A Base Militar chinesa instalada na Patagônia Argentina em segredo, quando a
Argentina comunista de Cristina Kirchne precisava desesperadamente de investimentos. "Pequim
transformou a dinâmica da região, das agendas de seus líderes e empreendedores
à estrutura de suas economias, o teor de sua política e até a dinâmica de
segurança" O pesadelo chines e a penetração econômica chinesa na América Latina e Caribe, é a Rainha da jogada.
Canal Beagle
Golpes na Bolívia, no Chile e no Uruguai
O abandono, por parte do Brasil, da doutrina das “fronteiras ideológicas” como justificativa para intervenção em outros países – que a Argentina também havia passado a defender – não significou que o governo militar toleraria normalmente o estabelecimento de um governo de esquerda, revolucionário, em países vizinhos; sobretudo naqueles situados dentro da região da bacia do Prata, onde seus interesses se concentravam mais. Sob um regime autoritário, que executava uma política interna de segurança e repressão de todo movimento de impugnação, o Brasil tenderia, inquestionavelmente, a exportar a contrarrevolução, intervindo, manu militari, ou por qualquer outro meio, mais além de suas fronteiras.
No começo da década de 1970, a repressão interna, que foi intensificada no Brasil pelo governo militar contra toda e qualquer oposição, projetou-se em nível internacional sobre todos os outros países da América do Sul, sob a forma de intervenções mais ou menos encobertas, sem apelo à justificativa doutrinária das fronteiras ideológicas. A Bolívia, onde a convocação de Assembleia Popular, no final de 1970, pareceu aos militares brasileiros uma tentativa de formação de um soviet, foi o primeiro país a sofrer outro golpe, respaldado pelo Brasil, que proporcionou dinheiro, armas, aviões, todo apoio logístico necessário, inclusive mercenários. Poucos meses depois, em dezembro de 1971, o Uruguai, uma vez mais, esteve igualmente diante da iminência de sofrer intervenção militar do Brasil com a execução da Operação Trinta Horas (tempo necessário para a ocupação de todo o país). E, quando os militares finalmente deram o golpe de Estado, em 1973, ultimando o processo de implantação da ditadura, o Brasil, que havia influenciado direta ou indiretamente para que isso acontecesse, enviou ao Exército do Uruguai centenas de carros, enquanto a Argentina fornecia gasolina e outros combustíveis. Na mesma época, o Brasil colaborou com os Estados Unidos na preparação do golpe militar contra o governo constitucional do Chile, cujo presidente, Salvador Allende, tentava a implantação do socialismo por via democrática.
Depois do golpe militar no Chile, os serviços de inteligência do Chile, da Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai, com o conhecimento e a assistência da CIA, passaram a cooperar entre si, e, em 1975, instituíram a Operação Condor, nome dado ao acordo para o empreendimento de ações conjuntas com o objetivo de coordenar a repressão e eliminar os adversários dos regimes ditatoriais existentes nos países do Cone Sul. Mas a base de ação da Operação Condor consistia em formar equipes especiais nos países-membros, a fim de que viajassem por todo o mundo e executassem sanções que incluíam assassinatos contra terroristas presumidos ou quem apoiasse suas organizações, ou seja, contra adversários políticos dos regimes militares no Cone Sul.
NOTA: Desde o
século XIX, quando estava sob um regime monárquico, o Brasil sempre considerou
os países latinos da América do Norte dentro da área de influência dos Estados
Unidos e nunca aspirou a ter qualquer interferência sobre eles. E, do mesmo
modo que a “secular rivalidade” com a Argentina, a “tradicional amizade” do
Brasil com os Estados Unidos constitui, em larga medida, um estereótipo ideológico,
manipulado, no mais das vezes, com o objetivo de influenciar sua política
exterior e pautar, conforme determinados interesses, as relações internacionais
dentro do hemisfério.
