Revista VEJA - 22/09/99:
Comércio
O rei dos free shops
Com muitos amigos no PFL,
Jonas Barcellos domina o comércio
de importados nos aeroportos do Brasil
Lucila Soares Paulo Jares
Barcellos, na fazenda onde cria gado nelore: "Não faço lobby. Os amigos são meu ativo oculto"
Das caçadas que empreendia na juventude, em Minas Gerais, Jonas Barcellos Corrêa Filho tirou uma lição muito útil para seus negócios: os animais que não chamam a atenção têm mais chance de viver em paz. Desde 1979, quando ganhou a licitação para operar o free shop do Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, Barcellos procurou manter-se na toca. Nada das colunas sociais e da badalação que alimentam a vaidade, mas atiçam a concorrência e a curiosidade. Com essa regra de conduta, sua empresa, a Brasif, ocupou quase todos os espaços abertos para o comércio de artigos importados naquelas áreas dos aeroportos internacionais em que os produtos são vendidos em dólar e não se pagam os impostos de importação. Dos free shops existentes no Brasil, a Brasif só não controla o de Salvador, na Bahia. Pilota os outros oito, de onde tirou a maior parte dos 370 milhões de dólares que suas empresas faturaram no ano passado. Foi também sem nenhum pio que, nos últimos meses, Barcellos costurou dois negócios importantes. No início do ano, comprou a participação de 35% de seu sócio Flávio Pentagna Guimarães. Agora, comenta-se no mercado, estaria negociando a venda de um naco de 25% da Brasif com dois grupos de free shops europeus.
O acordo com os europeus estaria a um passo do sim, embora Barcellos negue que haja qualquer conversa sobre o assunto. Se sacramentar a nova sociedade, o empresário vai aumentar a presença da Brasif no setor de importados. Ele planeja expandir sua rede de lojas fora dos aeroportos e reforçar os investimentos nos free shops. Seus planos passam pela internacionalização. Até o fim do ano, a Brasif pretende carimbar o passaporte para Miami, inaugurando ali um free shop diferente, com um serviço vip de entregas. Os consumidores poderão fazer as compras nessa loja, no centro da cidade, e receber a mercadoria no aeroporto – uma mão na roda para quem não gosta de fazer compras açodado pelas chamadas de embarque. Parceiros estrangeiros seriam companheiros ideais nessa investida fora do Brasil. Seriam úteis também na eventualidade de a Brasif ter de enfrentar concorrentes no Brasil, no território que hoje domina.
Antonio Milena
Free shop do Aeroporto de Cumbica, em São Paulo: comércio de importados sem concorrência
Barcellos gosta de passar despercebido com seus negócios, como o turista que não quer despertar a atenção para sua bagagem. Mas é figura familiar num círculo pequeno de pessoas influentes e políticos. Graças às amizades que cultivou nos lugares certos, pôde cimentar o poder que tem sobre o negócio dos free shops no Brasil. Até alguns anos atrás, era defendido em Brasília pelo advogado Pimenta da Veiga, atual ministro das Comunicações. Nas campanhas eleitorais, costuma ser generoso. E não o acusem de sectário. Suas contribuições alegram tanto o PLF como o PT, passando pelo PSDB. No ano passado, fez doações para as campanhas de pelo menos dez deputados federais, entre elas a do então candidato Pimenta da Veiga, que recebeu 137.000 reais. Para os políticos mineiros foram quase 700.000 reais, sendo 50.000 para a campanha do governador Itamar Franco. Para a reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso foram mais 300.000 reais. "Sou apartidário e acho importante apoiar pessoas com projetos para o país", diz o empresário.
Barcellos sabe tirar partido de suas amizades à direita e à esquerda. Se hoje os free shops estão bem abastecidos de charutos cubanos, por exemplo, é graças à consultoria de um amigo da alta cúpula do PT que tem trânsito junto ao governo cubano. Em Brasília, tem defensores atentos, como se viu no fim de 1997, quando o governo editou um pacote de medidas destinadas a aumentar a arrecadação, cortar gastos e controlar o consumo dos brasileiros em dólar. Na primeira versão, uma das medidas previa a redução da cota de compras dos turistas de 500 dólares para 300 dólares – um tiro no faturamento dos free shops. Na segunda versão, o item sumiu. "Qualquer medida que atinja os free shops provoca a reação imediata do PFL", relata um dos mais importantes ex-colaboradores do governo Fernando Henrique. Nesse caso, a gritaria contra a mudança partiu também da Infraero, Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária, e da Receita Federal, que dividem entre si cerca de 25% do faturamento dos free shops.
