sábado, 22 de maio de 2021

A desgraça do Ricardo Salles obedeceu os madeireiros paraenses e mandou o Ibama afrouxar as regras para a exportação de madeira nobre derrubada na Amazônia.

 

Sábado, 22 de maio de 2021

Denunciamos há 14 meses a mutreta que motivou a devassa na vida do ministro do Meio Ambiente.

Se vivêssemos tempos corriqueiros no Brasil, Ricardo Salles teria perdido o emprego de ministro na quarta-feira passada, quando a Polícia Federal amanheceu na soleira de casas e escritórios dele em Brasília e São Paulo.

A suspeita é grave: Salles atendeu ao desejo de madeireiros paraenses e mandou o Ibama afrouxar as regras para a exportação de madeira nobre derrubada na Amazônia. E pode não ter sido uma generosidade do pior ministro do Meio Ambiente da história do país: suspeita-se que Salles tenha recebido pagamentos pelo serviço prestado.

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, autorizou a coleta de documentos e provas nos endereços de Salles, além da quebra dos sigilos fiscal e bancário dele e de outros envolvidos no caso, como o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, afastado do cargo por ordem da justiça. Com base nisso, a PF irá verificar se o ministro e seus homens de confiança cometeram crimes de corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação ao contrabando.

A história é uma bomba de tal poder de destruição que dividiu holofotes em Brasília com o primeiro dia de depoimento do general da ativa do Exército Eduardo Pazuello, o mais longevo comandante do Ministério da Saúde durante o descalabro que é a gestão da pandemia pelo governo Bolsonaro.

Mas não é novidade para quem lê o Intercept. Em 4 de março de 2020, publicamos reportagem assinada por Rafael Neves e Leonardo Fuhrmann cujo título é "Homem de Salles no Ibama aproveita carnaval e libera geral a exportação de madeira nativa".

Ela informava o seguinte:

Enquanto o país aproveitava o feriado [de Carnaval], Eduardo Bim eliminou uma barreira legal que existia há oito anos e afrouxou a fiscalização sobre todas as empresas do país que derrubam e exportam madeira nativa. As duas associações que pediram e conseguiram a medida acumulam condenações a multas que somam R$ 15 milhões, em valores desatualizados.

É exatamente por ter feito isso que Bim foi apeado do cargo pelo STF na quarta-feira passada. A mutreta que denunciamos em março de 2020 é o ponto de partida de uma investigação que envolve até autoridades dos Estados Unidos. 

Nossa reportagem também dava detalhes disso:

No início de fevereiro de 2020, o superintendente do Ibama no Pará já havia emitido uma autorização retroativa de exportação. Com isso, ele resolveu o problema de cinco contêineres de madeira que haviam sido embarcados sem a licença do órgão por uma empresa britânica chamada Tradelink e acabaram retidos nas alfândegas dos países de destino.

(...)

O superintendente [o coronel aposentado da Polícia Militar de São Paulo Walter Mendes Magalhães] justificou a medida pelo “número reduzido de servidores” e a “grande demanda processual e fiscalizatória”. Em vez de nomear gente para fiscalizar as cargas e autorizar a saída de produtos de empresas que seguem a legislação, o presidente simplesmente eliminou a necessidade do Ibama fazer isso. É como se a Anvisa, alegando falta de mão de obra, adotasse como regra liberar todos os medicamentos para consumo sem análise prévia.

(...)

A artimanha, contudo, durou pouco. Em janeiro, os países de destino das cargas – a começar pelos Estados Unidos – passaram a exigir o documento do Ibama que liberava a mercadoria. Ele não existia.

Com isso, como choramingam os madeireiros no ofício a Eduardo Bim, “várias cargas de madeira deixaram de ser embarcadas ou passaram a ser retidas nos portos de destino”. Foram situações como essa que levaram o ex-PM e superintendente do Ibama no Pará a atropelar as normas para tentar evitar o prejuízo de quem havia descumprido uma norma em vigor.

O pedido dos madeireiros foi levado à análise de cinco servidores da diretoria de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas, a DBFlo. Em nota emitida no dia 13, os analistas ambientais deixaram claro que não era possível atendê-lo. A autorização, argumentaram, funciona como uma contraprova para as informações que a empresa fornece às autoridades aduaneiras.

Mas o alerta dos servidores começou a ser desconsiderado pelo próprio diretor da DBFlo, João Pessoa Riograndense. Em manifestação técnica publicada no dia 17, ele sustentou que o Ibama pode combater fraudes por meio de seu sistema de controle, e fazer inspeções periódicas apenas em cargas suspeitas, por amostragem.

O documento serviu de base para que Bim atendesse à vontade dos empresários uma semana depois.

Nós sabemos bem que tipo de gente é Ricardo Salles, um sujeito que se sente intocável a ponto de ir acompanhado de um segurança armado à Polícia Federal atrás de informações sobre a investigação contra ele, antes de se reunir com Jair Bolsonaro e o ministro da Justiça, um delegado da PF, para tratar do caso.

É por isso que mapeamos os passos dele desde que o político do Partido Novo (sic) se tornou ministro. Já revelamos que Salles adulterou mapas para beneficiar mineradoras em São Paulo, loteou cargos de comando entre policiais da Rota como o que autorizou exportação de madeira sem documentação no Pará, impede servidores de carreira dos órgãos ambientais de fazerem seu trabalho e abriu mão de bilhões de reais em multas ambientais. Além de ter mentido no currículo sobre ter feito um curso na Universidade Yale, onde jamais botou os pés. 

Em tempos normais, alguém como Salles jamais teria se tornado ministro. E mesmo um ministro respeitável não resistiria à gravidade das denúncias que pesam contra ele. Mas vivemos no Brasil de Bolsonaro, que, um dia depois de ver a polícia devassar a casa de Salles, o classificou como um “excepcional ministro” na live semanal que faz para seu público de zumbis. 

É difícil esperar que, sob Bolsonaro e Augusto Aras, o dócil aliado do presidente que comanda a Procuradoria-Geral da República, a coisa fique realmente feia para Salles e sua turma de destruidores do meio ambiente. Mas, quando esse pesadelo que vivemos passar, é provável que eles tenham contas a acertar com a justiça.

Aí, teremos certeza de que nosso trabalho não terá sido em vão.

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