segunda-feira, 4 de março de 2013

Estado e desenvolvimento


Adriano Benayon * - 25.02.2013

01. O Estado costuma ser regido pela classe dominante.   Nos  países ditos desenvolvidos, a grande burguesia ganhou essa condição, graças a políticas de Estado voltadas para o engrandecimento do poder nacional.

02. O  poder do  Estado foi usado  para fortalecer empresas estatais e privadas de capital nacional, desenvolvendo tecnologias próprias. Os capitalistas já tinham no Estado um instrumento para erguer seu próprio poder, embora ainda não tivessem completa ascendência sobre aquele, nem sobre seus quadros civis e militares.

03. Os grandes bancos e empresas industriais foram formando um sistema de poder controlado por poucos potentados, todos com “investimentos” em todas essas áreas, além  de estreitos vínculos interempresariais.

04. Concentrado assim, o capital “privado” passou a predominar inquestionavelmente sobre as autoridades do Estado, bem como sobre os tecnocratas e as forças armadas.

05.  Esse processo foi acompanhado pela propagação da ideologia liberal e por instituições de aparência democrática, tais como eleições periódicas, suposta divisão dos poderes do Estado.

06. Tais formas  perderam todo conteúdo democrático que pudessem ter tido, através do controle das eleições por meio das campanhas alimentadas por quantias somente accessíveis aos concentradores de capital, também comandantes diretos ou indiretos dos meios de comunicação.

07. Essa é realidade política e econômica dos países centrais,  a qual levou aos absurdos da financeirização, culminando com o Estado a passar aos banqueiros dezenas de trilhões de dólares das  receitas tributárias e da emissão de  moeda e de títulos, além de suscitar a emissão também pelos  bancos centrais e pelos próprios bancos privados.

08. Assim, o Estado endividou-se para favorecer  grandes bancos, cujos controladores e executivos já se haviam locupletado enormemente durante os anos da proliferação dos ativos financeiros que criaram e que se revelaram, mais tarde, títulos podres.

09.  Notavelmente, exigem sacrifícios de trabalhadores, aposentados e da grande massa dos produtores e consumidores.

Brasil

10. Os concentradores mundiais,  há séculos, projetam seu poder  em numerosos países de todos os continentes, dominando-os diretamente ou através de grupos locais. No Brasil, desde há séculos, aliaram-se a proprietários de terra e/ou  mineradores,  servindo-se deles para penetrar na sociedade local e obter elevados ganhos comerciais e como banqueiros credores e concessionários de  serviços públicos. 

11. Isso se deu, primeiro, através do comércio, tornando  a burguesia local dependente da exportação para ter acesso ao padrão de vida dos ricos das economias centrais.  

12.  No  Brasil, segmentos locais - burguesia industrial, estamentos militar e burocrático,  trabalhadores -  aspiraram, na primeira metade do Século XX, a tornar o  Estado instrumento da autonomia nacional, livrando o País da condição de zona de exploração, administrada em função dos interesses de empresas estrangeiras.

13. Até 1930, o Estado foi, em geral, governado por representantes da  burguesia “compradora”: grandes fazendeiros de café, produto cujas  receitas de exportação eram, em grande parte, absorvidas pelo serviço da dívida externa e cuja comercialização era controlada por casas comerciais estrangeiras.

14. Ainda assim, formou-se apreciável industrialização, graças à  falta de divisas para importar e à proteção involuntária, através da taxa de câmbio desvalorizada. 

15. Apesar de ter introduzido mudanças estruturais importantes, a Revolução de outubro de 1930 contemplou os interesses dos cafeicultores, determinando  a queima de  estoques de café e emitiu moeda para pagar os produtores, com o que atenuou os efeitos internos da brutal queda do preço e da quantidade exportada, desde o eclodir da depressão nos EUA.

16. Isso, junto com a falta de divisas para importar, fortaleceu a industrialização. Além disso, foram aprovadas leis para colocar o subsolo sob a autoridade da União e aparelhar o Estado, organizando carreiras no serviço público civil, através de  concursos e da formação de quadros e técnicos.

17. Ao mesmo tempo, foram criadas instituições de pesquisa tecnológica, inclusive nas Forças Armadas. Ademais, foi instituída a  legislação trabalhista, e criados os Institutos de Previdência,  autarquias e estatais para fomentar produções essenciais e estratégicas. Foi fundada a primeira siderúrgica integrada e a Fábrica Nacional de Motores.

