terça-feira, 15 de junho de 2010

Revolução contra construção das Ferrovias em Contestado

Foi grande perda para o Brasil, e para o povo do Brasil, a interrupção do traçado da estrada de ferro com 1.403 km de extensão, entre Itararé (SP) e Santa Maria (RS), para ligar as províncias de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul pelo interior, possibilitando a ligação da então capital Federal (Rio de Janeiro) às regiões fronteiriças do Brasil com a Argentina e o Uruguai, devido a revolução em Contestado.

Contestando às concessões de terras  doadas para construção das rodovias pelo Governo Brasileiro a Percival Faguhar. O interesse de Farquhar pelo Brasil começou em 1904, participando da organização de empresas, com a emissão de títulos para obtenção de recursos nos mercados financeiros europeu e norte-americano, que posteriormente se tornariam famosas, como por exemplo, a Rio de Janeiro Tramway, Light & Power Company.
Em 1904 foi inaugurada a Companhia Estrada de Ferro Vitória-Minas (CEFVM) ligando Cariacica, ES, a Alfredo Maia, MG. Investiu pesado na construção de diversas linhas de conexão, tornando a ligação ferroviária entre São Paulo e o Rio Grande do Sul uma realidade. O “Sindicato Farquhar” reunia no Brasil, 38 empresas e parecia grande demais aos olhos do Governo, da opinião pública, da concorrência e principalmente, dos políticos. Por volta de 1912, eclodiu um surto nacionalista alimentado por grupos nacionais e estrangeiros, interessados em desmembrar e tomar posse dos empreendimentos em atividade. Farquhar sofre seu grande revés quando Arthur Bernardes foi eleito Presidente da República em 1922 e suas empresas sofreram uma intensa campanha de difamação sem tréguas pela imprensa, que perdura até os dias de hoje, onde ele é invariavelmente retratado como o representante dos “tentáculos do imperialismo ianque sobre o Brasil".  Em 1930, o gaúcho Getúlio Dornelles Vargas, de forte discurso nacionalista e contando com o apoio dos tenentes, assume o poder no Brasil à frente do Golpe de Estado de 1930. Em 1941, Farquhar vendo sua margem de manobra cada vez mais tolhida por Getúlio Vargas que assinou os  Acordos de Washington. Com sua nítida postura nacionalista, o governo Vargas encerrou definitivamente as atividades que Percival Farquhar e a Itabira Iron Ore Company mantinham no Brasil.
Desta forma, acabou um sonho de Percival Farquhar nos investimentos de infra-estrutura brasileira com capitais internacionais.

Em 1887, o engenheiro João Teixeira Soares projetou o traçado da estrada de ferro com 1.403 km de extensão, entre Itararé (SP) e Santa Maria (RS), para ligar as províncias de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul pelo interior, possibilitando a ligação da então capital Federal (Rio de Janeiro) às regiões fronteiriças do Brasil com a Argentina e o Uruguai.

A construção da ferrovia  São Paulo Santa Catarina, poderia ter uma história como outra qualquer, não fosse o fato de haver sido idealizada por dois irmãos engenheiros nascidos na Bahia e por serem negros em pleno século XIX quando ainda se vivia o regime escravagista no Brasil Imperial. Antonio Pereira Rebouças Filho nasceu na Cidade do Salvador aos 13 de junho de 1839, enquanto André Pinto Rebouças nascera em 13 de janeiro de 1838. Ambos e mais seis irmãos eram “filhos legítimos” do deputado negro e autodidata Antonio Pereira Rebouças filho de uma escrava alforriada e de um alfaiate português, que obtivera o direito de advogar em todo o País, representante da Bahia na Câmara dos Deputados em diversas legislaturas e ainda Conselheiro do Império. Era casado com dona Carolina Pinto Rebouças e tiveram outros seis filhos. Monarquista, diante das atribuições políticas da época, o chefe da família se vê obrigado a mudar-se com mulher e filhos para o Rio de janeiro no ano de 1846. 



