Diferenças entre as
elites
Outra causa está
relacionada à formação e à representatividade das elites nas duas colônias, na
opinião do historiador brasileiro José Murilo de Carvalho.
No Brasil, a elite
era muito mais homogênea ideologicamente do que a espanhola, diz ele.
Carvalho argumenta
que isso se deveu à tradição burocrática portuguesa. Portugal nunca permitiu a
criação de universidades em sua colônia. Escolas superiores só foram criadas
após a chegada da corte, em 1808. Assim, os brasileiros que quisessem e
pudessem ter formação universitária tinham que viajar a Portugal, sobretudo à
cidade de Coimbra.
"Diante de um
pedido para se criar uma escola de Medicina em Minas Gerais, no século 18, a
resposta da Corte foi: agora pedem uma faculdade de Medicina, daqui a pouco vão
pedir uma faculdade de Direito e, em seguida, vão querer a independência",
exemplifica o historiador brasileiro.
Quando se formavam,
esses ex-alunos voltavam ao Brasil e acabavam ocupando cargos importantes na
administração da colônia. Ou seja, um desembargador em Pernambuco formado em
Coimbra tinha grandes chances de conhecer um desembargador do Rio de Janeiro
também diplomado na mesma universidade, ou de ter conhecidos em comum, o que,
na opinião de Carvalho, favoreceu um sentimento de unidade na colônia.
"Esses
estudantes luso-brasileiros em Coimbra tinham organização própria.
Envolveram-se no mesmo ensino que os portugueses e foram absorvidos pela
burocracia da Corte, sendo enviados a todos os pontos do império português - do
Brasil à África. Portugal tinha uma população muito pequena à época e não havia
gente suficiente para administrar seu império. Acabou dependendo dos
brasileiros treinados lá", diz.
"Eles formaram
grande parte da elite política brasileira até cerca de 1850, como ministros,
conselheiros de Estado, deputados e senadores", acrescenta.
Segundo Murilo de
Carvalho, essa formação da elite brasileira em Portugal acabou por favorecer a
obediência à figura real e a crença nas virtudes do poder centralizado.
Entre 1772 e 1872,
passaram pela Universidade de Coimbra 1.242 estudantes brasileiros.
Por outro lado, na
América Espanhola, durante esse mesmo período, 150 mil estudantes se formaram
em universidades locais, diz Carvalho. Havia pelo menos 23 universidades na
colônia, três delas apenas no México. Só a Universidade do México formou quase
40 mil estudantes.
Dessa forma,
argumenta o historiador, quando os movimentos de independência na América
Espanhola começaram a ganhar força, no século 19, eles surgiram
coincidentemente nos locais onde havia universidades. E praticamente todos
esses locais com universidades acabaram dando origem a um país diferente.
Ávila Rueda contesta,
contudo, essa última hipótese. "Essas universidades eram, em sua maioria,
reacionárias...aliadas à Coroa espanhola", diz.
"A Universidade
do México, por exemplo, era muito reacionária, a tal ponto que, em 1830 (após a
independência do México), o governo mexicano decidiu fechá-la porque acreditava
que não seria possível reformá-la", acrescenta.
Neste sentido, o
historiador mexicano diz acreditar que a livre circulação de impressos
(jornais, livros e panfletos) na América espanhola, que não era permitida na
América portuguesa (a proibição só foi revertida em 1808, com a chegada da
corte portuguesa ao Brasil), teve papel muito mais importante na construção de
identidades regionais do que propriamente as universidades.
"Já na América
portuguesa, tudo o que era consumido vinha de Portugal, o que gerava esse
vínculo muito forte com a metrópole", lembra.
Mas fato inconteste
era que, na América espanhola, os nascidos na colônia, os chamados criollos, a
elite local (grandes proprietários de terras, arrendatários de minas,
comerciantes e pecuaristas) eram desprezados em relação aos nascidos na
Espanha, os Peninsulares.
Até 1700, quando a
Espanha era governada pela dinastia dos Habsburgo, as colônias tinham bastante
autonomia.
Mas tudo mudou com as
reformas borbônicas feitas pelo rei espanhol Carlos 3º. Naquele momento, a
Espanha precisava aumentar a extração de riqueza de suas colônias para
financiar a manutenção de seu império e guerras nas quais estava envolvido.
Com isso, a Coroa
decidiu expandir os privilégios dos peninsulares - colonos nascidos na Espanha
-, que passaram a ocupar os cargos administrativos anteriormente destinados aos
criollos.
Ao mesmo tempo, as
reformas realizadas pela Igreja Católica reduziram os papéis e os privilégios
do baixo clero, que também era formado em sua maioria por criollos.
Napoleão invade
Portugal...e a família real portuguesa foge para o Brasil
Outro motivo que
explica a manutenção da unidade do Brasil, senão o mais importante, foi a fuga
da família real portuguesa para sua então maior colônia, de acordo com os
historiadores.
Em 1808, com a
invasão de Portugal por Napoleão Bonaparte, o príncipe regente João fugiu para
o Rio de Janeiro, transferindo não somente a corte, mas toda a burocracia do
governo: arquivos, biblioteca real, tesouro público e cerca de 15 mil pessoas.
O Rio de Janeiro virou, então, a sede político-administrativa do império. A
presença do rei em território brasileiro serviu como fonte de legitimidade para
que a colônia se mantivesse unida.
"O rei era um
herdeiro legítimo do poder. Temos dificuldade de entender a importância disso
hoje, mas naquela época a figura de Dom João 6º como monarca tinha muita
força", diz à BBC News Brasil o historiador americano Richard Graham,
professor emérito da Universidade do Texas e considerado um dos maiores
especialistas em história da América Latina nos Estados Unidos.
Carvalho explica que
a "transferência trouxe para o Brasil toda a burocracia portuguesa.
Portugal passou a ser uma dependência. Desenvolveu-se, portanto, um foco de
legitimidade política no país".
"Se Dom João não
tivesse vindo para o Brasil, o país teria se dividido em cinco ou seis países.
Os lugares de maior desenvolvimento econômico, como Pernambuco e Rio de
Janeiro, teriam conseguido sua independência", assinala.
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