Perfume francês – Dono de uma conversa agradável e envolvente, esse mineiro de 62 anos, radicado no Rio de Janeiro, traz do berço a desenvoltura com que passeia entre os políticos. Seu pai foi um dos fundadores da extinta UDN, União Democrática Nacional, em Minas e sua casa era ponto de encontro de políticos importantes, como o ex-governador mineiro Milton Campos e o ex-vice-presidente Pedro Aleixo. Barcellos finge não dar maior importância à pecha de lobista. "Eu não faço lobby, tenho é muitos e bons amigos", afirma. "Eles são meu ativo oculto." Dentre as amizades políticas, uma das mais ativas é a que mantém com o senador Jorge Bornhausen, do PFL de Santa Catarina. Os dois se conheceram em 1971 e tornaram-se parceiros. Durante anos, Bornhausen participou da Brasif, como seu vice-presidente e conselheiro. "Ele aparecia no meu lugar", diz Barcellos. "Era tudo o que eu queria." A associação do nome de Bornhausen aos free shops de Barcellos tornou-se tão forte que os executivos da empresa estão acostumados a explicar até hoje que não são "empregados do Bornhausen". Ou seja, o senador pefelista, que já deixou a Brasif há alguns anos, acabou levando a fama de rei dos free shops.
Barcellos é um bem-sucedido criador de gado nelore. Seus animais, criados em fazendas do interior de Minas e São Paulo, estão entre os melhores do rebanho brasileiro e podem chegar a 120.000 reais num leilão. Quando está no papel de fazendeiro e criador, deixa o esconderijo e participa com prazer dos eventos públicos. Um deles é o Elo da Raça, um leilão que se realiza uma vez por ano numa de suas fazendas, em Uberaba, e reúne seis grandes criadores. Como em todos os acontecimentos desse tipo, a produção é caprichada, com efeitos de luz, fundo musical e leiloeiros profissionais que fazem do pregão um show. Barcellos distribui perfume francês às damas e charutos cubanos aos cavalheiros. Seu rebanho tem 10.000 cabeças de gado de corte e 4.500 animais de ponta, desses que causam espanto em leilões e feiras, como a Expozebu de Uberaba. A convite de Bornhausen, o senador Antonio Carlos Magalhães prestigiou a última edição dessa megafeira agropecuária, em maio, na qual Barcellos brilhou como o principal criador.
Barcellos costuma almoçar na sede da Brasif, um prédio de doze andares no centro do Rio. Dificilmente o empresário é visto em algum restaurante badalado. Mora numa cobertura dúplex de frente para o mar do Leblon com Paula, sua segunda mulher. O apartamento de 1.000 metros quadrados é avaliado em cerca de 4 milhões de reais. As paredes são brancas, assim como os estofados. Não há obras de arte fantásticas nas paredes nem tapetes caríssimos no chão. Apesar da proximidade com o mar, Barcellos evita ir à praia. Gosta mais de cavalgar por suas fazendas. Já não caça, como na juventude. Trocou o esporte pela pesca, à qual dedica um bom tempo no Rio Araguaia e também no litoral do Espírito Santo. Como ninguém é de ferro, para facilitar a vida, dividida entre o Rio e as fazendas de Uberaba e Araçatuba, só viaja de jatinho, um Citation V, de 1993, com sete lugares.
Quando o governo autorizou a abertura dos free shops nos aeroportos brasileiros, em 1976, Barcellos apostou todas as suas fichas nesse filão. Até então, era um médio empresário que negociava máquinas pesadas. Hoje, a lista dos free shops controlados pela Brasif, que faturaram 288 milhões de dólares no ano passado, só não coincide com a do Brasil porque em 1994, em Salvador, a Duty Free Bahia, empresa ligada a uma pequena rede de supermercados baiana, ganhou a concessão. Barcellos evita alardear o poderio da Brasif, porque este se apóia em regras velhas, do tempo em que a lei dos cartórios imperava na economia brasileira. Uma delas é a que rege os contratos de concessão entre a Brasif e a Infraero. Nos aeroportos internacionais do Rio, de São Paulo e de Porto Alegre, por exemplo, a empresa será a dona do pedaço por no mínimo mais quinze anos. No caso do Galeão, a sucessão de renovações dos contratos já soma 35 anos. A generosidade dos prazos é baseada no Código Brasileiro de Aeronáutica, que regulamenta todas as atividades desenvolvidas nos aeroportos. Como os contratos prevêem a incorporação de qualquer benfeitoria ao patrimônio da União, a lei garante ao concessionário a ampliação dos prazos de concessão para que possa recuperar o investimento feito. Cada benfeitoria é acompanhada de um aditivo ao contrato que prorroga o tempo de exploração do negócio. Na prática, isso faz com que as concessões se tornem quase intocáveis e Barcellos possa seguir tranqüilo em seu reinado.
