Até hoje não se sabe o que a
CIA contou naquele dia em 11 de setembro de 1973 ao presidente norte-americano Richard
Nixon sobre o golpe de Estado dado horas antes pelo general Augusto Pinochet,
que derrubou o Governo do socialista Salvador Allende. A CIA revogou
recentemente o sigilo sobre centenas de relatórios presidenciais da era Nixon,
mas decidiu encobrir ou apagar numerosos parágrafos, incluindo grande parte das
informações sobre os fatos que levaram a uma das piores ditaduras da história
recente da América do Sul. Peter Kornbluh, jornalista e especialista em Chile
que há quase quatro décadas investiga o envolvimento norte-americano na ditadura
chilena. “Ela está
tentando acobertar o que Nixon sabia sobre o complô golpista no Chile e desde
quando sabia, e também esconde os próprios contatos e conexões da CIA com os
planejadores do golpe.”
Santiago 31 OUT
2018 - 18:35 BRST
O presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro – admirador declarado
de Augusto Pinochet – terá Paulo Guedes como um superministro da
Economia. Guedes anunciou nesta terça-feira, 30, que sua pasta será uma fusão
dos ministérios da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio Exterior.
Trata-se de um velho conhecido dos economistas chilenos que impulsionaram o
programa econômico ultraliberal na ditadura (1973-1990)
Em seus estudos de
pós-graduação na Universidade de Chicago, onde o homem-forte era Milton Friedman, pai intelectual dos Chicago Boys, Guedes estreitou laços com vários estudantes chilenos que depois viriam
a ter papéis relevantes no regime militar.
Um deles foi
Jorge Selume Zaror, ex-diretor de Orçamento do regime de Pinochet, que no
começo da década de oitenta comandou a Faculdade de Economia e Negócios da
Universidade do Chile, a instituição acadêmica pública mais antiga e importante
do país. Foi a convite dele que Guedes aterrissou nesse centro de estudos para
trabalhar como pesquisador e acadêmico, assim como fizeram na mesma época
Robert Mundell e Edmund Phelps – conforme informou a revista chilena Capital –, que receberam
o Nobel de Economia em 1999 e 2006, respectivamente.
“Entendo que esteve por aqui, na Universidade do Chile. Não
sei se foi durante anos ou um trimestre”, disse, ao jornal chileno La Tercera, Rolf Luders, da
primeira geração dos Chicago
boys, um de seus principais expoentes, ministro da Fazenda e da
Economia, Fomento e Reconstrução entre 1982 e 1983. Em setembro passado, o
economista Ricardo Paredes escreveu no Twitter: “Economista-chefe de Bolsonaro,
Paulo Guedes, é PhD de Chicago e trabalhou no Departamento de Economia da
Universidade do Chile por volta do começo dos anos oitenta. Recordo-o como un capo [um craque],
embora assim como Bolsonaro seja aterrorizante”.
O
jornalista chileno Cristián Bofill, especialista em política brasileira, conta
que, “quando Guedes voltou de Chicago para o Brasil com
seu doutorado, se sentiu marginalizado no Brasil. Os economistas que tinham a
hegemonia naquele momento não lhe deram nem as posições acadêmicas nem os
cargos no Governo que ele sentia que merecia. Então, nos anos oitenta vem para
o Chile, onde é recrutado por Selume. Queria conhecer em primeira mão as
reformas que os Chicago boys estavam
promovendo no país”.
Segundo Bofill, tudo indica que o projeto de
Guedes sempre foi fazer no Brasil o que foi feito no Chile pelo economista
Sergio de Castro, assessor da Junta Militar a partir de 1973, depois ministro
da Economia e da
Fazenda e o principal artífice da implantação do modelo junto com os outros
economistas de Chicago: “Pegar um país medíocre economicamente, meter-lhe
reformas de viés neoliberal, fazer que o país tenha um impulso e, no final, o
que é o mais vitorioso, que seus próprios adversários assumam o modelo, como
fez, com a chegada da democracia, a Concertação de
centro-esquerda”.
Quando Guedes chegou a Santiago, “era o
melhor momento dos Chicago boys”,
relata a jornalista Carola Fuentes, que junto a Rafael Valdeavellano lançou em
2015 o filme homônimo, no qual os próprios protagonistas das reformas de
Pinochet relatam as transformações que promoveram no Chile e seu legado vigente
até a atualidade. A diretora de Chicago
Boys relata que, no começo da ditadura, eles ocuparam cargos secundários
de assessores técnicos. Em março de 1975, entretanto, Friedman visitou o Chile:
“Foi quando convence a Pinochet e lhe diz a famosa frase de que as medidas
devem ser tomadas de forma radical, porque é melhor cortar o rabo do cachorro
de uma só vez do que em pedacinhos”.
Pinochet, como a maioria dos militares
chilenos da época, era por principio estatista e olhava com desconfiança para
esse grupo de tecnocratas. Mas logo depois da conversa com Friedman decidiu dar
espaço aos Chicago boys para
que assumissem o comando da economia chilena. “A partir desse momento,
começaram a ocupar as primeiras linhas de ministérios e de diversas
instituições, como o Banco Central, por isso era fácil para eles tomar as
decisões. Não havia nenhum tipo de oposição a suas medidas radicais, que numa
democracia não poderiam ter implementado”, afirma Fontes.
No filme Chicago
boys, Ricardo Ffrench-David, economista chileno formado em Chicago, mas crítico
da ditadura e da gestão de seus colegas de universidade, diz que “as políticas
econômicas de 1973 a 1982 foram um exemplo pioneiro de extremismo neoliberal no
mundo”. Fuentes as detalha: liberdade de preços, abertura econômica e redução
dos impostos, privatização de empresas estatais e redução do Estado, junto com
a doutrinação da população.
Em
1982, os Chicago boys foram
expulsos da primeira linha logo depois da desvalorização mundial do dólar – em
1979, haviam determinado a fixação da taxa de câmbio –, mas foram sucedidos por
outros economistas que não alteraram em nada o modelo. Entre eles José Piñera,
irmão do atual mandatário chileno, ministro de Pinochet e criador do sistema
previdenciário chileno, baseado na capitalização individual. Implementou-a no
começo da década de oitenta, justamente a época em que Guedes vivia e
trabalhava no Chile.
Bolsonaro gostaria de substituir o sistema
previdenciário distributivo por outro de capitalização, seguindo o rastro do
que foi feito no Chile de Pinochet. Onyx Lorenzoni, seu possível ministro da Casa Civil, não oculta sua
admiração pelo modelo que os Chicago boys chilenos
implementaram: “O Chile para nós é um exemplo de país que estabeleceu elementos
macroeconômicos muito sólidos, que lhe permitiram ser um país completamente
diferente de toda a América Latina”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário