Autodeterminação, autogoverno, necessidade de consulta aos ‘povos’ para instalação de unidades militares (ou mesmo para a realização de exercícios/atividades militares) e para a exploração recursos do solo e do subsolo, bem como o direito que os indígenas teriam de ter sua própria nacionalidade (e não se trata da brasileira, no caso Brasil) são apenas alguns dos itens constantes da Declaração que suscitam as suspeitas de que possam, na prática, virem a se transformar em nações independentes.
Porém, ninguém fala da Convenção no 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais da qual o Brasil já é signatário. Adotada em Genebra, em 27 de junho de 1989, foi aprovada pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo no 143, de 20 de junho de 2002, e retificada pelo governo brasileiro, junto ao Diretor Executivo da OIT em 25 de julho de 2002. Tendo entrado em vigor internacional, em 5 de setembro de 1991, e, no Brasil, em 25 de julho de 2003, a Convenção “será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém”, de acordo com DECRETO Nº 5.051, DE 19 DE ABRIL DE 2004. assinado pelo presidente Lula e pelo ministro Celso Amorim.
Nessa Convenção já estavam delineados – só que com menos especificidades e com denominações menos explícitas, digamos assim – tudo isso que tanto se teme a respeito do que traz a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas. E o que é pior: já passou pelo Congresso, já assinamos e ratificamos. Na Convenção 169 da OIT, por exemplo, passa toda a questão da negociação com os ‘povos’ sobre a exploração de recursos minerais e naturais (para a construção de hidrelétricas, por exemplo). Os mesmos princípios adotados em relação aos índios também devem ser observados no tratamento com outras ‘minorias’, como os quilombolas, no caso do Brasil. Ela estabelece ainda, em seu artigo 32, que “Os governos deverão adotar medidas apropriadas, inclusive mediante acordos internacionais, para facilitar os contatos e a cooperação entre povos indígenas e tribais através das fronteiras, inclusive as atividades nas áreas econômica, social, cultural, espiritual e do meio ambiente”.
Na prática, já estamos compromissados com causas e princípios supranacionais, para nortear a maneira como índios, brancos e negros se relacionarão entre si, aqui dentro do Brasil, e cada um, respectivamente, com a terra. Estamos comprometidos com a ‘desmiscigenação’ de nosso povo – uma de nossas mais marcantes características, inclusive responsável pela tão bem sucedida expansão e manutenção da integridade territorial e social de um país de dimensões continentais como o Brasil.
É o tal negócio: a inveja e a ambição têm movido muito mais a humanidade do que algo como amor ou respeito, por exemplo. Entendam como quiserem esse meu rápido ‘devaneio’ – uma dica: não estou falando dos Estados Unidos, não.
Voltando.
Ficamos mais envolvidos nesse comprometimento com a ‘internacionalidade’ depois que as mesas da Câmara dos Deputados e do Senado promulgaram a Emenda Constitucional Nº 45 - DE 8 DE DEZEMBRO DE 2004, que reformulava uma série de artigos da Constituição e que estabeleceu, entre outras coisas, no seu Artigo 5º:
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão.
Estavam nas Mesas, os senadores José Sarney, Paulo Paim, Eduardo Siqueira Campos, Romeu Tuma, Alberto Silva, Heráclito Fortes e Sérgio Zambiasi; e os deputados federais Inocêncio de Oliveira, Luiz Piauhylino, Geddel Vieira Lima, Severino Cavalcanti, Nilton Capixaba, Ciro Nogueira e João Paulo Cunha.
Estes e outros cidadãos de tão ‘primorosa’ estirpe é que têm guiado nossos destinos, como brasileiros e como indivíduos, ao longo dos últimos 23 anos – impunemente.
Tão convencidos de que sua política indigenista internacional prosseguirá vitoriosa na conquista de seus objetivos, organizações nacionais e internacionais seguem cumprindo suas agendas. Já estão lá frente, discutindo como deverão ser os acordos que ‘povos’ indígenas deverão firmar com seus vizinhos, e ex-países, sobre as concessões de direitos para exploração de riquezas minerais e naturais em suas terras.
Nesse mês de agosto, por exemplo, o Instituto Sócio Ambiental (uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – Oscip - que ‘defende’ bens e direitos sociais, coletivos e relativos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, aos direitos dos povos, etc.), está lançando uma publicação especial sobre “o direito de consulta livre, prévia e informada dos povos indígenas e tribais”, previsto na Convenção 169 da OIT, e realizado em parceria com a Fundação Rainforest da Noruega, que apóia a idéia de trabalhar na implementação desse direito no Brasil.
