Nota minha: Clube de Roma: Fiat, Volkswagen, ... "Clube contra o desenvolvimento" usaram o lema "o desenvolvimento precisa ser contido para evitar as agressões contra o meio ambiente". Isto é, aquelas conclusões terroristas do Clube de Roma, a pretexto de defender o meio ambiente, defendiam na verdade a manutenção do capitalismo e do consumismo capitalista dos países ricos e industrializados, tal como ele se encontrava então, e em contrapartida pregavam a contenção do desenvolvimento dos países pobres, como o Brasil, e tantos outros pelo mundo afora, que lutam pela melhoria do bem estar de seus povos. Assim, através dos governantes brasileiros entreguistas, não nacionalistas, bloquearam as intenções do Sr. Gurgel e o sonho dos brasileiros em ter no Brasil o veículo 100% nacional.
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Gurgel - um homem de fibra
João Augusto Conrado do Amaral Gurgel nasceu em Franca, interior paulista. Desde a sua juventude, sonhava em fazer um carro brasileiro, tanto que na graduação da Escola Politécnica de São Paulo, apresentou como trabalho do curso o projeto de um pequeno veículo de dois cilindros, batizado de Tião. Ouviu então de seu professor: "Carro não se fabrica, Gurgel, se compra". E teve que fazer o projeto do guindaste que foi solicitado para ser aprovado na disciplina.
Dinâmico e de grandes idéias, formou-se na Escola Politécnica de São Paulo em 1949 e, em 1953, no General Motors Institute nos Estados Unidos. Pós-graduado nos Estados Unidos, trabalhou na Buick Motor Corporation e na General Motors Truck and Coach Corporation. Aqui, trabalhou nas fábricas da General Motors e da Ford. Era um dos engenheiros mais bem remunerados quando deixou a Ford para iniciar o seu próprio negócio, a empresa Moplast de moldagem de plásticos, visando desenvolver a tecnologia para a produção de carros em plástico reforçado com fibra de vidro (FRP). Começou produzindo karts e minicarros para crianças. Em 1969 fundou a Gurgel Veículos, e seu primeiro modelo foi um bugue com linhas muito modernas e interessantes. Chamava-se Ipanema e utilizava chassi, motor e suspensão Volkswagen. Gurgel sempre batizou seus carros com nomes bem brasileiros e homenageava nossos índios.
Gurgel comprou uma área em Rio Claro (SP) para construir a sua fábrica. O utilitário leve Xavante XT, produzido em Rio Claro, tornou-se o primeiro sucesso de vendas já em 1970. As linhas lembravam as do Ipanema, mas Gurgel desenvolveu um chassi próprio e engenhoso: tubular de aço, revestido de plástico reforçado com fibra de vidro, sendo este também o material da carroceria. A impossibilidade de ataque por corrosão era uma das grandes vantagens. Trazia ainda o Selectraction, alavancas de freio de mão que permitiam frear as rodas motrizes separadamente, anulando o efeito diferencial. Caso uma das rodas perdesse tração, era possível transferir toda a força para a outra. Simples, mas funcional. O sistema foi aplicado depois nos outros utilitários. Na fábrica foi produzida uma linha bastante diversificada, com muitas derivações, utilizando o câmbio e o motor arrefecido a ar da Volkswagen.
Em 1974, apostando na idéia de uma carro elétrico, Gurgel apresentou o Itaipu, nome da então recém-inaugurada maior hidrelétrica do mundo. Começou como um minicarro urbano de 2 lugares e evoluiu para uma caminhonete elétrica de design mais avançado que o da Kombi. O Itaipu E-400 furgão chegou a equipar frotas de companhias de eletricidade Brasil afora, mas as baterias da época, com muito peso e pouca capacidade de carga, não permitiam uma autonomia satisfatória.
Em 1984 lançou o seu primeiro automóvel urbano, o pequeno sedã Xef (de três lugares lado a lado). Tinha apenas 3,12 m de comprimento, mas 1,70 m de largura. Não alcançou sucesso por ser caro e incompreendido pelos compradores. No mesmo ano saiu o Carajás, SUV de maior porte que utilizava o motor dianteiro 1.8 refrigerado a água da Volkswagen.