Painel no interior do Museu no qual a figura central chama logo a atenção.
Vemos o eng. Antônio Rebouças ladeado por D. Pedro II e pelo eng. Teixeira Soares

A 9 de novembro de 1889, seis dias antes da Proclamação da República, o Imperador D. Pedro II fez a concessão da estrada-de-ferro  São Paulo Rio G. do Sul a Teixeira Soares. Para levantar o capital necessário à construção, junto a investidores europeus, em 1890 Teixeira Soares criou a Compagnie Chemins de Fer Sud OuestBrésiliens.  Em 7 de abril de 1890   Marechal Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisório da República  retifica o ato concedido por D.Pedro II.
A concessão do trecho Itararé-Rio Uruguai foi transferida para a Companhia União Industrial dos Estados do Brazil. A seguir, em 1894, esta concessão passou outra empresa, a Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande. O trecho do Rio Uruguai a Santa Maria permaneceu com a Compagnie Chemins de Fer, o qual em 1896 foi privatizado pelo Estado do Rio Grande do Sul. 
Pelo tratado de Petrópolis assinado em 1903, o governo brasileiro assumiu com o banqueiro Percival Faguhar  as terras, para a construção das rodovias. 
A “Região do Contestado”, localizada no Centro-Oeste de Santa Catarina conhecida por sediar a “Guerra do Contestado” (1913-1916), tem suas raízes históricas fincadas no Século XVIII, quando pertencia à Província de São Paulo. Até a antiga Comarca de Curitiba ser desmembrada de São Paulo, originando a Província do Paraná em 1853, reconhece-se que seus desbravadores foram os paulistas, povo que iniciou a ocupação do interior sulino do Brasil, após a abertura da “Estrada das Tropas”, ligando os campos produtores de gado do Sul ao centro comercial de Sorocaba e, em seguida, das “Veredas das Missões”, caminhos que ligaram os Campos de Palmas e de Guarapuava às regiões missioneiras da Argentina e do Rio Grande do Sul1.

A conquista do gentio a principio, a procura de novas terras, e ouro, fizeram com que no século XIV os habitantes de São Paulo  com espírito desbravador, rompessem as matas que ocupavam. Concordaram alguns dos seus povoadores em penetrar a densidade dos matos, sem munição alguma de boca, providos somente de armas, pólvora e chumbo, os paulistas arrostaram todos os perigos: a caça, peixe e mel silvestre lhes serviam de alimento. Organizou no sul o aldeamento dos indígenas firmando território com alocamentos  de gentio ajudou a formar novas vilas de moradores, pelo percurso os desbravadores iam  demarcando e formando novas moradas com currais de criação de gado e outras benfeitorias propícias ao desenvolvimento. Em segunda fase do desbravamento ensinaram o plantio e colheita da erva-mate. (1)

Santa Catarina e Paraná disputavam, desde o século XVIII, um imenso território entre os rios Iguaçu e Pelotas.

Em 1831, quando a Região do Contestado era um inóspito sertão, a Regência criou a Guarda Nacional do Império, ao mesmo tempo em que extinguiu as milícias, ordenanças e guardas municipais. Para o “coronelato” desta corporação, que passou a ser organizada em todo o território nacional, eram nomeados civis, os grandes senhores de engenho (no Leste e Nordeste do Brasil) e os caudilhos e os fazendeiros de criação de gado mais poderosos (casos do Sul), os oficiais eram os próprios capatazes das suas fazendas e pessoas de importância ou aliados políticos e, os soldados, eram escolhidos entre os agregados, peões e capangas dos fazendeiros, mais pessoas simples que moravam em vilas e pequenas fazendas. Surgiu, assim, no País, o fenômeno do "coronelismo", ampliando o já então existente poder dos fazendeiros, senhores de latifúndios do sertão, o que, relativamente, lembra os tempos do absolutismo. Os fazendeiros dos campos e sertões da Região do Contestado, a maioria dos quais tinha suas origens no tropeirismo, com seus peões constituíram batalhões da Guarda Nacional para servir ao Império e, dele recebendo a patente de “coronéis”, foram nomeados seus comandantes. 


