"novamente em 2019!"
Deve-se à Constituição de 1988 a independência do Ministério Público e,
graças a ela, existe a Lava-Jato. Alguns dos larápios apanhados são grandes
empresários. Outros, servidores de empresas estatais. Além deles, o
procurador-geral Rodrigo Janot pediu a abertura de inquéritos envolvendo 22
deputados e 12 senadores. Pela primeira vez desde que Cabral deixou um
degredado no Brasil, a oligarquia política, burocrática e empresarial foi
ferida, exposta e encarcerada.
A Constituição de 1988 e o regime democrático permitiram o impedimento
do presidente Fernando Collor, a posse de Itamar Franco e, anos depois, a
nomeação de Fernando Henrique Cardoso para o Ministério da Fazenda, iniciando
um período de reformas que restabeleceu o valor da moeda e modernizou alguns setores
da vida nacional.
A Carta de 1988 tem defeitos e passou por mais plásticas que a atriz Kim
Novak, mas funciona. Ela é clara: as eleições presidenciais realizam-se a cada
quatro anos e assume quem tiver mais votos. Assim assumiram Fernando Henrique Cardoso,
Lula e a doutora Dilma. Se o Congresso resolver encerrar o mandato do
presidente, assume o vice. Assim foi com Itamar Franco. Hoje, assumiria Michel
Temer.
A Constituição também determina que o Tribunal Superior Eleitoral pode
cassar o mandato de uma chapa eleita e há um processo em curso nesse sentido.
Se as acusações prevalecerem, Dilma e Temer vão para casa e, em até 90 dias,
elege-se um novo presidente, com o voto de todos os brasileiros. Nada mal.
(Caso a cassação ocorra no ano que vem, a eleição será indireta, votando apenas
senadores e deputados.)
Desde a semana passada, com o agravamento da crise política e econômica,
surgiu a ideia de uma reforma do regime, chegando-se a um parlamentarismo ou a
uma excentricidade chamada de “semipresidencialismo” ou “semiparlamentarismo”.
Algo tão vago quanto uma “semibicicleta”. A proposta foi enunciada de forma
genérica e superficial, pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Outro
defensor da tese é o vice-presidente, Michel Temer, que acumula a condição de
pretendente ao trono (no caso do impedimento) com a de cliente da lâmina (no
caso da cassação).
É golpe.
O parlamentarismo já foi rejeitado pelos brasileiros em dois
plebiscitos, em 1963 e 1993, sempre por maioria acachapante. Com 77% a 17% dos
votos num caso e 55% a 25% no outro.
Corre por aí que o semipresidencialismo replicaria a experiência
francesa. O paralelo é falso como um depoimento de comissário petista. Na
França existia um regime parlamentar puro e caduco, até que em 1958, no meio de
uma guerra perdida e depois de um levante militar, o general De Gaulle
tornou-se primeiro-ministro, com poderes emergenciais. Passados três meses, ele
submeteu um projeto de Constituição ao povo francês e conseguiu 79,2% dos
votos. A reforma de De Gaulle fortaleceu o presidente e enfraqueceu o
Congresso. Ela entrou em vigor depois do referendo, não antes. O contrário do
que se quer fazer no Brasil. (Quem souber o nome do atual primeiro-ministro
francês ganha uma viagem à Disney.)
Em condições normais de temperatura e pressão, a manobra do
semiparlamentarismo é inconstitucional. Ela precisa buscar na crise a
legitimidade da emergência. O que se quer não é copiar as instituições
francesas, mas reciclar uma gambiarra do andar de cima brasileiro. Pretende-se
replicar 1961, quando no meio de uma crise política e militar aprovou-se em
poucos dias o regime parlamentarista para mutilar os poderes de João Goulart.
Foi golpe.
Quando se respeita a Constituição, as crises ajudam a fazer grandes
mudanças. A posse de Itamar Franco e a eleição de Tancredo Neves são dois
exemplos recentes. Havia a crise, preservou-se o regime e foi-se em frente.
Recuando-se no tempo, o vagão da crise reformadora entra num trem
fantasma. Em 1968, uma crise das ruas foi usada por uma conspiração palaciana
para jogar o país na ditadura escancarada do AI-5. Recuando mais um pouco,
chega-se a 1964. O marechal Castello Branco achava que a crise colocara-o na
Presidência para fazer grandes reformas. As fez, mas a anarquia militar que
cavalgou legou ao país o desastroso governo de Costa e Silva. Viveu o
suficiente para perceber a armação do colapso de sua ditadura envergonhada.
O caroço do golpe está no desejo de se dar o poder a quem não tem voto.
De Gaulle mostrou que os tinha. Se a ideia é boa e se Dilma e Temer forem
cassados, qualquer cidadão brasileiro pode se eleger presidente propondo sua
plataforma reformista. Durante a campanha eleitoral de 1994 Fernando Henrique
Cardoso elegeu-se propondo reformas, inclusive a da Previdência, e a fez, com o
apoio da CUT.
O semiparlamentarismo daria mais poderes a um Congresso de 594 deputados
e senadores. Deles, 99 têm processos à espera de julgamento do Supremo Tribunal
Federal. São 500 os inquéritos em andamento, inclusive os que tratam dos atuais
presidentes da Câmara e do Senado.
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Nesse cenário, ficam duas hipóteses: numa, Dilma sai pelo impeachment e
assume Temer; noutra, Temer escapa da lâmina do TSE. Nos dois casos atende-se
ao desejo da oligarquia ferida pela Lava-Jato e evita-se a escolha do novo presidente
pela via eleitoral direta.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/brasil/ha-um-golpe-no-forno-18864070#ixzz42p5YMmOx
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