Falta de vontade política e acordos espúrios já nos levam a pagar duas vezes para aposentadoria
Anote aí: muito em breve, o regime público de aposentadorias e pensões será reduzido ao que não puder ser eliminado. E para os lobistas da previdência privada tudo pode ser eliminado, desde que a opinião pública seja induzida a acreditar que aposentados e pensionistas são os sanguessugas dos cofres públicos, como se suas contribuições por toda a vida não cobrissem as despesas que dão quando se tornam inativos.
Apesar de seguidas "reformas" que já nos submeteram à tortura e ao castigo, atingindo principalmente os servidores públicos, tem mais bala na agulha: já está fechado o projeto que vai acabar com as pensões. Isso mesmo, agora a pensionista é a bola da vez: a primeira idéia é impedir que a viúva (ou viúvo) receba como aposentada pelo que foi desconta da em seu salário e como pensionista pelo que o cônjuge foi descontado.
Veja quanto cinismo: se o marido trabalha e a mulher, não - da sua contribuição poderia sair o dinheiro da pensão. Mas se o outro também trabalha e também contribui, aí no caso da morte de um e de sua aposentadoria teria que optar por um dos benefícios.Qualquer aluno do primário sabe que essa matemática é fajuta.
Não é um argumento sério, não é uma "solução" lógica, mas é o jeito mais hipócrita de levar os brasileiros a engrossarem os fundos privados complementares, que de tanto faturarem vão transformar em complementar a previdência pública.
O diabo é que quando se fala em garfar benefícios de aposentados, os da ativa pensam que isso não lhe diz respeito. E, ironicamente, serão eles os grandes perdedores, aquele que terão de pagar duas previdências, como já acontece com 40 milhões de brasileiros que pagam impostos para a saúde e, ao mesmo tempo, morrem numa grana preta nos planos privados.
O discurso de que é preciso refazer as contas da previdência pública vem numa escalada voraz. No fundo, no fundo, tudo o que se quer é carrear contribuintes para os fundos privados, que atraem quem quer viver com mínimo de dignidade na velhice, cobrando taxas administrativas exorbitantes.
É como se tudo tivesse sido negociado. E foi. A destruição da previdência pública será engolida pelas lideranças classistas com a promessa de que o governo facilitará a criação de sistemas próprios nos sindicatos e, principalmente, nas centrais sindicais, à semelhança do que acontece nos Estados Unidos, onde a máfia controla poderosas centrais, como a dos transportes, através dos seus planos de aposentadoria.
A memória curta é uma praga que faz a festa dos especuladores. Poucos se lembram das arapucas montadas durante o regime militar. Milhões de brasileiros foram induzidos a comprar planos de entidades como Montepio da Família Militar, Capemi, Goboex e outros que usavam o lastro dos quartéis para oferecerem aposentadorias mirabolantes aos incautos. E olha que naquele tempo não havia a desculpa do suposto déficit previdenciário. Antes, pelo contrário: robusta, a Previdência mandou dinheiro para a construção de Itaipu e da Ponte Rio-Niterói, entre outras generosidades que agora sobram pra gente pagar.
Hoje o mote é culpar os idosos porque estão vivendo mais. Na impossibilidade de declarar mortos os maiores de 70 anos, ou de executá-los pelo crime de "durarem mais da conta", os matemáticos de encomenda acenam com o risco de falência da Previdência Pública se não reduzirem seus benefícios, nivelando os aposentados por baixo ao salário mínimo e extinguindo as pensões.
A tendência é reduzir ao mínimo os benefícios previdenciários, gerando mais uma bitributação para as classes assalariadas, que passam a poupar diretamente nos planos de previdência privada. Esta passou a ser o filé mignon dos bancos, porque numa primeira fase só representa faturamento.