O “dono-da-fazenda” era, simultaneamente, juiz, delegado, chefe, conselheiro e legislador, recebendo o respeito e a obediência de todos os subordinados. O estudo da educação e da política na História da Região do Contestado revela-nos a reprodução do fenômeno da dominação, tal como ocorria em todo o Planalto Catarinense, fruto do coronelismo e do sistema oligárquico que predominava historicamente na zona, onde alguns poucos fazendeiros ricos exerciam o mandonismo sobre a grande maioria subserviente, inspirados no modelo do “caudilhismo” gaúcho. A par do coronelismo, via-se, aqui, também o “compadresco”, forte ligação afetiva que ligava o pessoal dependente com os donos das fazendas e com os chefes políticos, pois, quantos mais afilhados e compadres, que caíam nas boas graças e se viam promovidos socialmente, maior era o poder do Coronel: o beija-mão e o pedido de bênção ao padrinho eram ensinados desde cedo às crianças, para saber respeitar a classe dominante. Os coronéis vendiam pedaços de terra para os sertanejos, na última parcela, um superior do coronel expulsava o sertanejo do lote adquirido, acumulando desafetos para explodir a qualquer momento.

O coronelismo, enquanto vigente no interior do Estado, foi um dos sustentáculos das oligarquias catarinenses. Identificou-se permanentemente com a História do Contestado enquanto existiu alguém que fosse, respeitosamente, tratado como “Coronel”.

Dominada por coronéis e negligenciada pelos governantes, a região de Contestado foi o cenário de uma das mais sangrentas rebeliões ocorridas no Brasil republicano foi o resultado do acúmulo de injustiças sociais sofridas, por décadas, pela população sertaneja da região. As tensões advinham, principalmente, do anseio por um pedaço de terra, bem-estar e segurança para as famílias camponesas. Dois fortes golpes foram dados contra a população rural do país ainda no século XIX: a Lei Agrária de 1850 e a Constituição de 1891. Até a imposição da primeira, o simples apossamento de uma área garantia sua propriedade. Após a lei, as terras passaram a ser de posse e administração do governo, que faria o que bem entendesse para um melhor "desenvolvimento" do país. Na Constituição, as terras do Estado passaram a ser de responsabilidade dos governos estaduais. Estes, por sua vez, distribuíram essas terras aos coronéis mais alinhados. O sertanejo passou a ser constantemente expulso de sua terra por não possuir registro em cartório nem de sesmaria.


No tempo da Proclamação da República, antigos “conservadores” do Contestado-Catarinense, capitaneados por uma parte da família Ramos (de Lages), com Vidal Ramos Júnior à frente, integraram-se ao Partido Republicano Catarinense - PRC, vindo a apoiar o primeiro Governador do Estado, Lauro Müller, enquanto que veteranos “liberais”, liderados pela família Costa e por Belizário Ramos (irmão de Vidal), mais os Rupp (de Campos Novos) e os Almeida (de Curitibanos), mesmo também integrando o PRC, abriram dissidência no partido, apoiando o burocrata Hercílio Luz. Esta era a situação quando da irrupção da Revolução Federalista, em 1893, que re-dividiu as forças entre “federalistas” (antigos liberais) e “florianistas” (legalistas). Na parte catarinense do Contestado, área pastoril em que predominava o coronelismo rural, sua representação política, que não era partidária, mas familiar, ao apoiar as alas “laurista” e “hercilista” do Partido Republicano Catarinense, contribuiu para a formação das duas oligarquias estaduais, que se revezariam no poder político central catarinense. Este poder esteve nas mãos do grupo de Lauro Müller e Vidal Ramos Júnior até 1917.



O estopim  do Contestado foi a imensa concessão dada em 1908 à empresa inglesa Brazil Railway Company, do empresário Percival Faquhar  (dono da Madeira-Mamoré e da Port-of-Pa-rá), para a construção da estrada de ferro São Paulo-Rio Grande do Sul. O acordo dava à empresa 15 quilômetros de terra para ambos os lados dos trilhos (sinuosos, por coincidência) e que passariam exatamente sobre o território contestado. Mais de 34 mil quilômetros quadrados de presente para estrangeiros. Jamais o governo revisaria as concessões, favorecendo o sertanejo alocado nas áreas contestadas.

