Durante quatro anos, o empresário Alberto Guth, que administrou recursos dos fundos de pensão, anotou os detalhes da maior guerra empresarial brasileira. E o conteúdo, que cita até o presidente Lula, pode ser explosivo.
Mário Simas Filho e Leonardo Attuch
O homem que anotava. Assim poderia ser chamado o empresário carioca Alberto Guth. Sua agenda é uma peça explosiva da Operação Satiagraha, a mais polêmica investigação já conduzida pela Polícia Federal. Apreendida pela própria PF, ela contém todas as anotações que Guth fez entre 2004 e 2008. Nesses quatro anos, Guth foi sócio da consultoria Angra Partners e foi contratado pelos fundos de pensão nacionais, liderados pela Previ, do Banco do Brasil, para atuar na maior guerra empresarial já vista no País: a disputa pelo controle da operadora de telefonia Brasil Telecom. De um lado, estavam os fundos de pensão, ora associados à Telecom Italia e ora associados ao Citibank, e de outro o Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas. Minucioso, Guth anotou cada decisão tomada ao longo de quatro anos. E o que mais aparece nos seus diários são cifrões.
O homem que anotava. Assim poderia ser chamado o empresário carioca Alberto Guth. Sua agenda é uma peça explosiva da Operação Satiagraha, a mais polêmica investigação já conduzida pela Polícia Federal. Apreendida pela própria PF, ela contém todas as anotações que Guth fez entre 2004 e 2008. Nesses quatro anos, Guth foi sócio da consultoria Angra Partners e foi contratado pelos fundos de pensão nacionais, liderados pela Previ, do Banco do Brasil, para atuar na maior guerra empresarial já vista no País: a disputa pelo controle da operadora de telefonia Brasil Telecom. De um lado, estavam os fundos de pensão, ora associados à Telecom Italia e ora associados ao Citibank, e de outro o Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas. Minucioso, Guth anotou cada decisão tomada ao longo de quatro anos. E o que mais aparece nos seus diários são cifrões.
Se forem somadas todas as anotações financeiras feitas por ele nesse período em que representou os fundos de pensão, os valores chegam a R$ 50 milhões, que podem ter sido orçados ou efetivamente gastos ao longo da disputa. "Muitas dessas anotações viraram contratos e tudo pode ser comprovado por meio de notas fiscais", admitiu à ISTOÉ Wellington Silva, assessor de Guth. Este pediu para responder por escrito às questões apresentadas pela reportagem, mas até o fechamento desta edição não havia enviado as respostas. No fim do dia, divulgou apenas um comunicado, informando que não responderia aos questionamentos de ISTOÉ porque o conteúdo da agenda se encontra em segredo de Justiça. Guth informou ainda que pediu ao procuradorgeral da República, Roberto Gurgel, a abertura de inquérito para investigar o vazamento.
O que mais chama a atenção nos diários do sócio da Angra Partners, que foi obtido com exclusividade pela revista ISTOÉ (leia trechos à página seguinte), são os valores referentes a advogados. Muitas vezes são usados múltiplos de R$ 250 mil - R$ 500 mil, R$ 750 mil ou R$ 1 milhão - e a remuneração quase sempre aparece atrelada aos resultados. Ou seja: paga-se primeiro um sinal e o restante do dinheiro sairia apenas em caso de sucesso na obtenção de alguma decisão ou liminar. "Não é um procedimento muito comum", disse à ISTOÉ um ex-dirigente da OAB.
Nessa disputa empresarial, a decisão mais importante obtida pela Angra Partners e pelos fundos de pensão foi concedida pelo ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça Édson Vidigal e depois confirmada no Supremo Tribunal Federal, pela ministra Ellen Gracie. Graças à decisão, os fundos de pensão assumiram o controle da Brasil Telecom em 2005.
Em 30 de agosto do mesmo ano, o advogado Roberto Rosas, de uma das diversas bancas contratadas pela Angra Partners, enviou um e-mail direto a Guth, expondo os meandros da contratação - e também da forma de pagamento (leia trechos ao lado). "Solicito a compreensão para a cobrança da nova parcela de honorários, apenas com referência (a) decisão da ministra Ellen Gracie, (b) dos ministros Édson Vidigal e Sálvio de Figueiredo, (c) do juiz da 4a Vara Federal (...) no total de R$ 1.000.000,00".
