Adriano Benayon * - 30.12.2014
O ano termina sob o espectro de
perspectivas preocupantes no âmbito nacional e no do poder mundial.
2. Isso recomenda que os povos
assumam atitude engajada e participativa, livre das falsas lideranças que
iludem tanta gente, e, assim, se libertem de um sistema que os despoja e
aliena.
3. No País persiste o assédio para
que se desnacionalizem as poucas grandes empresas públicas e privadas sob
controle nacional que ainda lhe restam.
4. Historicamente, os agentes das
campanhas nesse sentido valeram-se sempre, como ocorre atualmente, da retórica
moralista para atingir seu real objetivo.
5. Vivemos sob um sistema político em
que os aspirantes aos cargos eletivos dependem de exposição na TV – um espaço
fechado aos não comprometidos com os reais donos e beneficiários desse sistema.
Dependem também de dinheiro grosso para as campanhas eleitorais, num país em
que a economia é concentradíssima e desnacionalizada.
6. Nessas condições, ainda que
o Executivo estivesse nas mãos de titular solidamente apoiado pela maioria da
sociedade, ele não teria como colocar os interesses dela acima dos grupos que
concentram o poder real.
7. Estes elegem a grande maioria do
Congresso e, sustentando-se na grande mídia, exercem ascendência
ideológica sobre o Judiciário, o Ministério Público, a Polícia, os quadros
técnicos e administrativos da Fazenda, Banco Central etc.
8. Além disso, a autonomia dada pela
Constituição a esses órgãos e a instituição das agências independentes permitem
ações e iniciativas descoordenadas, em que preferências pessoais
substituem políticas coerentes orientadas pelo interesse público.
9. Ademais, cargos na Administração,
nas agências do Estado e nas grandes empresas e bancos estatais são usados
pelos chefes do Executivo, inclusive os do PT - pois lhes falta maioria
no Congresso, onde prevalece o toma-lá-dá-cá - como moeda de barganha com
partidos políticos, em nome da “governabilidade”.
10. Isso não significa que a
corrupção tenha aumentado em relação a Collor e FHC, mais claramente engajados
com a oligarquia financeira mundial - e cujas eleições foram por ela
patrocinadas.
11. Os casos de corrupção nos entes
públicos e nas estatais servem como instrumentos de chantagem operados
por revistas de opinião - tradicionalmente amparadas por serviços secretos
estrangeiros – e como munição para alvejar as estatais e fazer que a União as
entregue a troco de nada.
12. De qualquer forma, os
petistas no Executivo são, de há muito, acuados para cederem mais espaço
aos quadros da confiança da oligarquia, e, quanto mais fazem concessões, mais
ficam vulneráveis, e mais são alvo de ataques desestabilizadores.
13. Desde antes da
eleição presidencial, o epicentro da crise tem sido os escândalos nas
encomendas da Petrobrás, com ou sem licitações.
14. A presidente ficou na defensiva,
pois a Administração não se antecipou nas investigações à Polícia Federal
e ao Ministério Público. Enfraqueceu-se, assim, em face das
pressões que têm por obter mais concessões em favor das grandes
transnacionais do petróleo: mais leilões e abertura ao óleo do pré-sal,
mais ampla e favorecida que a que já lhes tem sido proporcionada pela ANP.
15. No mesmo impulso de tornar a
Petrobrás um botim da onda privatizante, as transnacionais aproveitam para
colocar em cheque as empreiteiras, conglomerados de capital nacional, atuantes
em numerosas indústrias e serviços tecnológicos.
15. Seja sob o atual governo,
manipulado para ceder mais, seja sob políticos mais intimamente vinculados ao
império angloamericano, como os do PSDB, trama-se a culminação do processo de
desnacionalização da economia e de destruição completa da soberania nacional.
16. Na economia, a desnacionalização
e demais defeitos estruturais geraram mais uma crise, tendo - mesmo com
baixo crescimento do PIB - o déficit de transações correntes com o
exterior aumentado em mais de 12% em 2014, após crescer de US$ 28,2
bilhões em 2008 para U$ 81 bilhões em 2013.
17. Enquanto a sociedade não
forma um movimento para construir modelo econômico e social viável, é
importante entender que só isso a poderá salvar. Golpe parlamentar, judicial,
ou do tipo que for, para trocar de presidente e de partido no governo, apenas
agravaria a situação.
18. O futuro ministro da Fazenda,
Joaquim Levy - não nestes termos - declarou-se favorável a medidas
macroeconômicas ao gosto do “mercado financeiro”, i.e., dos grandes bancos
mundiais e locais. É, pois, desse modo que a presidente espera enfrentar
mais uma crise recorrente causada pelas estruturas políticas e econômicas do
modelo dependente.
