ao deixar a Presidência da Republica, Fernando Henrique passou a dedicar-se ao estudo de problemas de relevância mundial, neles incluído, nos últimos três anos, a ―fracassada‖ política de Guerra às Drogas. Como resultado de seu envolvimento com o tema, passou a adotar um discurso de mudança de paradigma na ação estatal contra as drogas, defendendo a substituição do modelo punitivo por um modelo de redução de danos e proteção do usuário de substâncias entorpecentes consideradas ilícitas. Dentro dessa estratégia, FHC aparece, na companhia de Bill Clinton, Jimmy Carter, Drauzio Varella e Paulo Coelho, como protagonista do documentário ―Quebrando o Tabu‖, autodenominado como ―um filme em busca de soluções para o fracasso da guerra às drogas‖11 . Logo no início do documentário, Fernando Henrique justifica-se pelo fato de não ter proposto a mudança de modelo de tratamento do problema das drogas durante os dois mandatos presidenciais com o argumento de que não dispunha das informações que tem agora. Essa mesma justificativa encontra-se presente no livro a ―A soma e o Resto‖ quando o tema das drogas é abordado.12 Conhecedor ou não do problema enquanto ocupava a Presidência da República, Fernando Henrique desenvolve, recuperando argumentos históricos e sociológicos de raiz científica, um modelo de tratamento das drogas que pretende substituir a repressão e o encarceramento como formas tradicionais de resposta à
- Os espanhóis estimularam intensamente o consumo de coca. Era um negócio esplêndido. No século XVI, gastava-se tanto, em Potosí, em roupa europeia para os opressores como em coca para os índios oprimidos. Quatrocentos mercadores espanhóis viviam, em Cuzco, do tráfico de coca; nas minas de Potosí, entravam anualmente cem mil cestos, com um milhão de quilos de folha de coca. A Igreja cobrava impostos sobre a droga. O inca Garcilaso de la Vega nos diz, em seus ―comentários reais‖, que a maior parte da renda do bispo, dos cônegos e demais ministros da igreja de Cuzco provinha dos dízimos sobre a coca, e que o transporte e a venda deste produto enriqueciam a muitos espanhóis. Com as escassas moedas que obtinham em troca de seu trabalho, os índios compravam folhas de coca em lugar de comida; mastigando-as, podiam suportar melhor, ao preço de abreviar a própria vida, as tarefas mortais que lhes eram impostas.18
https://editora.pucrs.br/anais/cienciascriminais/III/17.pdf
Quebrando o Tabu. Direção de Fernando Grostein Andrade. Produção: Spray Filmes, Start e Cultura, Luciano Huck, 2011, DVD (80 minutos). 12CARDOSO, Fernando Henrique. A Soma e o Resto: um olhar sobre a vida aos 80 anos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, p. 165.
PESQUISANDO,...
a Biopolítica e a Necropolítica a as diversas operações empreendidas por ela na América Latina, entre os anos de 1970 a 2000, compreendendo o período de governo dos Presidentes Richard Nixon, Gerald Ford, Jimmy Carter, Ronald Reagan, George H. W. Bush e Bill Clinton.
A guerra não é
apenas uma maneira de conseguir consolidar a sua soberania, como também um jeito
de exercer o direito de matar. a guerra às drogas se comporta como um meio
legítimo do Estado conseguir exercer seu “direito” de matar sem que sofra
qualquer consequência referente às mortes ocorridas durante as diversas
operações contra o tráfico, seja no Brasil, na América Latina ou em qualquer
outro lugar do mundo. todo o aparato voltado ao tráfico de drogas - plantio,
refino, venda e consumo - pode ser entendido como uma máquina de guerra. A
necropolítica é uma incrementação à biopolítica, em que o poder político
gerencia a população a partir da produção de morte de alguns segmentos - e isto
ligado diretamente ao racismo. Desde o
início do regime proibicionista das drogas, no início do século XX, houve um esforço
para securitizar a questão, ou seja, tirar a questão da esfera da saúde pública
- onde seria melhor tratada - e colocá-la na segurança, transformando o
problema do narcotráfico em uma questão resolvida apenas com a inserção da
segurança, e nesse caso, da militarização do combate (CELS, 2018). Esse esforço
foi concretizado ao longo do século passado, principalmente ao se analisar a
militarização no combate ao tráfico de drogas, presente em toda a América
Latina. Em 1921, foi criado o Bureau of
Prohibition, o qual se reportava diretamente ao Secretário do Tesouro. Além das
drogas, ele também era responsável por conter a produção, comércio e uso de
substâncias alcoólicas, por conta da Lei Seca.
