriam”, foi uma reação inevitável
do povo brasileiro contra os propósitos antidemocráticos do governo João
Goulart, inquinado de forte cariz comunista. Mas, principalmente, foi uma
reação de autodefesa das Forças Armadas, contra a sua manifesta destruição. Ela
foi desencadeada pelo Exército Brasileiro com o decidido apoio das duas outras
Forças, em vista de constantes e criminosos atentados à disciplina e à
hierarquia - autênticos tótens para a classe militar, que apesar de ser única,
é estratificada em vários círculos hierárquicos; e é mandatório que se afirme:
esta classe, tão singular, também é una, indivisível e monolítica.
b. Sim, pois os militares podem divergir quanto a pontos
de vista, questões menores, assuntos de somenos importância; porém, nunca,
jamais, em tempo algum, quanto a pontos de honra, que são verdadeiras
“cláusulas pétreas”, questões fechadas, fundamentais, dogmáticas, não-interpretáveis
e inegociáveis, eis que a unidade de pensamento é essencial para a união, para
uma salutar camaradagem e, mais do que isso, para a perene coesão castrense.
c. Além dos imarcessíveis e inquebrantáveis princípios
constitucionais da hierarquia e da disciplina, os consagrados e insubstituíveis
cultos às gloriosas tradições, às místicas, aos mais caros e prístinos valores,
a episódios épicos e memorabilíssimos de nossa rica e inapagável História
Militar e a outros relevantes aspectos que conformam os fundamentos, a
essência, a “alma”, enfim, de uma Força Armada, não podem ser esquecidos,
deturpados, manipulados ou relativizados ao sabor dos tempos e dos modismos, ao
vaivém da política partidária, nem a viezes ideológicos, humores ou caprichos
de transitórias autoridades ou governantes. Por mera ilustração histórica,
saliente-se que os positivistas, principalmente desde a última década da
Monarquia e nos albores da República, empalmando apátridas e esquipáticas
doutrinas internacionalistas, símiles às do “materialismo histórico e
dialético” dos comunistas, e também por força de um ideário de “fraternidade
universal”, pacifista e humanista, tentaram, debalde, apagar e deturpar a
História-Pátria e depreciar os nossos maiores Soldados (os generais eram “os
assassinos dos povos”) e os feitos marciais do Império, máxime os da Guerra do
Paraguai; e o pior: desejavam, como pregava, iterativamente, um de seus
expoentes, líder e mentor espiritual, Teixeira Mendes - o “Papa Verde do
Positivismo” -, o absurdo esfacelamento do Brasil, pela criação de “pátrias
brasileiras” ou “pequenas pátrias”, nada mais do que “republiquetas”, com
status de completa autonomia - com soberania limitada somente a poucos aspectos
político-constitucionais (muito diferente do que são hoje os estados da
Federação) -, em que se deveriam transformar as vinte províncias imperiais...
Sim, algo deve sobrepairar acima de qualquer consideração: é a sacrossanta
flama do Patriotismo!
d. Por derradeiro, lembremo-nos de que alguns preceitos são imutáveis
para os Soldados na prática de seu múnus profissional - um real e missionário
sacerdócio -, em que pese a atmosfera da época vivida, e deveriam ser bem
compreendidos pela sociedade, pois a pátina do tempo não os esmaecerá! A
propósito, os polemologistas nos ensinam três paradigmáticos conceitos: 1) que
toda Força Armada, em qualquer lugar do mundo, acata, religiosamente, os
princípios de autoridade, disciplina e hierarquia, usa uniformes e segue um
ritual ou cerimonial específico; 2) todo militar possui indeléveis caracteres
comuns: é conservador, disciplinado, muito orgulhoso da excelsitude de seus
valores, autoritário e acendrado patriota e 3) as Forças Armadas, em relação às
instituições civis, podem ser classificadas como pretorianas, cesaristas, militaristas,
assistencialistas, profissionalistas ou as que combinam essas posturas.
Tendemos, sim, para o estrito profissionalismo militar, mas possuímos nítidos,
atemporais e inolvidáveis traços de algumas outras das mencionadas posturas,
como a pretoriana, v.g., porquanto nós, militares, sempre estivemos e estaremos
de atalaia em defesa de um Brasil livre e soberano, mormente se o país estiver
“à matroca”, como ocorreu em 1964. É evidente que as Forças Armadas não têm,
como não tiveram, àquela época, a vocação de monges bizantinos que ficavam
discutindo o sexo dos anjos, enquanto os seus inimigos atacavam
Bizâncio; não iriam deixar-se abater e, com toda certeza, não se deixarão (!)
como indefesos cordeiros... É como pensamos, salvo outro juízo.