O Brasil não ganhou quase nada com a
vitória na guerra contra o Paraguai, que, arruinado, nem sequer pôde pagar uma
cota da dívida do conflito. Já unificado e centralizado como estado-império,
com soberania sobre quase 8 milhões de km2 e
uma população de 11 milhões de habitantes, assegurou para si apenas a abertura
do rio Paraguai, necessária à navegação para o abastecimento e a defesa da
província (hoje estado) de Mato Grosso e a anexação da área em litígio entre o
rio Uruguai e a serra de Maracajú, rica em horticultura, mas sem efeitos
econômicos imediatos. Essa guerra, no entanto, custou-lhe sacrifícios que
desequilibraram suas finanças durante um quarto de século. A fim de financiar
uma longa campanha contra o marechal Francisco Solano López, ditador do
Paraguai, o governo imperial teve de gastar 600 mil contos de réis, entre 1865
e 1870, tomando da Casa Rothschild, em 1865, um empréstimo da ordem de 6,963
bilhões de libras e emitindo, até 1870, cerca de 459 contos de réis. O serviço
da dívida
externa do Brasil passou, desde então, a consumir mais de 60% –
em escala crescente – do saldo que sua balança comercial começou a apresentar,
a partir de 1861, com o incremento das exportações de café aos Estados Unidos.
Além de comprometer assim as
finanças do Brasil, a Guerra da Tríplice Aliança também contribuiu para liquidar
o sistema bancário brasileiro, o mais adiantado e o único relativamente
autônomo da América Latina, ao prejudicar os negócios da Casa Mauá com o
Uruguai. Vinculado às empresas Carruthers e McGregor da Grã-Bretanha, esse
banco, propriedade de Irineu Evangelista de Souza, o visconde de Mauá,
representava uma espécie de embrião nacional do capitalismo financeiro,
orientando seus avultados investimentos no esforço da industrialização, não só
no Brasil, com a criação de diversas empresas (fundição e estaleiro de Ponta de
Areia, ferrovias, fábrica de tecidos, curtumes etc.), como também no Uruguai,
onde tinha investimentos importantes (frigorífico, telégrafo, companhia de gás)
e agências em Salto, Paysandú, Mercedes e Cerro; e na Argentina, onde também
instalara agências em Buenos Aires, Rosário e Galeguaychú.
Ao lutar, por causa da São Paulo Railway, contra a Casa Rothschild, o
Banco Mauá não sobreviveu à grande depressão de 1874 e, um ano depois, pediu
moratória ao Banco do Brasil. A quebra do Banco Mauá, decretada três
anos depois, fez com que o Brasil, sem condições sequer de ocupar
economicamente o Paraguai e mantê-lo em sua órbita de influência, perdesse a
hegemonia na bacia do Prata.
A Guerra das Malvinas
Durante a segunda metade da década de 1970, além da contínua violação dos direitos humanos – o que levou os Estados Unidos, sob a presidência de Jimmy Carter, a suspender o suprimento de armamentos – e do litígio com a Grã-Bretanha em torno da soberania sobre as ilhas Malvinas – ao mesmo tempo em que enfrentava a ameaça de guerra com o Chile por causa do canal de Beagle – a Argentina, sob a ditadura militar, manteve relações extremamente tensas com o Brasil, que havia se associado ao Paraguai para a construção da represa de Itaipu. Tal situação levou-a, em 1979, a solucionar suas divergências sobre a construção das represas de Corpus e Itaipu, solução que veio dos próprios militares argentinos e brasileiros, que trataram de estabelecer diretamente o diálogo, mediante ações diplomáticas paralelas às chancelarias, a fim de aliviar a crise na bacia do Prata. Em 1979, foi firmado o Acordo Tripartite entre Argentina, Brasil e Paraguai.
O Brasil, naquele momento, já havia celebrado o Tratado de Cooperação Amazônica (1978), que envolvia um esforço comum de integração física com Bolívia, Equador, Peru, Colômbia, Venezuela, Suriname e Guiana, e já estava em processo de transição para a democracia. Mas a Argentina, em meio a uma forte depressão econômica, também estava submersa em uma grave crise política, com o desgaste popular da ditadura, desmoralizada por escândalos e acossada pelos espectros dos mortos e desaparecidos, cujas mães reavivavam todos os dias a resistência da sociedade civil na Praça de Maio. No final de 1981, a junta militar, por motivos aparentemente obscuros, solicitou ao general Roberto Viola que renunciasse, e, como ele se negou a fazê-lo, destituiu-o da presidência, alçando em seu lugar o general Leopoldo F. Galtieri, cuja ascensão foi articulada pelo general americano Vernon Walters com forte respaldo de Jeanne Kirkpatrick, embaixadora frente à ONU, e Roger Fontaine, do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos.