http://veja.abril.co...0999/p_126.html
Comércio
O rei dos free shops
Com muitos amigos no PFL,
Jonas Barcellos domina o comércio
de importados nos aeroportos do Brasil
Lucila Soares Paulo Jares
Das caçadas que empreendia na juventude, em Minas Gerais, Jonas Barcellos Corrêa Filho tirou uma lição muito útil para seus negócios: os animais que não chamam a atenção têm mais chance de viver em paz. Desde 1979, quando ganhou a licitação para operar o free shop do Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, Barcellos procurou manter-se na toca. Nada das colunas sociais e da badalação que alimentam a vaidade, mas atiçam a concorrência e a curiosidade. Com essa regra de conduta, sua empresa, a Brasif, ocupou quase todos os espaços abertos para o comércio de artigos importados naquelas áreas dos aeroportos internacionais em que os produtos são vendidos em dólar e não se pagam os impostos de importação. Dos free shops existentes no Brasil, a Brasif só não controla o de Salvador, na Bahia. Pilota os outros oito, de onde tirou a maior parte dos 370 milhões de dólares que suas empresas faturaram no ano passado. Foi também sem nenhum pio que, nos últimos meses, Barcellos costurou dois negócios importantes. No início do ano, comprou a participação de 35% de seu sócio Flávio Pentagna Guimarães. Agora, comenta-se no mercado, estaria negociando a venda de um naco de 25% da Brasif com dois grupos de free shops europeus.
O acordo com os europeus estaria a um passo do sim, embora Barcellos negue que haja qualquer conversa sobre o assunto. Se sacramentar a nova sociedade, o empresário vai aumentar a presença da Brasif no setor de importados. Ele planeja expandir sua rede de lojas fora dos aeroportos e reforçar os investimentos nos free shops. Seus planos passam pela internacionalização. Até o fim do ano, a Brasif pretende carimbar o passaporte para Miami, inaugurando ali um free shop diferente, com um serviço vip de entregas. Os consumidores poderão fazer as compras nessa loja, no centro da cidade, e receber a mercadoria no aeroporto – uma mão na roda para quem não gosta de fazer compras açodado pelas chamadas de embarque. Parceiros estrangeiros seriam companheiros ideais nessa investida fora do Brasil. Seriam úteis também na eventualidade de a Brasif ter de enfrentar concorrentes no Brasil, no território que hoje domina.
Antonio Milena
Free shop do Aeroporto de Cumbica, em São Paulo: comércio de importados sem concorrência
Barcellos gosta de passar despercebido com seus negócios, como o turista que não quer despertar a atenção para sua bagagem. Mas é figura familiar num círculo pequeno de pessoas influentes e políticos. Graças às amizades que cultivou nos lugares certos, pôde cimentar o poder que tem sobre o negócio dos free shops no Brasil. Até alguns anos atrás, era defendido em Brasília pelo advogado Pimenta da Veiga, atual ministro das Comunicações. Nas campanhas eleitorais, costuma ser generoso. E não o acusem de sectário. Suas contribuições alegram tanto o PLF como o PT, passando pelo PSDB. No ano passado, fez doações para as campanhas de pelo menos dez deputados federais, entre elas a do então candidato Pimenta da Veiga, que recebeu 137.000 reais. Para os políticos mineiros foram quase 700.000 reais, sendo 50.000 para a campanha do governador Itamar Franco. Para a reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso foram mais 300.000 reais. "Sou apartidário e acho importante apoiar pessoas com projetos para o país", diz o empresário.
Barcellos sabe tirar partido de suas amizades à direita e à esquerda. Se hoje os free shops estão bem abastecidos de charutos cubanos, por exemplo, é graças à consultoria de um amigo da alta cúpula do PT que tem trânsito junto ao governo cubano. Em Brasília, tem defensores atentos, como se viu no fim de 1997, quando o governo editou um pacote de medidas destinadas a aumentar a arrecadação, cortar gastos e controlar o consumo dos brasileiros em dólar. Na primeira versão, uma das medidas previa a redução da cota de compras dos turistas de 500 dólares para 300 dólares – um tiro no faturamento dos free shops. Na segunda versão, o item sumiu. "Qualquer medida que atinja os free shops provoca a reação imediata do PFL", relata um dos mais importantes ex-colaboradores do governo Fernando Henrique. Nesse caso, a gritaria contra a mudança partiu também da Infraero, Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária, e da Receita Federal, que dividem entre si cerca de 25% do faturamento dos free shops.