Ou seja, enquanto estamos preocupados com a manutenção de cidades, de fazendas, de unidades militares e de população não índia na região da Raposa da Serra do Sol, e com a questão das demarcações de outras reservas imensas em Mato Grosso do Sul (que são mais agressivamentedesapropriadoras do que a de Roraima), as entidades nacionais e internacionais – completamente seguras de que as desapropriações se concretizarão, por bem ou por mal – já estão, lá na frente, discutindo como vão lucrar com as terras ‘reservadas’. Criaram situações surrealistas, que criaram empregos surrealistas, que criaram mentalidades deformadas, incapazes de identificar a lógica surrealista pela qual se guiam.
O que eu estou querendo neste breve artigo é chamar a atenção das pessoas sobre discussões inúteis a respeito de ‘legalidades’ e de ‘constitucionalidades’, na medida em que ‘tudo o que já se tem assinado e escrito pode ser usado contra o Estado e/ou contra o povo brasileiro’, dependendo de interpretações ‘judiciais’ que poderão sempre estar convenientes a quem se esteja servido. Tudo, depois de 1988, tornou-se relativo. Até a verdade, agora, é relativa. O principal de toda essa crise que vivemos, não só aqui no Brasil, mas no mundo todo, ninguém tem a coragem de desnudar – com raríssimas exceções de pessoas que não temem a pecha de louco e de outros adjetivos não menos ‘descredenciadores’.
E aí, vem-me outro devaneio. É o tal negócio: o golpe mais perfeito do diabo foi convencer a humanidade de que ele não existe. Quem é que vai se preocupar com o que não existe?
A Agência Reuters de notícias divulgou, em 29/08/08, que Tarso Genro, o ministro da justiça do PT, em rápidas declarações sobre o julgamento do STF sobre a Raposa da Serra do Sol, “se mostrou convencido de que a demarcação contínua será mantida pelo STF”, e completou “quem ouve o ministro falar acha que a vitória já foi garantida”. Tarso disse mais, com ares de satisfação: “Não adianta estourar pontes, fazer ações violentas contra o estado e fazer mobilizações que levem à violência. Não é uma vitória de índio contra branco ou de índio contra arrozeiro".
O ministro, como em raríssimas ocasiões, tem razão. Não se trata de uma vitória de índio contra branco ou de índio contra arrozeiro. Não mesmo. Trata-se de uma vitória do comunismo internacionalista defendido e idolatrado por gente como Tarso sobre todos os brasileiros – excluindo a corja que está no poder e os que a ela tentam se juntar por medo de sucumbir à triste realidade que se instala no país (podem esperar: sucumbirão ainda mais terrivelmente...).
O voto do relator do processo, o ministro Ayres Brito, foi brilhante, como disseram alguns de seus colegas à imprensa. Brilhantemente cínico e hipócrita, isso sim. Como é que um homem com aquela envergadura cultural toda deixaria de saber que na área de savana onde se encontram os vilarejos e fazendas de Roraima jamais habitou tribo indígena nenhuma? Há fotos, inclusive publicadas por este site, que mostram isso perfeitamente. São fotos tiradas por um geólogo que esteve pesquisando a região no início dos anos 70. Há, também, um programa de TV sobre a região feito por Amaral Neto – O Repórter, em 1973. Nele, Amaral Neto mostra as fazendas da região e as cidades, falando do crescimento daquela área. Os índios de aldeia e de tanga? O repórter os encontrou em regiões de mata mais fechada, bem distantes das áreas onde estavam as fazendas. Todos os outros índios estavam perfeitamente integrados à vida nas fazendas, em suas pequenas propriedades e nas cidades.
Como é que um homem tão ‘erudito’, como ele mesmo gosta de qualificar seus colegas de toga, não saberia que os laudos apresentados, para embasar a homologação da reserva em terras contínuas, são forjados contra centenas de evidências que os desmascarariam? Como é que um homem que ocupa a mais alta corte de justiça brasileira – juntando a ele, aqui, o procurador geral da república, Fernando Souza – pode dizer, com toda a calma do mundo, que quem continuou naquela região, depois de 1996, ocupou as terras praticando ‘esbulho’ – que é se apossar de algo que tem dono, de má fé? Meu Deus?! Desde os anos 60/70 essa gente já estava naquelas terras! E mais: acusá-los de estar provocando danos ambientais e culturais aos silvícolas, POR OCUPAREM CERCA DE 1% DA IMENSIDÃO DE TERRAS QUE, AGORA, QUEREM ENTREGAR AOS ÍNDIOS – MUITOS DELES PARA LÁ TRAZIDOS, SEM JAMAIS TEREM SIDO CRIA DAQUELAS TERRAS?
