Carter, de 38 anos, diz
que sofreu abusos sexuais desde os quatro anos de idade de diversos membros da
seita, incluindo seu pai. Ela afirma que crescer em meio ao grupo, que
incentivava a prática, foi um “inferno na Terra“.
Watt foi condenado em
fevereiro deste ano depois de confessar os crimes, cometidos na Escócia. A
sentença determinou que ele cumpra 240 horas de serviço comunitário e compareça
a um curso de reabilitação. Ele também foi incluído na lista de criminosos
sexuais do país.
Carter diz que
durante anos ouviu que era louca e que o abuso nunca havia acontecido. “Só de
ter o fato reconhecido já é uma grande coisa“, afirma. “(Mas) para mim,
emocionalmente, a questão não ficou totalmente resolvida. Eu esperava mais“.
Carter diz que o pai
não foi o único que a molestou quando ela era pequena. “Coisas muito piores
foram feitas comigo por muitos outros.”
Meninos de Deus e
David Berg
A seita Meninos de
Deus começou nos Estados Unidos no fim dos anos 1960, fundada pelo americano
David Berg. O grupo cresceu e, no fim dos anos 1970, dizia ter 10 mil membros
em 130 comunidades ao redor do mundo.
Os atores de
Hollywood Rose McGowan e Joaquin Phoenix nasceram em famílias que faziam parte
da seita.
Berg dizia aos seus
seguidores que Deus é amor e amor é sexo, então, não deveria haver limites em
termos de idade ou de tipo de relacionamento.
“A seita ativamente
incentivava práticas sexuais com crianças a partir dos dois ou três anos“, diz
Carter.
Tanto o pai quanto a
mãe de Verity Carter eram participantes ativos do grupo quando ela nasceu.
Além do abuso sexual,
Carter diz que era constantemente espancada por qualquer transgressão.
“Era um inferno na
Terra. Mas aconteceu pouco a pouco, e muitos adultos não tinham percebido a
quão extremo (o grupo) havia se tornado até ser tarde demais“, afirma.
Seu pai saiu da seita
quando ela tinha nove anos, mas sua mãe continuou dentro do grupo com Carter e
seus irmãos.
No início, a família
morava em um pequeno apartamento, mas tinha uma vida parecida com a dos membros
que viviam em comunidade. “Não tínhamos contato com o mundo exterior“, diz
Carter. “Não tínhamos TV, não ouvíamos música nem tínhamos acesso à cultura. Não
tínhamos ideia de como o mundo funcionava.”
Carter não recebeu
nenhuma educação formal. Mas aprendeu a mentir para quem era de fora –
especialmente para o serviço social.
“A gente sofria
graves consequências se não sorrisse e não dissesse exatamente o que mandavam“,
diz. As crianças eram ensinadas que coisas horríveis iriam acontecer com elas
se saíssem de casa.
“Eu não me sentia bem
com as coisas que eram feitas comigo. Mas, se questionasse, eu apanhava ou
ficava de castigo“, conta. “E como não conseguia ficar quieta, era sempre
punida.”
"A seita ativamente incentivava práticas sexuais com crianças a partir dos dois ou três anos". Berg dizia aos seus seguidores que Deus é amor e amor é sexo, então, não deveria haver limites em termos de idade ou de tipo de relacionamento.
Fuga
Carter deixou a seita
por volta dos 15 anos, em uma época em que “já não me importava se algo
horrível acontecesse comigo, se eu morresse no ‘mundo exterior’. Porque eu já
queria morrer, então que diferença isso iria fazer?“, diz.
No começo, ela foi
morar com o pai, que gastava bastante dinheiro com ela. “Acho que ele estava
tentando compensar o passado“, diz.
“Eu perguntei para
ele sobre o que tinha acontecido e ele pediu desculpas e disse que era tudo
culpa dos ensinamentos da seita.”
Quando ela tinha 16
anos, os dois brigaram e Carter decidiu sair de casa.
Ela diz que teve
depressão e pensamentos suicidas, além de pesadelos e insônia. Durante muito
tempo, teve medo de falar a respeito, já que seus irmãos ainda estavam dentro
da seita.
Sete anos atrás ela
decidiu vir a público e contar o que aconteceu em sua infância. O caso revelou
mais sobre os estupros cometidos por seu pai do que ela imaginava.
“Ele não reconheceu o
mal que causou com seus atos. Parecia não entender o impacto que teve.”
Ricky Rodriguez e
outras vítimas
Desde os anos 1970,
dezenas de outras pessoas cujos pais eram membros do grupo relataram os abusos
sexuais que sofreram na infância.
Entre elas, estão
duas netas do criador da seita, David Berg. Uma delas falou sobre os abusos em
um processo judicial e outra, em uma rede de televisão americana.
Um dos casos mais
dramáticos da seita é o de Ricky Rodriguez, filho da segunda mulher de Berg,
Karen Zerby. Ele foi molestado constantemente quando era pequeno e a seita
chegou a publicar uma revista relatando os episódios como exemplo de criação de
filhos.
Em 2005, aos 29 anos,
ele se encontrou com uma das babás envolvidas nos abusos sexuais que sofreu na
infância e a matou a facadas. Em seguida, se suicidou.
De acordo com uma
reportagem da época do jornal The New York Times, Rodriguez fez um vídeo pouco
antes do crime dizendo que se via como um “justiceiro buscando vingança” para
crianças como “ele e suas irmãs, que foram vítimas de estupros e
espancamentos“.
Além de incentivar o
estupro de crianças, os textos de Berg tinham conteúdo racista e antissemita.
Em 1986, depois de
diversos escândalos envolvendo estupros e abusos de crianças, a Igreja revogou
os ensinamentos de Berg quanto à sexualidade e proibiu o contato sexual de
adultos com menores de idade.
David Berg morreu em
1994, aos 75 anos, e sua segunda mulher se tornou a líder do culto, posto que
ocupa até hoje.
A Família
Internacional
Verity Carter não
fala com sua mãe, mas diz ter um bom relacionamento com os quatro irmãos e duas
irmãs, que depois de adultos saíram da seita.
A mãe de Carter participa
até hoje do movimento, que mudou de nome e, desde 1978, se chama A Família
Internacional.
Apesar de prisões de
líderes e diversos processos criminais contra membros do grupo em países como
México, Reino Unido e Estados Unidos, a seita continua com suas atividades em
diversos países, incluindo o Brasil. A Família Internacional está no país desde
1973.
Procurada pela BBC, A
Família Internacional (AFI) disse que sofreu “uma reestruturação monumental em
2010, a qual levou ao desmantelamento de sua estrutura organizacional e lares
comunitários“.
“Os membros atuais
são frouxamente afiliados através do site comunitário. A organização atualmente
existe como uma pequena comunidade virtual com menos de 1,9 mil membros
dispersos em 80 países“, disse a entidade.
A porta-voz da
entidade, Carol Cunningham, afirmou que não conhece a história pessoal de
Verity Carter, mas pode dizer que “o pai dela foi excomungado da Família há
quase três décadas, em 1989“.
“A AFI expressou suas
desculpas em várias ocasiões a qualquer membro que sinta que sofreu danos
durante a sua afiliação, as quais também são estendidas a Verity“, afirmou a
porta-voz.
A entidade também diz
que “embora tenha pedido desculpas a ex-membros em diversas ocasiões por
qualquer dano sofrido, real ou sentido, não dá credibilidade a histórias de
abusos institucionalizados, que não têm nenhuma base em fatos.”
BBC