Após a conclusão das obras do trecho catarinense da estrada de ferro São Paulo-Rio Grande, a companhia Brazil Railway Company, que recebeu do governo 15 km de cada lado da ferrovia, iniciou a desapropriação de 6.696 km² de terras (equivalentes a 276.694 alqueires) ocupadas já há muito tempo por posseiros que viviam na região entre o Paraná e Santa Catarina. O governo brasileiro, ao firmar o contrato com a Brazil Railway Company de Percival Faguhar, declarou a área como devoluta, ou seja, como se ninguém ocupasse aquelas terras. "A área total assim obtida deveria ser escolhida e demarcada, sem levar em conta sesmarias nem posses, dentro de uma zona de trinta quilômetros, ou seja, quinze para cada lado".. Isso, e até mesmo a própria outorga da concessão feita à Brazil Railway Company, contrariava a chamada Lei de Terras de 1850. Não obstante, o governo do Paraná reconheceu os direitos da ferrovia; atuou na questão, como advogado da Brazil Railway, Affonso Camargo, então vice-presidente do Estado.
Ruy Barbosa de Oliveira, como advogado do lobista
 nasceu em Salvador em novembro de 1849 e foi um jurista político, diplomata e escritor. Um dos intelectuais mais brilhantes de seu tempo. Foi também um dos organizadores da República e coautor da constituição da Primeira República. Primeiro Ministro da Fazenda do novo regime, destacou-se, também, como jornalista e advogado. Durante a Guerra do Contestado, defendeu os interesses do Paraná, como advogado e lobista da Southern Brazil Lumber & Colonization Co. Inc., grande empresa que integrava o grupo empresarial de Percival Farquhar.

Logo em seguida à construção da São Paulo Rio Grande do Sul,  a empresa adquiriu 180 mil hectares de floresta de araucária, pagando 15 mil réis o hectare. Os sertanejos foram mais uma vez expulsos. E desta vez nem alguns grandes fazendeiros escaparam. Nesse latifúndio estrangeiro, Faquhar instalou a Southern Brazil Lumber and Colonization Company, que serrava diariamente 300 metros cúbicos de madeira em operações mecanizadas que necessitavam de apenas 800 trabalhadores. Por ano, eram derrubados cinco milhões de pés de araucárias. Tratava-se da maior madeireira da América do Sul na época.

Também era comum a especulação de terras. Os coronéis ou empresas compravam lotes de terra por preços ridículos, expulsavam os posseiros e logo passavam o lote adiante, lucrando até vinte vezes o valor inicial.





Para a construção da São Paulo-Rio Grande foram trazidos cerca de oito mil operários de todo o país, que aos poucos iam sendo demitidos e abandonados na própria região. Este contingente juntou-se aos sertanejos desapropriados. Seriam eles os futuros rebeldes que, ao invés de receberem alguma assistência, seriam obrigados a pegar em armas para obter melhores condições de vida.


Após a conclusão das obras do trecho catarinense da estrada de ferro São Paulo-Rio Grande, a companhia Brazil Railway Company, que recebeu do governo 15 km de cada lado da ferrovia, iniciou a desapropriação de 6.696 km² de terras (equivalentes a 276.694 alqueires) ocupadas já há muito tempo por posseiros que viviam na região entre o Paraná e Santa Catarina. O governo brasileiro, ao firmar o contrato com a Brazil Railway Company, declarou a área como devoluta, ou seja, como se ninguém ocupasse aquelas terras. "A área total assim obtida deveria ser escolhida e demarcada, sem levar em conta sesmarias nem posses, dentro de uma zona de trinta quilômetros, ou seja, quinze para cada lado".. Isso, e até mesmo a própria outorga da concessão feita à Brazil Railway Company, contrariava a chamada Lei de Terras de 1850. Não obstante, o governo do Paraná reconheceu os direitos da ferrovia; atuou na questão, como advogado da Brazil Railway, Affonso Camargo, então vice-presidente do Estado.
Esses camponeses que viram o direito às terras que ocupavam ser usurpado, os trabalhadores que foram demitidos pela companhia (1910), decidiram então ouvir a voz do monge José Maria, sob o comando do qual organizaram uma comunidade. Resultando infrutíferas quaisquer tentativas de retomada das terras - que foram declaradas "terras devolutas" pelo governo brasileiro no contrato firmado com a ferrovia  - cada vez mais passou-se a contestar a legalidade da desapropriação. Uniram-se ao grupo diversos fazendeiros que, por conta da concessão, estavam perdendo terras para o grupo de Farquhar, bem como para os coronéis manda-chuvas da região.