Perfume francês – Dono de uma conversa agradável e envolvente, esse mineiro de 62 anos, radicado no Rio de Janeiro, traz do berço a desenvoltura com que passeia entre os políticos. Seu pai foi um dos fundadores da extinta UDN, União Democrática Nacional, em Minas e sua casa era ponto de encontro de políticos importantes, como o ex-governador mineiro Milton Campos e o ex-vice-presidente Pedro Aleixo. Barcellos finge não dar maior importância à pecha de lobista. "Eu não faço lobby, tenho é muitos e bons amigos", afirma. "Eles são meu ativo oculto." Dentre as amizades políticas, uma das mais ativas é a que mantém com o senador Jorge Bornhausen, do PFL de Santa Catarina. Os dois se conheceram em 1971 e tornaram-se parceiros. Durante anos, Bornhausen participou da Brasif, como seu vice-presidente e conselheiro. "Ele aparecia no meu lugar", diz Barcellos. "Era tudo o que eu queria." A associação do nome de Bornhausen aos free shops de Barcellos tornou-se tão forte que os executivos da empresa estão acostumados a explicar até hoje que não são "empregados do Bornhausen". Ou seja, o senador pefelista, que já deixou a Brasif há alguns anos, acabou levando a fama de rei dos free shops.
Barcellos é um bem-sucedido criador de gado nelore. Seus animais, criados em fazendas do interior de Minas e São Paulo, estão entre os melhores do rebanho brasileiro e podem chegar a 120.000 reais num leilão. Quando está no papel de fazendeiro e criador, deixa o esconderijo e participa com prazer dos eventos públicos. Um deles é o Elo da Raça, um leilão que se realiza uma vez por ano numa de suas fazendas, em Uberaba, e reúne seis grandes criadores. Como em todos os acontecimentos desse tipo, a produção é caprichada, com efeitos de luz, fundo musical e leiloeiros profissionais que fazem do pregão um show. Barcellos distribui perfume francês às damas e charutos cubanos aos cavalheiros. Seu rebanho tem 10.000 cabeças de gado de corte e 4.500 animais de ponta, desses que causam espanto em leilões e feiras, como a Expozebu de Uberaba. A convite de Bornhausen, o senador Antonio Carlos Magalhães prestigiou a última edição dessa megafeira agropecuária, em maio, na qual Barcellos brilhou como o principal criador.
Barcellos costuma almoçar na sede da Brasif, um prédio de doze andares no centro do Rio. Dificilmente o empresário é visto em algum restaurante badalado. Mora numa cobertura dúplex de frente para o mar do Leblon com Paula, sua segunda mulher. O apartamento de 1.000 metros quadrados é avaliado em cerca de 4 milhões de reais. As paredes são brancas, assim como os estofados. Não há obras de arte fantásticas nas paredes nem tapetes caríssimos no chão. Apesar da proximidade com o mar, Barcellos evita ir à praia. Gosta mais de cavalgar por suas fazendas. Já não caça, como na juventude. Trocou o esporte pela pesca, à qual dedica um bom tempo no Rio Araguaia e também no litoral do Espírito Santo. Como ninguém é de ferro, para facilitar a vida, dividida entre o Rio e as fazendas de Uberaba e Araçatuba, só viaja de jatinho, um Citation V, de 1993, com sete lugares.
Quando o governo autorizou a abertura dos free shops nos aeroportos brasileiros, em 1976, Barcellos apostou todas as suas fichas nesse filão. Até então, era um médio empresário que negociava máquinas pesadas. Hoje, a lista dos free shops controlados pela Brasif, que faturaram 288 milhões de dólares no ano passado, só não coincide com a do Brasil porque em 1994, em Salvador, a Duty Free Bahia, empresa ligada a uma pequena rede de supermercados baiana, ganhou a concessão. Barcellos evita alardear o poderio da Brasif, porque este se apóia em regras velhas, do tempo em que a lei dos cartórios imperava na economia brasileira. Uma delas é a que rege os contratos de concessão entre a Brasif e a Infraero. Nos aeroportos internacionais do Rio, de São Paulo e de Porto Alegre, por exemplo, a empresa será a dona do pedaço por no mínimo mais quinze anos. No caso do Galeão, a sucessão de renovações dos contratos já soma 35 anos. A generosidade dos prazos é baseada no Código Brasileiro de Aeronáutica, que regulamenta todas as atividades desenvolvidas nos aeroportos. Como os contratos prevêem a incorporação de qualquer benfeitoria ao patrimônio da União, a lei garante ao concessionário a ampliação dos prazos de concessão para que possa recuperar o investimento feito. Cada benfeitoria é acompanhada de um aditivo ao contrato que prorroga o tempo de exploração do negócio. Na prática, isso faz com que as concessões se tornem quase intocáveis e Barcellos possa seguir tranqüilo em seu reinado.
http://veja.abril.co...0999/p_126.html
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