Como o Carajás também pouco vendeu, o engenheiro, sem abandonar a produção do Xavante, voltou a pensar nos minicarros de baixo custo: o Cena - sigla para Carro Econômico Nacional. Gurgel apostou todas as fichas nesse projeto ambicioso e de alto risco. Lançou um plano de venda pública de ações da Gurgel Veículos vinculadas à aquisição do carro com uma publicidade ousada: "Se há 80 anos Henry Ford convidasse você para ser o seu sócio, você não aceitaria?".
Na época do lançamento do Cena, em 1988, Ayrton Senna conquistava o primeiro título mundial de Fórmula 1. Podia parecer oportunismo vender um modelo identificado pelo mesmo fonema. Negociações de bastidores levaram Gurgel a rebatizar o carro de BR-800, referência ao Brasil e à cilindrada. O pequeno automóvel conseguiu atrair atenções no primeiro ano de comercialização.
O Governo Federal, num louvável gesto de apoio à indústria nacional, concedeu ao BR-800 o direito de pagar apenas 5% de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), enquanto os demais carros pagavam 25% ou mais dependendo da cilindrada. O objetivo de projetar um carro com o preço final de US$ 3 mil não se concretizou, o preço acabou ficando por volta de US$ 7 mil, mas graças ao incentivo fiscal, ainda era cerca de 30% mais barato que os compactos de outras montadoras, a exemplo do FIAT Uno, na época. Do BR-800 derivou o Supermíni, cujas linhas também inspiraram o Moto-Machine.
Entretanto o cenário ficou desfavorável no governo seguinte, do então presidente Fernando Collor de Mello. O governo isentou do IPI todos os carros com motor de até 1000 cilindradas (1.0), traindo o incentivo a uma indústria 100% nacional como a Gurgel. A FIAT, seguida por outras montadoras, lançou quase que instantaneamente o Uno Mille com o mesmo preço do BR-800, mas que oferecia mais espaço e desempenho.
Mas Gurgel, com muita determinação, desenvolveu um novo projeto revolucionário: o Projeto Delta. Ele pretendia produzir componentes em Fortaleza (CE) e montar o carro em unidades regionais, criando 6 mil empregos diretos e 50 mil indiretos. A denominação do projeto era uma alusão à asa delta, que Gurgel definia como "a tecnologia da simplicidade". O nordeste foi escolhido por ser a região com maior necessidade de criação de empregos. A Gurgel construiu a Gurgel Brasil S.A. em terreno próprio em Eusébio, perto de Fortaleza, onde seriam produzidas caixas de câmbio, até então importadas da Argentina, e eixos traseiros motrizes, mantendo-se em Rio Claro (SP) as instalações da Gurgel Motores para a produção de motores e dos demais componentes. O transporte de conjuntos entre Rio Claro e Fortaleza permitiriam o aproveitando da viagem de ida e de volta, reduzindo bastante os custos operacionais. Então, em 1991, o governador Ciro Gomes, do Ceará, e do secretário da ciência e tecnologia de São Paulo, Luiz Carlos Delben Leite, representando o governador Luís Antônio Fleury Filho assinaram formalmente um Protocolo de Intenções garantindo "seu irrestrito apoio ao projeto Gurgel Brasil a ser implantado no nordeste do Brasil e que unirá, por certo, os interesses das regiões que representam". Gurgel partiu para a compra de todas as máquinas necessárias para concretizar o projeto, sendo parte trazida da França e parte encomendada aqui no Brasil.