Como aconteceu no Nordeste sempre teve um padre à frente dos conflitos induzindo os sertanistas, Padin Ciço, centralizou os pobres fiéis do nordeste favorecendo os coronéis e a oligarquia Acioly, durante os conflitos de canudos, caldeirão, pau de colher. Em contestado surge outros padres se dizendo líderes religiosos deixando  os pobres dos fiéis cegos pela fé, e a caminho da morte.
O primeiro a aparecer,  foi o monge Gian-maria d'Agostini, italiano de Piemonte que registrou sua entrada no Brasil em 1844. Assinalara como profissão "solitário eremita". Três anos depois de sua chegada, João Maria, como se intitulava, desceu para o sul, onde ergueu capelas e cruzes nos arredores de Santa Maria da Boca do Monte (SC). Não dormia na casa de ninguém, mas na floresta. Comia frugalmente, açoitava-se em penitência e entoava cantos e orações, solitário, madrugada adentro. Logo estaria juntando cerca de 200 pessoas em romarias, atrás de qualquer cura para suas aflições. 

Um dia, João Maria foi embora. Sem deixar fotos nem desenhos. Versões para seus últimos dias existem várias, algumas datas de 1890 e outras de 1908. Mas um dia João Maria voltou.Na verdade, era outro João Maria. Chamava-se Anastás Markaff, um imigrante "nascido no mar e criado em Buenos Aires". Segundo depoimentos colhidos por Oswaldo Cabral, "um apóstolo humilde, que não ameaça, chegou em Santa Maria por volta de 1890. Não poderia ser o monge italiano, pois era bem mais novo. Além disso, este era um profeta, com frases como "um dia haverá muito rastro e pouco pasto". Pregava a penitência e profetizava calamidades, inclusive a guerra do Contestado, sendo, porém, singelo e bondoso. Tal como o primeiro, não deixou rastro. Desapareceu ainda antes do final da primeira década do século XX.

Ex-soldado do Exército, desertor, o terceiro monge era mais um rebelde do que um místico. Miguel Lucena de Boaventura se intitulava S. Miguel ou José Maria, irmão do profeta João Maria. Ao contrário dos dois monges anteriores, gostava de popularidade e tinha na cintura uma espada de combate.  Em setembro de 1912, José Maria havia juntado, no reduto de Taquarussú, cerca de 700 fiéis. Entre rezas, ameaçava invadir as cidades vizinhas, organizando a população à maneira militar. Os coronéis, preocupados com o ajuntamento de gente armada, pediram ao governo uma solução, acusando José Maria de monarquista.
Pacificamente, levantaram acampamento e foram para Irani, então no Paraná. Quando, em Curitiba, o governador soube, boatos haviam distorcido a história. Não eram religiosos agrupados, mas catarinenses invadindo as terras paranaenses para garantir sua posse através do utis-possidetis. Mandou imediatamente uma tropa com 60 homens, uma metralhadora e 11 cavalarianos, liderados pelo coronel João Gualberto, para dispersar o grupo. Mal sabia ele que iriam enfrentar mais de 200 sertanejos. A vitória dos rebeldes foi enfática, com todo o material bélico do exército caindo em suas mãos. Mas José Maria morreu no combate. Os crentes abandonaram o local, e quando novas forças do governo chegaram lá, deram por encerrado o assunto.
O reduto de Caragoatá foi o mais organizado de todos. Era chefiado por Elias de Moraes. Havia fartura alimentar, com um boi carneado por dia. Ocorreram mais batalhas contra as tropas do governo, com duas vitórias dos rebeldes, que passaram então por um período de euforia que resultaria numa nova etapa da guerra.