Na correspondência, o advogado Roberto Rosas afirma que foi orientado pelo próprio ex-presidente do STJ Édson Vidigal sobre como deveria proceder. Ouvido por ISTOÉ, Rosas disse que sua atuação foi feita dentro das normas da advocacia. "Aquilo era uma guerra e foi o pior processo que peguei em 43 anos de profissão", afirmou Rosas. Ele diz que citou as decisões na cobrança de honorários apenas para receber o que lhe era devido pela Angra Partners. Rosas, no entanto, diz não recordar quanto ganhou ao longo dessa disputa empresarial. "Sou uma pessoa desprendida do dinheiro", declarou o advogado.
Em sua agenda, Guth também faz várias referências à advogada carioca Mônica Góes, que teria proximidade com o ministro Édson Vidigal. Numa das anotações, aparece a cifra de R$ 1,5 milhão que teria sido paga a ela. Uma parte por uma liminar e outra após a confirmação da decisão. Em relação às constantes cobranças de honorários feitas por Mônica, Guth utiliza a expressão "facada". Procurada por ISTOÉ, a advogada, que também teve seu nome citado na CPI do Mensalão, não retornou as ligações. O ex-presidente do STJ Édson Vidigal preferiu não comentar a agenda de Guth. Anos atrás, ele se disse perseguido por "ferir interesses poderosos". Há também um e-mail em que outro importante advogado de Brasília, Eduardo Ferrão, apresenta uma cobrança de R$ 2 milhões, em função do sucesso obtido junto aos tribunais.
Em suas anotações, Guth chega até a mencionar o nome do presidente da República, citando uma viagem feita por Luiz Inácio Lula da Silva em 2005 à Itália. O sócio da Angra Partners afirma que Lula teria um encontro secreto com o primeiro-ministro Silvio Berlusconi e com o presidente da Telecom Italia, Provera, para discutir o tema Brasil Telecom e a possível venda da empresa à operadora italiana de telefonia. Abaixo, ele anota a expressão delta, seguida de "10%". De fato, o presidente Lula esteve na Itália entre os dias 15 e 17 de outubro de 2005, embora da agenda oficial não constem encontros com Berlusconi ou com Marco Tronchetti Provera, mas apenas com lideranças da sociedade civil italiana. Guth também menciona o nome do investidor Naji Nahas, que defendia os interesses da Telecom Italia no Brasil. Ele afirma que Nahas teria tido encontros com o ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci para discutir a questão, e que este teria recomendado que tratasse do assunto com Sérgio Rosa, presidente da Previ.
Do diário da Angra Partners, também constam detalhes da estratégia dos fundos de pensão para assumir o comando da Brasil Telecom, incluindo gestões junto a vários órgãos de Estado, como a Agência Nacional de Telecomunicações (insinuando inclusive a substituição do seu presidente), o BNDES, o Tribunal de Contas da União e vários ministérios. Registra ainda necessidade de apoio de políticos como José Dirceu, José Sarney e Roberto Requião. Cita-se ainda o nome da senadora Ideli Salvatti (PT/SC), como a pessoa encarregada de apertar o cerco contra Daniel Dantas na CPI dos Correios, que investigou o Mensalão.
Responsável pela administração dos recursos da Previ e de fundos de pensão, Guth também anotou outros pagamentos. Entre eles os que teriam sido feitos ao empresário Luís Roberto Demarco, ex-funcionário do Opportunity e inimigo declarado de Dantas. Tais pagamentos somariam, segundo a agenda, US$ 3 milhões. Recentemente, documentos de uma investigação na Itália revelaram que Demarco teria tentado influenciar a primeira ação policial feita contra o Opportunity, a Operação Chacal, enviando e-mails diretamente ao delegado Élzio Vicente da Silva, sugerindo os crimes pelos quais o dono do Opportunity deveria ser indiciado, como formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Hoje, o juiz Ali Mazloum, da 7a Vara Criminal de São Paulo, também investiga a atuação de Demarco na Satiagraha e sua relação com o delegado Protógenes Queiroz.
O mais curioso é que a agenda de Guth acabou sendo apreendida na Operação Satiagraha por um erro de Protógenes. Isso porque a Angra Partners, que sucedeu o Opportunity na gestão da Brasil Telecom, passou a ocupar um endereço comercial que havia sido de Dantas. A empresa, comandada por Guth e por Ricardo Knoepfelmacher, ex-presidente da Brasil Telecom durante a gestão dos fundos de pensão, não era oficialmente investigada, mas acabou caindo por engano na teia do delegado Protógenes. E hoje, essa agenda minuciosa, com anotações de pagamentos ou orçamentos de despesa que somam cerca de R$ 50 milhões, pode ajudar a esclarecer um capítulo ainda nebuloso da história recente do País.
Colaborou Alan Rodrigues
http://www.istoe.com.br/reportagens/15432_O+DIARIO+SECRETO+DA+ANGRA+PARTNERS
Nenhum comentário:
Postar um comentário