E o parecer do relator sobre os municípios legalmente constituídos e que estão, agora, com a homologação em terras contínuas, dentro da reserva Raposa da Serra do Sol? Os registros de nascimento, de propriedade, de casamento, de identidade, de título de eleitor – tudo isso vai virar poeira? E as fazendas, casas de comércio, casas particulares – devem ser destruídas antes que se volvam aos índios do CIR? Tomara mesmo que não ficasse pedra sobre pedra no que os ‘brancos’ tivessem que deixar pra trás, caso se concretizassem as previsões de Tarso Genro.
Entendam, Roraima está muito longe de onde estou e eu não conheço ninguém por lá. Se o caso se desse no Espírito Santo, por exemplo – e como está efetivamente acontecendo em Mato Grosso do Sul -, eu estaria falando exatamente as mesmas coisas. Eu não estou nem ao menos fazendo alarde em relação à exposição ao perigo de nossas fronteiras. O fato é que há uma injustiça sendo cometida pelas mãos de um governo – que tomou o Estado – contra brasileiros. Hoje são eles, amanhã pode ser qualquer um de nós.
Um governo não pode ter o poder de dar canetas e sair submetendo uma nação inteira aos seus desejos. Foi uma canetada que nos impôs a Lei Seca: não foi voto popular, não foi voto de Congresso eleito. Agora, como se não bastasse os absurdos constantes do Estatuto do Desarmamento, vão passar por cima do desejo dos brasileiros de que não sejam legalmente desarmados (porque, na prática, é isso o que o Estatuto praticamente já nos impõe) e começam nova campanha para desarmar o povo. O governo pretende fazer novo referendo sobre o tema. Porém, dessa vez, não haverá mais a preocupação de que as urnas revelem a verdade, porque o senhor Luiz Inácio já está eleito, depois de ter enfrentado ‘duro’ e ‘democrático’ segundo turno. Não precisa mais demonstrar que a ‘democracia do voto eletrônico’ funcione perfeita e seguramente por aqui.
Podem apostar: se nada de extraordinário acontecer, se nenhuma reação popular imprevisível sobrevier, as coisas vão se encaminhar no sentido de que tenhamos centenas de nações indígenas, completamente independentes do Brasil, aqui dentro do país. Teremos também centenas de reservas ambientais, centenas de áreas reservadas para reforma agrária do MST e para quilombolas. Teremos ainda concentração dos meios de produção nas mãos de poucos amigos da nomenklatura petista, bem como nas mãos dos membros desta própria e também do Estado. Nossa classe média se nivelará por baixo, formando uma nação de ignorantes, técnicos, de apertadores de parafusos, de profissionais incompetentes de nível superior (que de superior não terão nada) e de funcionários públicos militantes partidários dependentes do Estado. A população será desarmada e ficará completamente à mercê do terrorismo de estado, bem com da militância do crime organizado – que o estado finge combater.
Os militares que atuaram no regime militar – e que são acusados (com palavras e não com provas) de tortura – serão julgados e condenados. Não dá para confiar em leis e em tribunais superiores por aqui. Seremos, também, e, finalmente, parte de um bloco neo-comunista latino-americano, no qual nossas fronteiras serão apenas desenhos em mapas e do qual (prestem atenção nisso) não poderemos sair, senão por falta de condições financeiras, por causa de outras imposições – sejam elas internas ou praticadas no exterior.
Seremos governados por um bando de corruptos esquerdopatas de cujas garras não poderemos escapar. É esse o futuro que nos espera – o futuro no qual viverão nossos filhos, se sobreviverem, e nossos netos, portanto. Passaremos para a História como a geração mais covarde que já habitou essas terras. Esse carimbo eu não vou ter nas minhas costas. Terei outros: louca, rebelde, inconformada, neurótica e mais sei lá quantos puderem inventar. Mas, omissa e covarde – isso eu não fui.
Créditos para: Rebecca Santoro jornalista, ativista, cidadã brasileira, que lutou e luta pela Amazônia e por um Brasil melhor.
Créditos para: Rebecca Santoro jornalista, ativista, cidadã brasileira, que lutou e luta pela Amazônia e por um Brasil melhor.
30 de agosto de 2008
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