Em 1922 foi criado o Federal
Narcotics Control Board (FNCB) foi um dos primeiros órgãos dos EUA criado para
limitar o consumo de substâncias psicoativas, em especial o ópio e a heroína. Em
1925, aconteceu a Segunda Convenção de Genebra, mesmo tendo participado da
Convenção, os EUA nunca ratificaram o acordo produzido nela, o que acabou por
não representar um avanço direto no sistema de controle de drogas dos EUA. Em
1930, outra grande agência de contenção das drogas foi criada nos EUA, a
Federal Bureau of Narcotics (FBN). O cargo de Comissário de Narcóticos
pertenceu a Harry J. Anslinger, um importante servidor do Departamento do
Tesouro, que se destacou como um líder na luta contra as drogas e ocupou o
cargo por mais de três décadas. Anslinger ainda conseguiu acordos com outras 20
agências de contenção de drogas em outros países, para que houvesse a troca de inteligência
sobre o assunto. Neste período, a maconha começou a se espalhar pelo país. . Em
1937, com a intenção de coibir o uso e a venda de cannabis, o governo promulgou
a Marihuana Tax Act, para definitivamente proibir o seu uso. Neste ano, o México
se torna o principal produtor de drogas que entravam ilegalmente nos EUA, começando,
a partir daí, os problemas em relação à América Latina (DEA, 20??a). Depois da Segunda Guerra Mundial, os Estados
Unidos emergiram como uma superpotência – junto com a União Soviética – e
também como um dos expoentes da criação da Organização das Nações Unidas. Com
esse crescimento, os EUA puderam espalhar sua agenda de proibição das drogas
pelo mundo. O Peru foi um dos primeiros países atingidos por esse objetivo,
quando em 1948 uma junta militar favorável aos EUA criminalizou a cocaína (HYLAND,
2011). Em 1948, a ONU criou um protocolo que colocava as drogas sintéticas sob
o mesmo controle que outras drogas já sofriam, como a morfina, com o apoio de
Anslinger. Praticamente todos os países do mundo assinaram o protocolo,
mostrando a força que os EUA já tinham, no que concerne ao tráfico de drogas e
a proibição da produção, venda e consumo destas (DEA, 20??a). Algumas agências com papéis semelhantes aos
da DEA e de seus antecessores começaram a ser criadas na década de 1960.
A primeira a
aparecer na América do Sul, por exemplo, foi a Brigade for the Repression of
the Traffic of Narcotics and Gambling (BEJA, em sua sigla em espanhol), que foi
criada em 1964 no Chile (RICART, 2018). Em
1960, o FBN tornou-se uma organização mundial. Os agentes desta organização passam
a atuar em diferentes países, principalmente naqueles ligados à produção, venda
e consumo de narcóticos, localizados na Europa, na América do Sul, no Oriente
Médio e no Sudeste da Ásia.
Em 1962 foi o
ano de aposentadoria de Harry J. Anslinger, que passou mais de 30 anos de sua
vida dedicado ao combate às drogas. Ele foi substituído por Henry L. Giordano,
que assumiu o cargo logo após a indicação do presidente John Kennedy. Em 1968,
o Presidente Lyndon Johnson propôs o chamado Reorganization Plan nº 1, o qual
visava extinguir a FBN e BDAC nos seus respectivos departamentos e, após,
integralizálos no Departamento de Justiça. Com a posição favorável dada pelo
Congresso, foi criado o 24 Bureau of Narcotics and Dangerous Drugs (BNDD), esta
sendo uma extensão das antigas FBN e BDAC, agora aglutinadas em uma única organização
(DEA, 20??a).
De acordo com o Reorganization Plan nº 1, as
funções do BNDD seriam as seguintes
1. Consolidar a
autoridade e preservar a experiência e mão-de-obra do Bureau of
Narcotics e do
Bureau of Drug Abuse Control;
2. Trabalhar
com os governos locais e estaduais na sua repressão ao tráfico ilegal
de drogas e
narcóticos, e ajudar no treinamento de agentes locais e de
investigadores;
3. Manter
operações ao redor do mundo, trabalhando intimamente com outras
nações para suprimir
o tráfico de narcóticos ilícitos e de maconha; e
4. Conduzir uma
campanha de pesquisa extensiva e um programa público de
educação
nacional sobre o abuso de drogas e seus efeitos trágicos (DEA,
20??b,
Em 1971,
aconteceu a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas a partir de um
esforço da ONU,
na qual foi estabelecido o “primeiro compromisso internacional para controlar substâncias
estimulantes, depressoras e alucinógenas” (DEA, 20??a, p. 28). Em 1972. Com
direção de Myles J. Ambrose, essa instituição “criou nove escritórios regionais
para impedir traficantes de atuarem por meio de júris especiais e reunir a
inteligência de agências federais, estaduais e locais” (DEA, 20??a, p.29). No
entanto, a cada agência que entrava no escopo da ODALE, aumentava a fragmentação
das autoridades, as prioridades passaram a competir entre si, e faltava comunicação.