Marcou essa nova etapa a morte de um general, Mattos Costa, depois de um ataque sertanejo à Southern Lumber. Venuto Bahiano, um refugiado que adentrou nos pelados, matou-o e depois foi morto pelos próprios companheiros, pois Costa era considerado um importante aliado da causa sertaneja.

Foi o início das divergências. Personagens mais aguerridos, como Adeodato Ramos e Chico Alonso, começaram a formar seus próprios grupos, assaltando fazendas e queimando cartórios — ato simbólico contra as novas leis agrárias. Foi o momento de maior expansão dos rebelados, ocupando uma área do tamanho de Alagoas, com mais de 20 mil adeptos.

Paulo Ramos Derengoski cita o relatório do general Demerval Peixoto como o que melhor define a estratégia de guerrilha dos rebeldes: "os matutos só aceitam o combate em certas condições, em vai-e-vens, avanços e recuos, esgueirando-se nas dobras das selvas, contornando rincões, (...) mas fugindo sempre — e na fuga levando de vencida os soldados que se esfalfavam em terreno adverso... são exímios transformadores em defesa natural dos acidentes do solo... (...) preferem combater a tiro durante a noite (n: do alto dos pinheiros)."
Holocausto em Contestado
Até o dia em que o governo federal resolveu jogar pesado. Iniciava-se 1914. Sob o comando do general Setembrino de Carvalho, sete mil homens bem equipados, organizados em quatro colunas, objetivavam um cerco lento, progressivo, a fim de vencer pelo cansaço. Pela primeira vez no mundo foram usados aviões em um conflito civil, atirando granadas nos redutos. Agora a guerra era um levante separatista que queria "um Estado dentro de um Estado", segundo Derengoski. Após um ano de batalhas só o reduto de Santa Maria da Boca do Monte, protegido pela geografia, resistia, passando fome. Adeodato Ramos era o novo líder, com mais de dois mil homens armados. A cidade-santa tinha virado um inferno nas mãos de Adeodato, apelidado "O Flagelo de Deus", e a rigidez das normas dentro do reduto foram reforçadas. Velhos, mulheres e crianças eram expulsos por serem "bocas inúteis".

O holocausto que aconteceu em Canudos, Caldeirão e Pau de Colher, aconteceu também em Contestado.