Os Estados Unidos, sob a administração de Ronald Reagan, do Partido Republicano, realizavam manobras para impedir que o Brasil, cuja presença se consolidava na África ocidental – especialmente em Angola, Guiné-Bissau e Cabo Verde – e contribuía para sustentar regimes de esquerda, em tácita aliança com a União Soviética e Cuba, ampliasse e fortalecesse sua posição estratégica no Atlântico sul, mediante um acerto com a Argentina, que tendeu a se aprofundar ainda mais em 1981. O general Galtieri fechou, então, a limitada abertura política iniciada por Viola, restabeleceu as diretrizes ortodoxas e neoliberais na economia, prometeu um alinhamento incondicional com os Estados Unidos, assim como reativou a proposta, inspirada pelo Departamento de Estado, de estabelecer um pacto político-militar no Atlântico sul, que incluía a África do Sul.
Ao mesmo tempo, a Argentina começou a cooperar estreitamente com a política do presidente Reagan na América Central, para onde enviou assessores de contrainsurgência e agentes de seus serviços de inteligência com experiência em guerra suja, a fim de treinar as tropas de El Salvador no combate às guerrilhas da Frente de Liberação Nacional Farabundo Martí (FMLN) e participar em operações secretas contra o regime sandinista da Nicarágua. E, dessa íntima colaboração, a junta militar deduziu que a administração de Washington estaria também interessada em uma solução favorável à Argentina no litígio sobre as Malvinas, dado que, em tais circunstâncias, a Grã-Bretanha não poderia admitir que os Estados Unidos instalassem naquele arquipélago uma base militar, que funcionaria como uma chave para o Atlântico sul, permitindo a fiscalização do transporte de petróleo originário do Oriente e bloqueando qualquer pretensão que o Brasil pudesse ter em relação à Antártida. Não resta dúvida de que os Estados Unidos, por meio de alguns elementos vinculados a Reagan, induziram a junta militar de Buenos Aires a acreditar que prestariam assistência à Argentina na reivindicação das Malvinas e que a Grã-Bretanha se limitaria a protestos verbais. Com essa expectativa, o general Galtieri sentiu-se autorizado a ordenar a invasão do arquipélago, reacendendo militarmente uma causa quase sagrada para o povo da Argentina, de modo a criar um inimigo externo e promover a coesão nacional, diluindo as pressões domésticas.
O Brasil reiterou sua antiga posição em defesa do direito da Argentina sobre as ilhas Malvinas, assumiu a representação de seus interesses em Londres e tentou evitar que a Grã-Bretanha empreendesse ataques a seu território continental. Apenas por discordar da ação armada como meio para resolver o litígio, o Brasil manteve uma posição de neutralidade, mas uma neutralidade imperfeita, isto é, favorável, na prática, à Argentina, à qual proporcionou inclusive aviões de patrulha e reconhecimento – BEM 111, fabricados pela Embraer –, pilotados, sigilosamente, por oficiais da Força Aérea Brasileira. Essa participação direta e indireta só não alcançou maior proporção, com o abastecimento também de rojões do Sistema Balístico Ar-Terra (SBAT-70) de 2,75 polegadas, tanques e outros apetrechos bélicos, porque o conflito terminou rapidamente com a vitória da Grã-Bretanha, que despachou sua esquadra para o Atlântico sul e contou com a solidariedade material e política dos Estados Unidos. A Argentina foi derrotada em apenas 85 dias, e a ditadura não teve condições de manter-se. Após um breve governo militar de transição, o de Reynaldo Bignone, foi restaurado o regime democrático.
