Além da Flórida, outros cinco estados estão em processo para aprovar leis que querem proibir o casamento infantil (Foto: Pixabay)
Sherry Johnson tinha 11 anos quando sua mãe disse que ela iria se casar. O noivo, nove anos mais velho que a menina, era um diácono da igreja apostólica que a família frequentava. “Eles me forçaram a casar com ele para encobrir um escândalo. Em vez de colocar algemas nele e mandá-lo para prisão, eles colocaram algemas em mim e me aprisionaram no casamento”, diz Johnson.
Johnson tem agora 58 anos, mas o casamento infantil não é uma coisa do passado nos Estados Unidos. Quase 250 mil crianças se casaram entre 2000 e 2010, algumas delas tinham dez anos. “Quase todas as meninas são casadas com homens adultos”, diz Fraidy Reiss, diretora da organização Unchained at Last, que faz campanha contra casamentos forçados.
Na maioria das cidades americanas, a idade mínima para se casar é 18 anos. No entanto, em todos os estados há exceções. A mais comum é quando os pais ou um juiz dão consentimento para o matrimônio. Em 25 estados, não há idade mínima para quando há uma exceção como esta. Mas agora, a cidade natal de Johnson, Flórida, está para aprovar uma lei que determina 18 anos como idade mínima com pouquíssimas exceções, em grande parte graças a sua campanha.
Em 2013, Johnson trabalhava num quiosque que vendia churrasco, em Tallahassee, quando contou sua história a uma senadora que era cliente do local. “Ela me escutou e decidiu fazer algo. Ela apresentou um projeto de lei para restringir o casamento infantil em 2014, mas não teve sucesso. Isso ocorreu porque ninguém entendeu o problema naquele momento”, explica Johnson.
“As pessoas pensaram: isso não acontece na Flórida. A idade mínima para casar é 18 anos, qual o problema? Mas eles não sabiam sobre as brechas. Entre 2001 e 2015, 16 mil crianças se casaram apenas na Flórida. Um homem de 40 anos pode casar legalmente com uma menina de cinco anos aqui”, afirma Johnson.
Mas ela, que teve seu próprio casamento infantil em 1971, não desistiu. Johnson entrou em contato com vários políticos da Flórida, contou sua história e explicou o problema.
Segundo Reiss, além da Flórida, outros cinco estados estão em processo para aprovar leis para proibir o casamento infantil. A batalha vem sendo difícil. Sua organização vem fazendo campanha para mudar as leis de todo o país há três anos.
“Quando eu comecei, eu pensei que seria fácil. Eu pensei que eu explicaria o problema e os legisladores mudariam a lei imediatamente, já que o Departamento de Estado dos EUA considera o casamento infantil como um abuso dos direitos humanos. Mas em todo lugar há políticos que pensam que mudar a lei é uma má ideia. Você não iria acreditar quantos legisladores me disseram que, se uma menina engravida, ela tem de casar. Uma parlamentar democrata me perguntou: as taxas de aborto não iriam aumentar se você acabasse com o casamento infantil? Isso me deixou sem palavras”, conta Reiss.
No ano passado, a escoteira Cassandra Levesque, de 17 anos, fez campanha para mudar a lei em New Hampshire que permite que meninas a partir dos 13 anos se casem, caso os pais aprovem . “O deputado local apresentou o projeto de lei que aumentava a idade mínima para 18 anos. Mas deputados homens persuadiram outros a não aprovar o projeto e evitar que ele fosse discutido por alguns anos. Um deles disse que uma escoteira de 17 anos não poderia ter algo a dizer sobre estes assuntos. Então eles acham que ela é grande o suficiente para casar, mas não tanto para falar sobre isso”, diz Levesque.
Os riscos do casamento infantil
Segundo Reiss, meninas que se casam antes dos 18 anos têm maiores riscos de ter ataques de coração, câncer, diabetes e derrames, além de um risco mais elevado de desenvolver transtornos psiquiátricos. Elas têm 50% a mais de chances de largar a escola, o que aumenta a chance de viver na pobreza. Elas também são três vezes mais propensas a se tornarem vítimas de violência doméstica. “Casamento infantil não ajuda ninguém. Os únicos que se beneficiam são os pedófilos”, diz Reiss.
Ela, que nasceu numa comunidade judaica ultraortodoxa, foi coagida a se casar quando tinha 19 anos. Ela considera “extramente irônico” que a lei tenha exceções para quando os pais dão consentimento ou para quando a menina menor de idade está grávida. “Porque, em muitos casos, a gravidez é resultado de abuso sexual e os pais forçam a menina a se casar para evitar um escândalo. Então a lei não protege a criança. Quando um homem adulto faz sexo com uma menina menor de idade, isso é considerado estupro em muitos estados. Mas quando o perpetrador casa com sua vítima, ele pode continuar abusando legalmente dela”, diz Reiss.
Johnson diz que seu casamento colocou um fim em sua infância. “Eu fui expulsa da escola e com 17 anos já tinha seis filhos. Eu não tinha como escapar. Você não pode assinar documentos legais quando é menor de 18 anos, então eu não podia pedir um divórcio. Por sete anos, eu estive presa a um homem que me causou dano e continuou fazendo isso”, diz Johnson.
Reiss também ressalta a dificuldade de ajudar as noivas-crianças a escapar. Poucos abrigos nos EUA recebem meninas menores de 18 anos. “A maioria das meninas, que pedem ajuda para a gente, já tentou se matar, porque preferem morrer a serem forçadas a se casar. Isso me deixa acordada de noite. Algo tem de mudar”, diz Reiss.
No dia 31 de janeiro, Johnson se sentou na galeria pública enquanto o senado da Flórida aprovou unanimemente o projeto de lei que proíbe o casamento infantil no estado, apesar de terem criado uma emenda que permite o casamento de meninas de 16 e 17 anos que estão grávidas. Vários senadores falaram sobre a história de Johnson e a agradeceram pela pressão a favor da proibição do casamento infantil.
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