Contando com pouco financiamento proveniente de empresários nacionais, a maior parte das organizações ultraliberais angaria recursos por meio de editais disponibilizados nos sites de fundações e think tanks libertarianos estrangeiros, como as norte-americanas Cato e Atlas, e a alemã Friedrich Naumann
A expressão “nova direita brasileira” costuma vir associada aos nomes dos principais integrantes do Movimento Brasil Livre, como Kim Kataguiri e Fernando Holiday, de humoristas como Danilo Gentili, polemistas como o youtuber Arthur do Val, do canal Mamãe Falei, e políticos da família Bolsonaro. Os think tanks podem ser definidos como instituições permanentes de pesquisa e/ou divulgação de ideias que procuram informar e influenciar instâncias governamentais e a opinião pública no que tange à adoção de determinadas políticas públicas.instituições de viés mais acadêmico, como a Fundação Getulio Vargas (FGV) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e mais próximos do extremo oposto os think tanks liberais e ultraliberais que atuam no país. Os primeiros think tanks liberais brasileiros, como o Instituto Liberal do Rio de Janeiro e o Instituto de Estudos Empresariais, foram criados nos anos 1980.
Quando Fernando Henrique Cardoso deixou a Presidência, tal desconfiança já havia se dissipado, e os economistas de orientação liberal que participaram de seu governo fundaram outro think tank em 2003 no Rio de Janeiro, a Casa da Garças, que possui um ambiente tão ou mais elitista quanto aquele que permeava os think tanks fundados nas décadas anteriores. Com a preocupação de difundir o liberalismo econômico para outros públicos além das elites acadêmicas, políticas e empresariais, alvos prioritários dos think tanks liberais existentes até então, foi fundado em 2005, no Rio de Janeiro, o Instituto Millenium. Contudo, a despeito de contar com o apoio organizacional e financeiro de parceiros como a Rede Globo e o jornal O Estado de S. Paulo, a divulgação das ideias liberais para um público mais amplo começou a ocorrer sem a necessidade de vultosos recursos e grande aparato organizacional.
Ideias difundidas por Olavo de Carvalho (que afirmou ser amigo de Donald Stewart Jr., fundador do Instituto Liberal em 1983 e que teria lhe apresentado as ideias do economista libertariano Ludwig von Mises). Em poucos anos se formaram na rede social grupos mais coesos que compartilhavam o mesmo entusiasmo por uma versão radical do que o liberalismo defendido pelos think tanks existentes até então: o libertarianismo, ou ultraliberalismo.
Entre os internautas ultraliberais que frequentavam as comunidades do Orkut entre 2005 e 2007 estavam Hélio Beltrão, Cristiano e Fernando Chiocca, fundadores do Instituto Mises Brasil; Rodrigo Constantino, atual presidente do Instituto Liberal e autor do livro Esquerda caviar; Cibele Bastos, organizadora do Dragão do Mar, maior grupo de estudos sobre libertarianismo no Brasil
Novos think tanks ultraliberais para se diferenciar do discurso neoliberal defendido pelos think tanks existentes até então. Entre eles é possível citar o Instituto Mises Brasil, o Instituto Ordem Livre, seção brasileira do think tank norte-americano Cato, o Instituto Liberal de São Paulo, o Instituto Liberal do Nordeste, o Instituto Mercado Popular, entre outros. Além disso, houve militantes que reativaram sua filiação ou passaram a fazem parte de think tanks liberais antigos, radicalizando seu discurso.
Com exceção de casos como o do Instituto Mises Brasil, que começou como uma página de internet e hoje ocupa uma sede espaçosa em um bairro de classe alta em São Paulo, a maior parte dos think tanks ultraliberais, entre os quais o antigo Instituto Liberal do Rio de Janeiro, não possui sede nem profissionais contratados, apenas militantes engajados na divulgação de suas ideias e dispostos, em suas próprias palavras, a disputar hegemonia na sociedade brasileira conquistando corações e mentes.
Apenas a partir de 2014 que os ultraliberais começaram a aparecer de fato no cenário político nacional. Já organizados em think tanks como o Instituto Mises Brasil, o Instituto Liberal de São Paulo e o Instituto Ordem Livre, além do Estudantes pela Liberdade, responsável por coordenar dezenas de grupos de estudo e chapas de centro acadêmico Brasil afora, os militantes se reuniram em torno da campanha política de Paulo Batista, candidato a deputado estadual por São Paulo. Na campanha, baseada em vídeos veiculados no YouTube, Batista, um empresário do ramo imobiliário do interior de São Paulo, se transformava em um super-herói ultraliberal vestido de terno preto, arremessando “raios privatizadores” em cidades de países comunistas. A candidatura, abrigada por um partido de menor expressão, era tida por seus organizadores como pertencendo ao Líber, o partido ultraliberal que não conseguiu ser oficializado.
O super-herói do raio privatizador, apesar de ter despontado como um fenômeno da internet e ter sido entrevistado no programa de televisão comandado pelo humorista Danilo Gentili, recebeu cerca de 20 mil votos e não foi eleito. No entanto, após a derrota, o publicitário que havia feito os vídeos da campanha para o YouTube e seu irmão, Renan Santos, formado em Direito no Largo São Francisco e membro da juventude do PSDB, decidiram chamar os militantes que atuaram em prol da candidatura de Batista para pequenas manifestações de rua contra a reeleição de Dilma Rousseff, convocadas pelas redes sociais. Em um primeiro momento, o grupo atuou sob o nome de Renova, o qual logo depois foi substituído por Movimento Brasil Livre, o que lhes permitiu reativar a página do Facebook que fora abandonada em 2013.
Além de terem contribuído de forma importante para a fundação e reativação do MBL, os ultraliberais passaram a participar mais ativamente da política institucional. Ao contrário dos think tanks liberais existentes até 2005, que apostavam suas fichas no então PFL e no PSDB, os ultraliberais preferem ter uma inserção partidária o mais ampla possível, de modo que, ao mesmo tempo que procuram atuar em partidos tradicionais de direita e centro-direita, como o Partido Progressista (PP), o DEM e o próprio PSDB, também tentam se organizar de forma mais orgânica em outros partidos. Atualmente, existem três expressões partidárias que lhes possibilitaram uma atuação mais autônoma e coerente com seus princípios: o Partido Novo; uma tendência libertariana chamada Livres, no pequeno Partido Social Liberal (PSL); e o Partido Social Cristão (PSC), que agora está sendo progressivamente abandonado por vários militantes que procuram seguir as movimentações dos políticos da família Bolsonaro.
Desse modo, as lideranças dos think tanks ultraliberais logo se distribuíram de maneira diversa. Rodrigo Constantino e Hélio Beltrão, presidentes respectivamente do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e do Instituto Mises, são apoiadores do Partido Novo, criado por João Amoêdo, executivo do Banco Itaú. Já Fábio Ostermann, fundador do Instituto Ordem Livre e do MBL em 2013, saiu candidato à prefeitura de Porto Alegre pelo PSL, assim como Rodrigo Saraiva Marinho, fundador e presidente do Instituto Liberal do Nordeste e coordenador da Rede Liberal, que saiu candidato a vereador em Fortaleza pelo mesmo partido. E, finalmente, Bernardo Santoro, que atuou como presidente do Líber, ex-diretor do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e ex-coordenador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica, tem procurado acompanhar os políticos da família Bolsonaro, provocando certo mal-estar em parte dos ultraliberais, que o acusam de incoerência. Santoro, porém, é pragmático e já declarou que as bandeiras conservadoras defendidas pelos políticos seriam um meio para atingir uma economia mais liberal; no entanto, por via das dúvidas, incentivou Eduardo Bolsonaro a cursar a pós-graduação em Economia oferecida pelo Instituto Mises Brasil.
*Camila Rocha é doutoranda em Ciência Política pela Universidade de São Paulo.
https://diplomatique.org.br/think-tanks-ultraliberais-e-nova-direita-brasileira/
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