O Mercosul
O fato de a ditadura argentina ter sido derrotada ao mesmo tempo que o regime autoritário no Brasil se diluía em lenta e gradual transição para uma democracia criou condições para que os dois países voltassem a considerar a necessidade de uma integração econômica, tentada várias vezes, inclusive pelo presidente Juan Domingo Perón, que em 1949 propôs ao presidente Getúlio Vargas a formação de uma união aduaneira entre Argentina, Brasil e Chile.
Os presidentes João Batista Figueiredo, do Brasil, e Rafael Videla, da Argentina, haviam iniciado um processo de entendimento, continuado pelo presidente Roberto Viola e interrompido pelo general Galtieri, que se alinhou aos Estados Unidos e empreendeu a aventura das Malvinas. Mas após a restauração da democracia, os presidentes Raúl Alfonsín (1983-1989), da Argentina, e José Sarney (1985-1990), do Brasil, decidiram, em 1986, integrar os dois países em um mercado comum, aberto a outras nações da região. O mercado comum foi estabelecido em 29 de novembro de 1988 pelo tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, por meio do qual os dois países se comprometeram a formar um espaço econômico comum, em um prazo de dez anos. Os presidentes Carlos Menem (1989-1995 e 1995-1990) e Fernando Collor de Melo (1990-1992) decidiram reduzir o prazo para cinco anos, ou seja, para 31 de dezembro de 1994, adaptando os objetivos do tratado de 1988 às políticas de abertura econômica e reforma alfandegária, de modo a acelerar o ritmo de liberalização comercial nos dois países. O processo de integração, até então mais ou menos dirigido por meio de protocolos setoriais, assumiu o caráter livre-cambista, de abertura geral, sem proteção setorial e sem comércio administrado (salvo o automotivo), ainda que com exceções. Uruguai e Paraguai se uniram então à Argentina e ao Brasil na celebração do Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991, que determinou a eliminação dos impostos e demais restrições ao comércio e o estabelecimento de uma tarifa comum, no máximo até 31 de dezembro de 1994.
O projeto Mercosul não era formar uma simples área de livre-comércio, mas constituir o cerne de um futuro mercado comum, e, durante o governo do presidente Itamar Franco (1992-1995), o chanceler Celso Amorim deu início às negociações para armar uma rede de acordos de livre-comércio com os estados da Comunidade Andina das Nações (CAN) e criar, em dez anos, a Área de Livre-Comércio da América do Sul (ALCSA). Esse projeto desenvolveu e ampliou a iniciativa amazônica que o Brasil havia lançado em 1992, depois da celebração do Tratado de Livre-Comércio da América do Norte – North American Free Trade Agreement (NAFTA) – pelos Estados Unidos, Canadá e México. E, provavelmente, o seu anúncio, feito pelo presidente Itamar Franco (1992-1995) em outubro de 1993, concorreu entre outros fatores para que o presidente Bill Clinton (1993-1996 e 1997-2001) buscasse revitalizar o Enterprise for the Americas Initiative, que lançado pelo presidente George Bush (1989-1993) em 1990, até então não havia tido um desenvolvimento mais amplo, e também que propusesse aos chefes de governo das repúblicas americanas, no final de 1994, a formação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA); esta, com efeito, uma ampliação do NAFTA que abarcaria todo o hemisfério.
Alca versus Mercosul
A questão ALCA/Mercosul converteu-se no nervo central da rivalidade entre Brasil e Estados Unidos, por envolver profundas contradições, nas quais interesses econômicos, políticos e estratégicos se entrelaçam. O estabelecimento da área de livre-comércio na América do Sul, tendo como núcleo o Mercosul, não convinha aos Estados Unidos. Mas, por outro lado, a ALCA não interessava ao Brasil, que não podia permitir, como fez a Argentina, que seu parque industrial se desmantelasse e se convertesse em ferro-velho e, sob uma nova e devastadora redução de tarifas, suportar crescentes saldos negativos em sua balança comercial. O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, um dos encarregados das negociações dos acordos de integração Brasil-Argentina, em 1986-1987, quando era ainda conselheiro da Divisão Econômica do Itamaraty, denunciou a ALCA como parte da estratégia de manutenção da hegemonia política e econômica dos Estados Unidos, “que realizaria seu desígnio histórico de incorporação subordinada da América Latina a seu território econômico e a sua área de influência político-militar”, e insistiu em que o governo brasileiro deveria abandonar os entendimentos para a sua implementação.