18. Não admira que, terminada a Segunda Guerra Mundial, Getúlio Vargas, tenha sido, em 1945, defenestrado pelos interesses imperiais.  Seguiu-se o interregno entreguista do Marechal Dutra (1946-1950). Vargas, eleito em 1950, foi nova e definitivamente derrubado por conspiração dirigida por serviços secretos estrangeiros, em agosto de 1954, após difíceis avanços em seu projeto de construção nacional.

19. Apesar de estes terem ocorrido desde o início do Século XX, e se intensificado na Era Vargas,  não foram suficientes para tornar o País capaz de resistir à pressão imperial. Daí em diante, o País voltou a sofrer o aumento das dependências cultural, financeira e tecnológica.
20. Isso aconteceu desde o governo militar-udenista (1954-1955) e prosseguiu com JK, que abraçou a dependência tecnológica como política de governo, ampliando  os subsídios instituídos desde 1954 em favor das empresas transnacionais. 

21. Seguiu-se a instabilidade, agravada pela ação das agências dos governos imperiais no quadro da Guerra Fria, os quais investiram no anticomunismo para alinhar, ainda mais que antes, as elites locais às potências anglo-americanas. O primeiro dos governos militares, em 1964,  entregou a economia a Roberto Campos, e este instituiu políticas que destruíram  grande parte das empresas de capital nacional.

22. Os governos militares seguintes, tal como JK, tentaram promover o desenvolvimento, sem entender que este é incompatível com as dependências financeira e tecnológica.

23. Assim, os saldos negativos nas transações correntes ganharam vulto maior, devido às transferências das multinacionais ao exterior e ao endividamento do Estado, empenhado em investir na infra-estrutura e indústrias básicas, em apoio às multinacionais, com projetos regidos pelo Banco Mundial e financiados por bancos estrangeiros.

24. Daí a explosão da dívida externa (segunda metade  dos anos 70), a qual se tornou poderoso instrumento adicional da subordinação do País.

25. Esgotaram-se os recursos para a infra-estrutura, ficando tudo subordinado ao serviço da dívida. Além disso, a entrada de investimentos diretos estrangeiros  para “equilibrar” o balanço de pagamentos redundou na desnacionalização quase completa da economia, realimentando  os déficits externos e o crescimento das dívidas externa e interna.

26.  A desnacionalização nesse grau implica regressão em relação à República Velha (1889-1930), quando os interesses estrangeiros ainda precisavam da intermediação das elites locais.

27. A partir de FHC, as empresas transnacionais determinam diretamente as políticas públicas e constituem a classe dominante, inclusive por controlarem diretamente quase toda a estrutura produtiva e financeira.

28. O investimento direto estrangeiro é o veículo da periferização por dentro, muito mais profunda que a antiga, através só do comércio exterior.

* - Adriano Benayon é doutor em economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.

3 comentários:

Anônimo disse...

Presados,
Como deu para entender, estamos enforcados com a divida e continuamos com a infraestrutura obsoleta e sucateada e, com uma base de formação profissional e educativa num nível lamentável. Vamos ter de continuar investindo, como? Se nossa Politica externa é focada no terceiro mundismo e a politica industrial totalmente falha tendendo ao sucateamento.

Não temos assistência medica digna de uns Pais em desenvolvimento, nem Segurança Publica nem legislação adequada para enfrentar o crime e essa bandalheira toda.

Assim vamos “avançando” com um governo incompetente, sem rumo, corrupto ao extremo e que não vai largar fácil o poder.....

Se a divida é a vilã lembro só que explodiu no período Lula/ Dilma – ver anexo, se é verdadeiro não sei – que mais que ninguém investiram com o BNDS em Cuba, Venezuela, Angola, Gabão etc etc etc e nos deixaram na mão. Não tendo outra saída estão começando a privatizar também, que tanto criticaram.

Agora a pergunta: Que perspectiva podemos ter ?? Tirar dinheiro de onde?

Prá mim tudo isso é proposital. Até com eles no governo, QUANTO PIOR MELHOR.

Miguel Pellicciari

Anônimo disse...

Caro mestre Adriano Benayon,

Seus didáticos textos ilustram os brutais equívocos das políticas interna e externa de nosso anacrônico país que insiste em patinar num terceiro-mundismo que nos irrita, a cada desculpa do governo, pelos seus constantes fracassos econômicos.

Assistimos a uma reprimarização de nossa economia com o elevado porcentual, em nossa pauta de exportações, de produtos primários ou com baixo valor agregado. Como vem acontecendo há séculos.

