quarta-feira, 18 de abril de 2012

Por que estamos tão pobres?



Rui Nogueira   
O Brasil é um país rico!
Isso ouvimos desde a infância. Porém, amargo contraste, temos 50 milhões de
brasileiros entre a pobreza e a miséria. Por quê?

A exuberância acha-se patente nas selvas, na água, na extensão territorial, no litoral, nos minérios, na capacidade de produzir alimentos. Qual a razão de a grande maioria dos brasileiros ser constituída por gente tão empobrecida?

Há cinco séculos, as classes dominantes da Europa Ocidental instalaram portos comerciais (predatórios) protegidos por fortes, fortalezas e contingentes militares que submeteram e dizimaram populações inteiras na Ásia, África e na recém-descoberta América. No caso do Brasil, chegavam ao nosso litoral, retiravam o pau-brasil e o levavam para o exterior. Pura extração predatória. Sucederam-se ciclos de exploração com total vantagem para os estrangeiros. Para os nativos, nada! Saíam a madeira, os diamantes, o ouro. Ficava apenas buraco e miséria. O regime de escravidão tinha o endosso doutrinário e religioso.

Os negros e os índios (combustível abundante, energia muscular utilizada na produção) eram considerados "sem alma". Jamais houve qualquer prurido ético ou religioso com relação às atrocidades cometidas pelo colonizador, responsável pelo mercantilismo colonial.

TRANSFORMAÇÃO COLONIAL

Em meados do século 19, a exportação de mercadorias cedeu lugar à exportação de capital, agravando-se a exploração da força de trabalho. Passo seguinte: a forma colonial avançou no mundo, do ponto de vista da espoliação econômica e da dominação política sempre mais sofisticadas, em condições nunca vistas anteriormente.

Os métodos novos de espoliação da nação — que não podem existir sem que se acentue a exploração da força de trabalho nativa e a dominação política — fizeram aprofundar o sistema colonialista moderno (semicolonialismo), impedindo a nacionalização dos monopólios estrangeiros. Cresceram de forma espantosa a "ajuda" ao país colonizado em condições econômicas e políticas determinadas, através de acordos desiguais, de tal forma que deixaram de existir assuntos internos, economia nacional e sistema de governo autenticamente brasileiro.

Em consequência, a pilhagem de matérias primas evoluiu para a rapina mais descarada e mil vezes mais desastrosa. As relações semifeudais e semicoloniais foram acentuadas e o velho Estado apodreceu de vez.

Os espoliadores externos, no seu processo de apodrecimento, sempre se consideraram "salvos", os entes superiores; os "escolhidos"; os que "estão com o bem". Os outros, fora do conluio com os seus desígnios, "estão com o mal": podem ser massacrados, torturados, dizimados com pólvora, tiros, tecnologias militares superiores ou com bloqueio de alimentos, medicamentos e mesmo fechamento das fronteiras comerciais. Muita covardia social.

Os escolhidos, os "do bem", podem de toda maneira penalizar os que são donos das riquezas naturais que eles precisam!

Observem! Permanecemos subjugados num sistema de exploração colonial.

E VIVA A EXPORTAÇÃO

Os sucessivos ciclos econômicos sempre têm atendido o interesse externo: cana-de-açúcar, pedras preciosas, metais, café, soja. Exportar é a solução: exportar matéria prima e bruta; o que tivermos do melhor, até exaurirem completamente nossas reservas. Tudo.

Não devemos esquecer. Exportar todas as coisas com preços estabelecidos pelos dominantes importadores, que nunca permitem aos que trabalham diretamente na produção ter condições para criar os filhos com dignidade e exercer o direito de levar a vida usufruindo as riquezas que possuem e produzem.

Somente neste sórdido convívio internacional os compradores é que estabelecem os preços para os "vendedores"!

A geração de riquezas é controlada pelos estrangeiros monopolistas.

Tudo o que visa o mercado interno é dificultado, inclusive a agricultura de subsistência. O que envolve uso de tecnologia é sistematicamente bloqueado, para persistir na dependência dos países dominantes.

Extraíamos diamantes para eles, mas até as ferramentas necessárias tinham que vir de fora. Na época da primeira colônia, foi proibido haver teares no Brasil para, obrigatoriamente, comprarmos tecidos no exterior (Inglaterra).

Na atualidade, o que é fabricado no Brasil está passando cada vez mais para mãos estrangeiras. Estamos agora apenas embalando produtos vindo do exterior. Isso mesmo! Pilhas, canetas, baterias, produtos farmacêuticos etc.