Os cursos de capacitação da DEA realizados pela agência também incluíam agentes
de diversos países latino-americanos, dentre eles a Argentina, a Colômbia e o Brasil,
a presença desses três países se dá por conta da abertura dos
governos locais
aos EUA, muito mais do que serem personagens importantes no mercado das
drogas (RICART,
2018) Em 1971 Richard Nixon declarou
guerra as drogas, no entanto, criou as categorias país produtor e país
consumidor que norteiam até hoje a guerra às drogas patrocinada pelos
norteamericanos” (RODRIGUES, 2017, p. 178). Ele visava atacar principalmente o
mercado de opiáceos, já que, no período, entendia-se que a maconha e a cocaína
não eram tão nocivas à saúde quanto os anteriores. Depois de estabelecidos os
parâmetros dessa ofensiva, o governo estadunidense começou uma consulta com
seus embaixadores lotados em países produtores e chegou a estabelecer a Foreign
Assistance Act, que atribuiu a suspensão de ajuda financeira aos países que não
cooperassem com o esforço anti-drogas dos Estados Unidos (SILVA, 2013). O
presidente Richard Nixon foi um dos maiores combatentes das drogas que os EUA
já viram. O Presidente queria a consolidação de todas as agências e forças-tarefas
“sob um único e unificado comando” (DEA, 20??, p. 29). A nova organização
criada foi chamada de Drug Enforcement Administration (DEA). Dessa forma, todas
as agências criadas para o combate às drogas, como a FBN, a BDAC, a BNDD, a
ODALE, a ONNI, foram incorporadas em apenas uma agência, que seria responsável
pelo combate à produção, uso e distribuição de drogas dentro dos Estados Unidos
e também em diversos outros países, destacando os países da América Latina,
objeto de análise dessa pesquisa (RODRIGUES, 2017).
Foi durante o
mandato de Ronald Reagan que estourou um dos maiores escândalos
relacionados ao
tráfico de drogas do século XX: o esquema Irã-Contras. Esse caso trouxe à tona
o envolvimento
da CIA com o narcotráfico como maneira de extinguir o governo de esquerda
nicaraguense.
Através do financiamento da guerrilha de direita, conhecida como Contras, a CIA
queria fim da
liderança de esquerda no país da América Central.a cia ESTAVA facilitando o
tráfico de drogas em direção aos EUA. Com o fim da ajuda oficial a essa guerrilha, o
governo dos EUA permitiu que diversos cartéis tivessem suas operações na América
Central e, inclusive, exportasse as drogas produzidas para os Estados Unidos,
desde que esses cartéis financiassem os Contras (RODRIGUES, 2017).
Ligado ao
esquema Irã-Contras, estava o presidente panamenho Manuel Noriega. Antes
da revelação do
escândalo, Manuel era uma peça-chave para os Estados Unidos para a
articulação do
esquema com a guerrilha. Porém, com a descoberta do caso, ele deixou de ser
uma peça
importante para a contenção do comunismo - o que permitia a articulação do
tráfico
de drogas na
região - e passou a ter outro papel, de certa forma substancial para a política
estadunidense:
ele se tornou centro de uma intervenção dos Estados Unidos na América Latina
com a intenção
de combater o narcotráfico - inclusive com uma invasão ao Panamá em 1989
(RODRIGUES,
2017).
Ainda na década
de 1980, o crack começa a aparecer nos mercados de drogas dos EUA.
Ele se mostrou
uma opção viável para os produtores porque a sua produção era mais barata do que
a cocaína, já que também é feito da folha de coca, além de ser mais lucrativo,
dado que a cocaína estava sendo vendida aos preços mais baixos até então (DEA,
20??e).
George H. W.
Bush (1924-2018), a militarização da guerra às drogas continuou dentro
e fora dos
Estados Unidos, seguindo a política de seu antecessor, Ronald Reagan).
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