Transnacionais adquirem, num processo crescente, ativos no Brasil e se estabelecem aqui sem nos permitir a absorção de tecnologia e do know-how (vitais para o desenvolvimento de qualquer país) e ainda contam com financiamentos do BNDES, a juros baixos, ou negativos, e isenção de impostos por vários anos.

O governo mostra não ter estratégias de longo prazo e não investe, como deveria, em projetos de infraestrutura e em educação. No setor de transportes não temos a priorização de hidrovias e ferrovias que representam os custos mais baixos nos deslocamentos de produtos e pessoas. Os apagões continuam. Temos o mais caro e pior serviço de telecomunicações do mundo. O mass transit no Brasil é ineficiente e caminha para um processo congestivo dentro em breve. Não temos portos adequados e com tecnologia para a crescente demanda de carga e descarga, o que os torna os mais lentos e, portanto, os mais caros do mundo. Nossos aeroportos se encontram próximos ao ponto de estrangulamento. E cresce, de forma alarmante, a impunidade que é o principal vetor da violência. E essa violência já se encontra num patamar insuportavelmente elevado e extremamente preocupante.

Enfim, os fatos, inquestionáveis, mostram que temos uma diplomacia externa que titubeia e se perde em reuniões e discursos inócuos e fantasiosos enquanto outros países agem de forma consistente, com determinação, eficácia e eficiência. Assim, continuamos nossa sina de perdedores. Parece que os nossos gestores se acomodaram com a nossa situação de país sempre emergente.

Conclusão: ou aprendemos com o pragmatismo chinês ou continuaremos a ver aquele país crescer vertiginosamente enquanto, mambembes, engatinhamos.

Cordial abraço,

Norton Seng

Anônimo disse...

Caro Norton Seng,

A percuciência do amigo faz com que eu preze de modo especial as considerações generosas que faz sobre meus textos.

Nesta mensagem você faz uma excelente síntese deste fato que não deveriam desconhecer (pelo menos, os brasileiros que buscam inteirar-se da realidade do País):

em todos seus aspectos, as infra-estruturas econômica e social do Brasil não apenas apresentam falhas, mas – muito mais grave – foram, cada vez mais, desenhadas para inviabilizar o desenvolvimento nacional.

Em resumo, as escolhas vêm sendo intencionalmente erradas, as obras mal realizadas, e o que tinha sido construído razoavelmente, há mais de três decênios, foi entregue a concentradores estrangeiros e locais, para cevarem-se de absurdos ganhos financeiros, na qualidade de gigolôs do que fora edificado com recursos públicos (vide por exemplo o absurdo sistema de “mercado” do setor elétrico, e os das demais concessões de serviços públicos.

Ou seja:a infra-estrutura teria de ser construída quase que a partir do zero: quase tudo teria de ser novo e sob concepção muito diferente do que está aí. Das atuais infra-estruturas só um pouco pode ser recuperado, melhorado e consertado. Sobre tudo, o seu modo de operação e de exploração. Mas o essencial tem de ser novo e diferente.

Ou seja, pouco há a aproveitar das atuais infra-estrutura econômica e social, e da estrutura econômica praticamente destituída de modo total, de autonomia tecnológica. Sem o fortalecimento de empresa nacionais (estatais e privadas) nenhum país foi para a frente, ou irá no futuro.

Ora, se há pouco a aproveitar no campo econômico e no da educação e da saúde, absolutamente nada há a aproveitar das atuais instituições políticas.

Em conclusão, os brasileiros têm de se unir para novo ordenamento social, constitucional, caso desejam ser respeitados como nacionais de um País que não seja uma piada nem mera zona de exploração de recursos naturais e humanos a serviço das oligarquias de potências mundiais e associadas.

Fico impressionado vendo a perda de tempo de gente instruída a gastar horas e horas em mensagens com conjecturas referentes a eleições presidenciais e outras, no presente quadro de deterioração, em que a incompetência e a corrupção continuam grassando crescentemente como fogo em pasto seco.

Por favor, apelo aos compatriotas que concentrem sua energia e criatividade em organizar movimentos que, um dia, levem a organizar a atualmente desintegrada sociedade brasileira.

E que deixem de gastar energia e de nos cansar com estórias de PT. PSDB, PMDB e quejandos, e de seus abomináveis ícones, cada um querendo mostrar as corrupções dos outros.

Os partidos que estão aí e as instituições políticas, cada vez mais imprestáveis e prejudiciais para o País, não merecem outro destino senão a lata do lixo, simplesmente. Nem sequer a lata de lixo da História, que lhes daria status mais alto que o devido.

Afetuoso abraço,

Adriano Benayon