19. Essas estruturas são: a
primarização e perda de qualidade relativa do que sobrou da indústria; a
concentração; a desnacionalização da economia. Elas implicam que o
Brasil está mal posicionado diante das dificuldades, sem falar no desastre
estrutural derivado, que é a dívida pública.
20. Essa já cresceu demais,
devido aos juros compostos a taxas absurdas, e crescerá mais, mesmo com a volta
do superávit primário para pagar juros, uma vez que os feiticeiros incumbidos
de sanar a crise não pretendem baixar as taxas. Muito pelo contrário...
21. Completando o conjunto de
fatores - incuráveis sem mudança de sistema político e econômico - estão
aí as infra-estruturas deterioradas, desde há decênios, como as da energia e
dos transportes.
22. Vejamos algumas das ideias de
Levy externadas em entrevista ao “Valor”, na qual defendeu o consenso dos
banqueiros e economistas “liberais”, em versão moderada, i.e., sem o
radicalismo das propostas dos candidatos que se opuseram à presidente.
23. Levy não tem como escapar às
contradições e aos impasses a que conduzem seus planos. Ele pretende, por
exemplo, aumentar a abertura no comércio exterior.
24. No quadro de retração econômica
em quase todo o Mundo, não é provável obter concessões significativas em troca
de maior abertura do Brasil às importações. Ademais, o objetivo de conter
a inflação dos preços importando mais bens e serviços, sem conseguir exportar
mais, implica fazer crescer o crítico déficit nas transações correntes.
25. Levy fala também de corrigir
preços relativos. Mas o que quer dizer com isso? Se os subsídios que deseja
suprimir são os do crédito dos bancos públicos, as empresas mais prejudicadas
serão as de capital nacional, já que as transnacionais
dispõem de crédito baratíssimo no exterior.
26. Certamente, Levy não visa cortar
os privilégios fiscais do sistema financeiro, nem os dos carteis industriais
transnacionais, como as montadoras, nem intervir em seus mercados através do
fomento a concorrentes independentes. E, sem isso, os preços relativos que mais
se precisa corrigir não serão alterados.
27. Ou o preço que, na visão dos
macroeconomistas oficiais, estaria precisando ser reduzido seriam os salários?
28. O futuro comandante da economia
propugna, em especial, por acabar com a dualidade das taxas de juros,
aproximando as taxas dos bancos públicos e as dos bancos privados.
29. O liberalismo é, sobre tudo, um
rótulo, pois os concentradores usam a palavra mágica “mercado” como álibi para
ocultar a identidade de quem exatamente manipula o mercado.
30. Então os que se filiam aos
interesses dos carteis, proclamam que não cabe ao governo intervir no mercado,
que deve ser competitivo, i.e., governado pela concorrência, embora ele o faça
para elevar, por exemplo, as taxas de juros.
31. Não se informa que os preços nos
mercados cartelizados não são dirigidos pela concorrência, mas, sim, pelo
consenso dos concentradores. Os bancos são favorecidos pela Constituição,
cujo artigo 164 veda ao Banco Central financiar o Tesouro, e este é
proibido de emitir moeda. Além disso, só um número limitado de bancos é
autorizado a comprar e vender títulos do Tesouro.
32. Está claro, portanto, que a
equalização das taxas recomendada por Levy só pode ser feita determinando aos
bancos públicos elevar suas taxas.
33. Passando ao contexto mundial, no
império angloamericano, satélites europeus e outros, têm prevalecido a
degeneração estrutural: financeirização e retração da economia real.
34. O centro do poder mundial fez
meia pausa na escalada de intervenções armadas, planejadas desde 2001, visando,
pelo menos, até ao Irã, depois de ter arrasado, entre outros, Líbia e Iraque, e
se ter apossado de suas imensas reservas de petróleo e de seu ouro.
35. Isso decorreu de ter sido a
ocupação da Síria contida pela Rússia, que se tornou o alvo primordial da
agressão econômica e do cerco militar imperiais, intensificado com o golpe de
Estado na Ucrânia e a ocupação do governo desta por prepostos dos EUA.
36. China, principalmente, e Índia
são as maiores exceções ao panorama de retração econômica, no momento em que a
Rússia busca sobreviver à pressão imperial intensificando suas relações com
seus parceiros asiáticos.
37. Há que seguir de perto a evolução
do jogo de poder mundial, cujo equilíbrio constitui condição fundamental,
embora não suficiente, para que o Brasil construa estruturas essenciais a seu
progresso.
* - Adriano Benayon
é doutor em economia pela Universidade de Hamburgo e autor do livro
Globalização versus Desenvolvimento.