A partir de 1992 a indústria de automóveis começou a se dar conta de que o nicho dos carros populares existia e era promissor. Multinacionais perceberam e aproveitaram o caminho aberto pela Gurgel e obtiveram redução de impostos para os seus veículos urbanos de motor de baixa cilindrada e baixo consumo de combustível. Perceberam também que o sistema de montagem regional desenvolvido para ser posto em prática pela Gurgel no seu Projeto Delta era incompatível com o carro produzido pelos meios convencionais de que elas se utilizavam. Para criar montadoras regionais em vários estados e enviar seus produtos pelo sistema CKD (desmontados), as indústrias convencionais iriam encarecer o custo final dos veículos pela necessidade de criar linhas de montagem tradicionais em cada região. Pelo sistema da Gurgel, que precisou praticamente reinventar o automóvel para pô-lo em prática, esse problema não existiria. O resultado seria um carro realmente popular, com características próprias para cada região, e que deveria custar entre U$ 4 mil e U$ 5 mil para o consumidor, ou seja, bem menos do que os populares das multinacionais então em produção.
Foi então que, sem qualquer justificativa válida, o governador Ciro Gomes deixou de atender ao Protocolo de Intenções assinado no ano anterior. Procurado a seguir pela Gurgel, o governador Luiz Antônio Fleury Filho também se esquivou ao apoio prometido no mesmo protocolo, assinado por ele e pelo secretário da ciência e da tecnologia, Luiz Carlos Delben Leite. O BNDES pedia por confirmação do processo de terceirização no Ceará, para liberar sua parte no compromisso de financiamento, mas o executivo local não assinava a escolha da comissão para tratar do assunto. É importante destacar que a Gurgel anteriormente já havia recebido financiamentos do BNDES, tendo liquidado totalmente suas obrigações, recebendo inclusive felicitações da presidência do banco por sua performance e pela pontualidade nos pagamentos.
Sem a confirmação do apoio logístico e financeiro da parte dos dois governos estaduais, o BNDES também não pode adiantar a sua parte. Isso praticamente destruiu a única fábrica realmente brasileira de automóveis, que então se encontrava muito próximo de realizar seu sonho e o de muitos e muitos brasileiros: colocar no mercado um veículo realmente popular, sem igual no mercado, dotado de tecnologia moderna e a preços competitivos. Com o cronograma da fábrica atrasado e em crescentes dificuldades, a Gurgel pediu concordata preventiva em julho de 1993.
A grave situação financeira não desanimou João Gurgel que em novembro do mesmo ano encaminhou ao presidente Itamar Franco o Projeto Delta, relatando suas garantias, suas pretensões e necessidades de aporte de capital para assegurar a continuidade do mesmo. O interesse de Itamar levou a uma nota técnica emitida pela Secretaria de Política Industrial do Ministério da Indústria do Comércio e do Turismo (MICT). Não obstante essa recomendação técnica oficial, que sugeria "a concessão de financiamento de US$ 20 milhões à Gurgel, dividido entre todas as agências de fomento federais e estaduais, através de seu enquadramento conforme regras usuais, num prazo não superior a um mês", nada aconteceu até fevereiro de 1994, quando o MICT informou que "o grupo de trabalho concluiu que o Governo Federal não deve aportar recursos à empresa, quer sob a forma de empréstimo, quer sob a forma de participação societária".
O quadro financeiro da empresa foi se agravando de maneira insustentável, gerando vazamento de notícias especulativas e criando sérios obstáculos nas tratativas que a empresa mantinha com seus credores. Além disso, os funcionários que haviam aceitado receber os salários atrasados de forma parcelada, entraram com ações trabalhistas, acabando por criar um cenário que levou a fábrica a pedir a sua autofalência em 1º de março de 1994.
Coincidentemente, pouco depois da falência, João Gurgel passou a apresentar os sintomas de Alzheimer, doença degenerativa incurável e terminal, cujo sintoma mais comum é a perda de memória, mas com o agravar da doença o paciente tende a desligar-se da realidade e a perder as suas funções motoras. João Gurgel faleceu aos 82 anos devido à complicações da doença.
Sem dúvida o grande engenheiro João Gurgel deixou seu legado na indústria nacional. Foi um homem à frente do seu tempo, corajoso e patriota que infelizmente não conseguiu suportar sozinho a concorrência das grandes multinacionais.
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