A crise que acometeu o Brasil, a Argentina e todos os outros países da região no final dos anos 1990 afetou a consolidação do Mercosul. Essa crise não começou com a execução do programa neoliberal do Consenso de Washington, mas era preexistente. Porém, as condições econômicas, sociais e políticas, que nos anos 60 e 70 haviam gerado os movimentos de insurgência, agravaram-se ao final de uma década de políticas neoliberais, executadas por governos eleitos democraticamente. A dívida externa continuou sendo um problema em toda a América Latina. O Brasil sempre teve consciência das perdas que poderia sofrer com a implantação da ALCA, daí sua resistência, apesar de continuar com as negociações.
América do Sul e não Latina
Em virtude da preocupação de grande parte do empresariado brasileiro com os riscos que a proposta americana apresentava e com as crescentes dificuldades, dentro do Mercosul, deflagradas pela desvalorização do real, a moeda brasileira, em 1999, o então presidente Fernando Henrique Cardoso tratou então de enfatizar o conceito de América do Sul, embutido no projeto da ALCSA, e promoveu em Brasília uma reunião de chefes de Estado da região, realizada em 1 o e 2 de setembro de 2000.
A ampliação do comércio com os países da América do Sul implicava uma série de projetos para a integração regional, sobretudo no que está relacionado com as interconexões energéticas e rodoviárias. Fernando Henrique Cardoso, evidenciando o seu objetivo político, ressaltou que
a vocação da América do Sul era a de ser um espaço integrado, um mercado ampliado pela redução ou eliminação das dificuldades e obstáculos para o comércio e pelo aperfeiçoamento das conexões físicas nos transportes e comunicações.
O caráter estratégico da Cúpula de Brasília foi acentuado por Fernando Henrique Cardoso ao dizer que era
o momento de reafirmação da identidade própria da América do Sul como região onde a democracia e a paz abrem a perspectiva de uma integração cada vez mais intensa entre países que convivem em um mesmo espaço de vizinhança.
E a integração política passava, necessariamente, pela perspectiva de integração do espaço econômico da América do Sul, mediante o entendimento entre “o Mercosul ampliado e a Comunidade Andina (CAN), com uma aproximação crescente da Guiana e do Suriname”.
Esse objetivo político da integração econômica da América do Sul foi explicitado ainda mais quando Fernando Henrique Cardoso, em 2001, declarou que o “Mercosul é mais que um mercado; o Mercosul é, para o Brasil, um destino”, precisando que a ALCA é “uma opção” à qual se poderá aderir ou não. O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, apoiou-o em suas críticas à ALCA e compareceu à reunião da Cúpula do Mercosul, realizada em Assunção, entre 21 e 22 de junho, quando, ao formalizar o pedido para o ingresso da Venezuela no Mercosul, afirmou também que a ALCA era opção; o Mercosul, nosso destino. Henry Kissinger, em Washington, percebeu que o Mercosul se inclinava a representar as mesmas tendências manifestadas na União Europeia, que buscava definir uma identidade política europeia não apenas distinta da dos Estados Unidos, como em manifesta oposição ao país.
A segunda reunião de presidentes da América do Sul se realizou em Guayaquil, Equador, entre 26 e 27 de julho de 2002, quando foi aprovado o Consenso de Guayaquil sobre Integração, Segurança e Infraestrutura para o Desenvolvimento, manifestando o propósito de construir “um futuro de convivência fecunda e pacífica, de permanente cooperação” e declarando a “América do Sul como Zona de Paz e Cooperação”.