Sórdido mercantilismo colonial que nos limita a exportar minérios, matérias-primas, bens naturais, a preço vil — antigamente, por imposição dos países coloniais; hoje, rigidamente controlados por grandes corporações financeiras transnacionais.

POVO DO TRABALHO

O Brasil indígena foi invadido, e nele se instalou uma colonização fortemente controlada pela "Europa civilizada".

E pensar que nesta terra desenvolveu-se uma extraordinária nacionalidade universal, resultado da mistura de todas as raças, sem predomínio de nenhuma! Confiar nesse povo não é esperança sem fundamento. Temos todos os pré-requisitos para a empreitada de construir uma grande nação. O Brasil é rico: dos 21% de água potável do mundo, 15% estão na Amazônia. Mesmo no restante do país há um imenso potencial hidrelétrico. Temos a maior biodiversidade do planeta; as maiores reservas florestais do mundo; enormes extensões de terras agricultáveis, propiciando várias safras no mesmo ano; recursos minerais gigantescos: 98% do nióbio usado no mundo saíram do Brasil. A nossa superfície, coberta de vegetação e água em abundância, sob o sol que a atinge inteiramente, forma o grande e mais econômico reator do mundo. Por isso, somos a Nação do Sol.

Mas o Brasil está sendo invadido. E o invasor estrangeiro não faz uso ostensivo de tropas nem de armas. Tampouco precisa oficialmente fincar sua bandeira de chita no alto do Corcovado, embora o faça em vários lugares, comercialmente... A invasão e a ocupação já ocorreram sem muito alarde para os cúmplices coloniais, subjugando importantes setores do nosso sistema produtivo.

Episódio simbólico ocorreu na privatização do Banespa. Mal terminara a negociação, a bandeira do Estado de São Paulo, no topo do edifício sede, foi substituída pela da Espanha, de onde procedia o comprador. O fato repetiu-se com uma indústria cafeeira, na cidade mineira de Três Corações. Assim invadidos, empobrecemos cada vez mais. Salários em queda, empresas desaparecendo, desemprego aumentando, obsessão por arrecadação para o pagamento de juros.

Os alimentos de produção local — batata-doce, cuscus, cará, tapiocas — foram substituídos pelo trigo importado.

O biscoito que comíamos na infância não é mais brasileiro — é francês.

A manteiga natural que podia ser feita em casa, ou por qualquer cooperativa rural, agora dá lugar a misturas de sebos, recebendo o nome de margarina, com marcas registradas, sendo reconhecidas a propriedade e a fabricação estrangeira.

A gordura de coco e a banha de porco, tão ao gosto dos mineiros, foram substituídas pelos óleos refinados das empresas internacionais de alimentos.

SOLUÇÕES PARA ELES

Há toda uma propaganda voltada para a saúde. Mas não é intrigante o fato de uma solução, qualquer que seja, caminhar em benefício das grandes corporações transnacionais e estrangeiras?

As grandes corporações estrangeiras, juntamente com o sistema econômico e político que conseguiram criar no Brasil, desprezam as sementes selecionadas e o uso de sementes naturais para obrigar a aquisição de sementes transgênicas — as que não dão descendência nas mãos de corporações transnacionais.

Só plantaremos aquilo que determinarem e pelo preço que quiserem. Se resolverem não fornecer sementes suficientes, com a estrutura de produção de sementes naturais destruídas, o que acontecerá? Teremos mais fome em nosso país!

A água é o bem essencial da vida. Somos 70% de água. Pois há uma sistemática campanha contra o abastecimento de água ainda estatal. Querem que só haja água industrializada — purificada e adicionada de sais — na mão de transnacionais (Nestlé-Vivendi, Coca-Cola). Chegam ao absurdo de desmineralizar águas nobres e terapêuticas (São Lourenço) para adicionar sais e terem uma marca registrada, vendida mais cara que a gasolina. Estamos pagando ao estrangeiro para beber a nossa água.

E vão remetendo cada vez mais lucros para o exterior e nos empobrecendo.

ESCRAVIDÃO (QUASE) OCULTA

Nesse processo, há necessidade de sempre mais dólares, adquiridos por empréstimos a juros extorsivos, venda das nossas reservas de matérias primas a preço vil e a alienação das empresas nacionais.

Os bancos, cada vez mais dominados pelo capital estrangeiro, atuam até no varejo. Hoje, esses bancos chegam a ter agência em subúrbios. Essas operações jamais foram da competência dos negócios transnacionais, mas hoje são utilizadas para recolher até a nossa poupança interna. As taxas cobradas pelos serviços são extorsivas. E o desemprego entre os bancários é enorme.