Em abril de 1915, Santa Maria seria invadida pelo exército... Tenho, pois, a dizer a vossa excelência que, tudo se conseguirá desde que o preclaro chefe da nação queira fazer justiça. Prevenimos aos interessados que, com ameaças nada conseguirão, porque os mil homens que existem neste acampamento sob as minhas ordens, só se entregarão contra o direito, depois de o último deles cair inânime. O convite verbal que vossa excelência se dignou mandar-me fazer, pode vossa excelência marcar o lugar, assim como se quiser, poderá vir até este acampamento, onde trocaremos indizível de recebê-lo. Pode vossa excelência, vir sem o menor receio, que será garantido. Não costumamos violar as nossas promessas. Subscrevo com estima... Antônio Tavares Júnior. 
O Major Taurino lê atentamente o bilhete, relê em seguida, após fica por um instante pensativo. Julgava a princípio que encontraria pessoas sem nenhuma instrução intelectual, o bilhete que estava à sua frente, era escrito por uma pessoa inteligente e muito consciente a tudo o que estava fazendo. O acontecimento inesperado trouxe-lhe o receio de atacar o reduto, sem primeiro descobrir as suas fraquezas. O impasse se prolonga por quase uma semana, onde recebe ordens expressas do general Setembrino para atacar e destruir o reduto. Tavares e Alemãozinho organizam os seus guerreiros e a quase quinhentos metros entram em confronto com os soldados e vaqueanos legalistas, que gritam vivas ao São João Maria e a São Sebastião. Valentes guerreiros, não temiam a morte, porque lutam numa guerra santa, onde destruiriam os filhos do Demônio. Aos injustiçados do século deixaram somente a opção em sobreviverem uma vida miserável, onde se obriga a se apegar em suas superstições, trazendo ao sertão contestado a guerra do século. Os soldados e os piquetes legalistas ganhavam terreno, avançando lentamente contra eles e em direção do reduto. Tavares e Alemãozinho após vinte minutos de intenso combate, onde perdem vários guerreiros, são obrigados a debandar. Alemãozinho pede para Tavares levar todos os confinados para o reduto de Piedade, de Bonifácio Papudo, enquanto que ele e os seus guerreiros dariam cobertura. Assim que viu que eles já estavam distantes, ordena a retirada aos seus guerreiros, formando duas colunas. Enquanto uma recuava, a outra protegia a retaguarda. Escondido no mato, Alemãozinho testemunha o desenrolar dos acontecimentos. Os soldados republicanos adentram o reduto, fazem duzentos e setenta e oito prisioneiros. O Major Taurino manda incendiar o reduto, jogando os corpos dos jagunços mortos no fogo. Ele sente que era o princípio do fim, o holocausto jagunço, umas das maiores vergonhas do poder republicano.
Sem dar um único disparo. Destruída, porém deserta. Os sertanejos haviam se escondido nas encostas da serra e, com a chegada da noite, passaram a varar a cidade com tiros de carabina. Potyguara, o capitão, pediu apoio a outras colunas, que fizeram 358 prisioneiros — uma fração dos combatentes. As tropas, cansadas da longa batalha, iniciaram a retirada, concluindo sua missão. Caberia às milícias locais extirpar seus últimos vestígios. Isso porque o grosso dos rebeldes já havia se reagrupado — ainda sob a liderança de Adeodato, prestigiado, mas enlouquecido pela guerra, chegando a matar a mulher e a sogra por reclamarem demais.

Mercenários deram o golpe final nos sertanejos. Com apenas algumas dezenas de vaqueiros, Lau Fernandez comanda uma invasão ao agrupamento e facilmente prende a todos. Adeodato, paranóico, reprimia tanto seus seguidores, que esqueceu de tomar medidas de proteção externa. Esqueléticos, doentes, esfarrapados, centenas de fanáticos se apresentavam nas vilas. Alguns eram executados.

Hoje, João Maria ainda é reverenciado por fiéis em toda a região, cujo desenvolvimento após a guerra não trouxe novas resistências. Como conclui Oswaldo Cabral: "o homem é o mesmo — e a crença é a mesma. Se o perigo não existe é porque as condições sociais que levaram ao desencadeamento da luta desapareceram."
Aconteceu  de 1 a 3/08/2012 em Florianópolis o Seminário Nacional 100 Anos da Guerra do Contestado.

O seminário promovido pelo Ministério Público de SC reuniu autoridades militares, pesquisadores catarinenses, estudiosos de outros Estados e juristas de diferentes segmentos, dentre eles o historiador canoinhense Fernando Tokarski.

Apesar de ser pouco divulgado, o seminário foi considerado como um dos mais completos e esclarecedores eventos do gênero em todo o país. A Guerra do Contestado começou no dia 22 de outubro de 1912 com a batalha do Irani e terminou em 22 de outubro de 1916 com a assinatura do acordo dos limites, no Rio de Janeiro. 
************* 1-    Revista Trimestral do Instituto Histórico Geográfico e Ethnograpfico do Brasil, parte I, RJ 1866.
2-    Percival Faquhar sócio do banqueiro sionista Rothschild quando este "comprou" a dívida do Brasil, Livro, Brasil Colônia de Banqueiros, de Gustavo Barroso.
*Léo Laps é estudante de jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina.
Bibliografia
Queiroz, Maurício Vinhaz de — Messianismo e Conflito Social, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966.
Cabral, Oswaldo R. — A Campanha do Contestado, Florianópolis, Lunardelli, 1979.
Derengoski, Paulo Ramos — Guerra no Contestado, Florianópolis, Insular, 2000.
As fotos são do arquivo de Nilson Thomé, professor da Universidade do Contestado, em Caçador

Um comentário:

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