A política exterior de Lula
A chegada de Luiz Inácio Lula da Silva e do PT ao governo constituiu a mudança mais significativa no cenário político não só no Brasil, como em toda a América do Sul, onde nenhum partido reconhecidamente de esquerda havia ganhado as eleições em nível nacional desde o golpe militar que destruiu o governo socialista do Chile, presidido por Salvador Allende, em 11 de setembro de 1973. Esse acontecimento representou um desafio para a política exterior dos EUA dentro de seu próprio hemisfério, ameaçado pela instabilidade política e por severa crise econômica, social e financeira, que afetava a todos os países, após uma década de livre mercado e políticas neoliberais aplicadas por governos de centro ou centro-direita democraticamente eleitos.
O presidente Lula da Silva, desde o início de seu governo, em 2003, demonstrou que a política exterior do Brasil trataria de robustecer a aliança estratégica com a Venezuela e de aprofundar os vínculos com a Argentina, seu principal sócio no Mercosul, e que a integração da América do Sul era a sua prioridade número um. Compreendeu que a base econômica, e não a exclusivamente política, deveria ancorar a liderança do Brasil na América do Sul e que isso exigia o aumento dos intercâmbios comerciais, em um contexto regional mais equilibrado. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) desempenhou um importante papel ao dar densidade a essa política. Foi aberta uma linha de crédito para financiar a venda de máquinas, componentes e peças fabricadas no Mercosul – em especial na Argentina – ao mercado brasileiro, ao mesmo tempo em que se previa dar tratamento semelhante aos produtos nacionais e aos financiamentos de bens finais de capital fabricados na Argentina, no Uruguai e no Paraguai. O BNDES também aprovou um crédito de US$ 200 milhões para a ampliação de um gasoduto para a Argentina, assim como para a construção e montagem dos tubos em um trecho de 508,85 km para expandir a capacidade de transporte de gás natural da Companhia de Empreendimentos de Energia (CIESA), ligada à filial da Petrobras (Petrobras Energia SA, ex-Pérez Companc) através dos gasodutos General San Martín e Neuba II, e ampliar a oferta de gás natural e eletricidade na região da Grande Buenos Aires.
Entretanto, o presidente Lula não pretendia promover, seguramente, uma política de confronto com os EUA, país com o qual o Brasil tinha de manter boas relações e bom entendimento. Isso ele disse e o deixou demonstrado. Em 2002, logo após sua visita a Buenos Aires, onde reafirmou que a aliança com a Argentina era prioritária para o Brasil, viajou a Washington, onde foi recebido com honras de chefe de Estado antes mesmo de ser investido nessa função. A reunião com o presidente George W. Bush superou as expectativas, apesar de os dois representarem tendências políticas e ideológicas opostas. E Lula, depois de sua conversa na Casa Branca, disse que regressaria ao Brasil com a tranquilidade de que pode “contar com o presidente Bush como um aliado”.
A recepção que o presidente Bush deu a Lula da Silva indicou uma mudança em sua postura. Mas as relações entre o Brasil e os EUA não seriam muito cômodas. A dificuldade de um entendimento sobre diversos pontos foi maior do que durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Os interesses, objetivos econômicos, comerciais e políticos dos dois países eram contraditórios. E, apesar de haver moderado o radicalismo, Lula modificou as políticas neoliberais executadas pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e manifestou sua discordância com as políticas de Washington, relacionadas com a formação da ALCA, o bloqueio a Cuba, a operação na Colômbia, o golpe na Venezuela, o cerco econômico e financeiro à Argentina ou a ação militar unilateral contra o Iraque.
Com cerca de 10% do comércio da região e respondendo por cerca de dois terços, dentro do Mercosul, o Brasil era, apesar da grande assimetria, o único país no sul do hemisfério ocidental em condições de rivalizar com os Estados Unidos, devido à sua extensão territorial, sua massa demográfica, seu parque industrial diversificado, o maior do denominado Terceiro Mundo, o volume do PIB e sua posição estratégica na sub-região, por ter fronteiras com todos os países, exceto Chile e Equador, e sua posição frente à costa ocidental da África. Daí não ter aceitado as cláusulas que os Estados Unidos tentavam impor, como a abertura das compras estatais, a retirada das empresas americanas da jurisdição dos tribunais nacionais e propriedade intelectual. A resistência do Brasil e da Argentina, juntamente com os demais países do Mercosul, terminou por abortar o projeto da ALCA.
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