O Banespa, agora Santander, tem a custódia dos recursos do estado mais rico do país. Numa palavra, todo o dinheiro do Estado de São Paulo é depositado em banco estrangeiro, que paga os funcionários estaduais e municipais e os mantém reféns de imenso esquema de empréstimos.

O estrangeiro, fazendo as vezes de banco estadual, recebe impostos e recolhe, como explica o Dr. Adriano Benayon1, 1,6 bilhão de reais provenientes da poupança dos paulistas, por mês. Lucro enorme auferido aqui, com todas as regalias, transformado em dólar e remetido para o exterior.

Então, exportar beneficiando quem? Solução, progresso, para quem?

Toda a exportação tem total isenção de impostos. Qual o benefício que esse tipo de exportação traz para a vida do brasileiro? Nenhum. Sai a riqueza, ficam o buraco e a miséria.

As usinas siderúrgicas, próximas de Belo Horizonte, produzem ferro gusa, quase todo exportado. Consomem a lenha das nossas matas e esvaem as nossas reservas de minério para beneficiar apenas o empresário e as corporações estrangeiras.

Se um brasileiro compra ferro gusa ao lado de uma siderúrgica, paga quase 30% de impostos. O que foi exportado: nada!

Até quando vamos suportar esta política perdulária e imbecil?

Suco de laranja exportado não paga imposto, mas recolhe 30% de taxa na entrada do USA. Ou seja, o nosso país não se beneficia em nada para investimentos e melhoria da vida dos brasileiros. Mas o governo do USA se apropria de fortes valores do esforço de produção dos brasileiros. Por isto empobrecemos. Produzimos muito, trabalhamos cada vez mais, enquanto a riqueza se esvai sempre mais de nossa terra.

Há uma dupla exploração que chega a ser sórdida. Os preços do que exportamos são aviltados e o "comprador" nos obriga a receber apenas o que está disposto a nos pagar. Onde existe isto? Se o leitor for comprar um pãozinho na esquina, não poderá impor o preço de meio centavo, por exemplo. O padeiro jamais venderia.

Simples. É que no cenário internacional inventaram uma balela, um dito sem fundamento, um tal de "mercado" dominado pelas corporações financeiras e legitimado pela força — que estabelece os preços para as mercadorias dos países dominados e espoliados.

O minério de ferro de Carajás, com teor de mais de 60%, é exportado pelo preço do minério com 30% de teor — a 7 dólares a tonelada — com total isenção de impostos. Navios gigantescos estão transferindo enorme quantidade de minérios para depósitos criados no USA e próximo ao Japão, estocando reservas estratégicas que são nossas.

O manganês do Amapá, oriundo da Serra do Navio, com o elevado teor de 46%, foi todo transferido e estocado em território do USA. O nióbio — que quase só existe no Brasil, sendo fundamental para fabricar turbinas e foguetes — é exportado a 17 dólares a tonelada. Mais de 90% do nióbio mundial saem do Brasil.

Até o final da Segunda Guerra, praticamente todos os rádios do mundo tinham cristal de quartzo brasileiro, o de melhor qualidade. Pois ele é exportado a 35 centavos de real, o quilo, com isenção de impostos.

O melhor exemplo para mostrar o nefasto mercantilismo colonial, que nos é imposto pelas lideranças políticas, é o café. O preço da saca, tipo exportação (de melhor qualidade) oscila; mas, como todos os produtos primários, segue uma tendência baixista. Uma saca de 60 quilos, exportada a 40 dólares, com isenção de impostos, ao ser torrefada reduz-se a 48 quilos de café em pó. Vendida como café expresso no USA, a 1,75 dólar a xícara, rende 11.760 dólares à cafeteria. Lá, os assalariados, embora explorados também, sobrevivem em condições muitas vezes superiores aos dos nossos trabalhadores, até o limpador de latrina. Aqui, o brasileiro que colheu o café ganha dois reais por dia, salário de miséria. Para o sistema empresarial, é uma situação mais lucrativa que possuir escravos, pois não têm que fornecer roupas, abrigo e comida ao trabalhador. Que estranha liberdade é essa de ser trabalhador num país colonizado! 

Dr. Rui Nogueira, freqüentemente solicitado para proferir palestras em todo o país, é médico e escritor. Autor de Servos da moeda; Petrobras, orgulho de ser brasileiro e Nação do Sol. www.nacaodosol.org.br
1 Adriano Benayon, doutor em economia pela Universidade de Hamburgo, Alemanha, autor de importantes artigos e livros sobre economia. Assíduo colaborador de A ND.

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