Bursztyn (1990) coloca que o Brasil é o país das
alianças, do continuísmo, no qual as rupturas não se completaram. As elites
conservadoras têm uma grande capacidade de conciliação na permanência do poder.
“Ditadura Civil Militar” ou “Militar Civil”. Ainda
segundo Oliveira (1976), “A intervenção militar deu-se à inviabilidade na
maneira que as elites civis não conseguiram acertar suas diferenças” (p. 13).
Os grupos que se articularam para impedir a ascensão do movimento popular em 1964
tiveram na Escola Superior de Guerra (ESG) uma das instituições responsáveis
pela preparação política e ideológica do golpe, somada a uma rede de
organizações como o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e o
Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD). Diante do receio de que as
massas se organizassem em função de um projeto alternativo ao capitalismo, os
militares assumiram os objetivos burgueses de defesa da sociedade capitalista.
Nesse aspecto, em que pese à participação e ao apoio de setores civis ao golpe
e ao regime, a hegemonia era militar. Com a centralização do poder nas Forças
Armadas, responsável pela repressão, “o golpe teve um caráter principalmente
militar” (Ibid., p. 46).
O golpe de 1964 foi uma reação concreta de classe,
do grande capital, nacional e internacional, aos avanços sociais, ao
protagonismo dos trabalhadores e das forças democráticas que estavam em
ebulição em um período histórico de grande participação popular e no qual o movimento
sindical vinha em uma crescente participação com mobilizações e greves. Em
1962, foi fundado o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT); no campo, a luta
pela reforma agrária fortaleceu as Ligas Camponesas e os sindicatos rurais; em
1963, foi fundada a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
(Contag). Nesse quadro, os estudantes desempenhavam importante papel de
mobilização e formação político-cultural da juventude por meio de suas
entidades (UNE, UBES, UEEs, DCEs e Grêmios). A atmosfera vivida pela sociedade
brasileira, no fim década de 50 e início da década de 60, era de forte
mobilização por transformações estruturais. A palavra revolução estava em
evidência, a revolução cubana, ocorrida em 1959, o avanço da revolução chinesa
que, se de um lado empolgava as esquerdas, por outro lado gerava um pavor nos
setores conservadores. A palavra revolução foi fruto de uma disputa simbólica,
foi usada, erroneamente, durante muito tempo também pelos militares, para
caracterizar o golpe de 64. A tese de PhD sobre o golpe de 1964, do cientista
político uruguaio René Dreifuss da Universidade de Glasgow, resultou no
livro publicado, em 1981, com o título de 1964: A Conquista do Estado e
transformou-se em uma das mais influentes interpretações sobre o período.
Dreifuss (1981) defendia que a coalizão vitoriosa, em 1964, articulada em torno
do complexo do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e do Instituto
Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), organizou os interesses sociopolíticos
do capital multinacional e associado – implantado, fortemente, já durante os
anos Juscelino Kubitschek (1956-1960), sendo o golpe o resultado da união
dessas classes sociais: empresários e militares. De forma original, o uruguaio
utilizou os conceitos gramscianos de “elite orgânica”7 , “bloco histórico”,
“crise orgânica”, “transformismo” e “sociedade civil”8. Pela primeira vez,
utilizou para caracterizar o golpe de 1964 as expressões como ditadura
“civil-militar” ou “empresarial-militar”, indicando que existiu não apenas a
participação de militares, mas também de “civis” no golpe; fundamentalmente,
que existia um projeto de classe inscrito no golpe e na ditadura, sendo o golpe
o resultado não, apenas, de uma ação isolada dos militares, como defendiam
alguns, mas da ação coordenada de um bloco de classe. Sobre essa questão,
Queiroz (2014) interpreta:
- Nenhuma classe social consegue impor o seu domínio de forma pura. Em situações excepcionais, a constituição de blocos entre classes e frações de classe se revela em toda a sua complexidade e nitidez. No caso de 1964, no Brasil, nota-se que a burguesia – autóctone e estrangeira- não se furtou em se aliar aos grandes fazendeiros e estratos das classes médias urbanas, constituindo um bloco sobre a hegemonia dos potentados das transnacionais. Os blocos não são estruturas fixas. Inversamente, se movem ao sabor das convergências sociais, econômicas e políticas. Não são determinados por desejos piedosos e princípios axiomáticos. Ao contrário, respondem exigências que, em última hipótese, estão associadas ao devir da luta de classes. Em uma comparação grosseira, lembram os blocos conhecidos como placas tectónicas que se movem ao sabor de uma substância interna a terra de composição pastosa e conhecida como magma (p. 48).
Nessa nova abordagem, o golpe de 1964 foi um “golpe
de classe.” “O complexo IPES/IBAD é apresentado como o verdadeiro partido da
burguesia – no sentido gramsciano – seu Estado Maior para a ação ideológica,
política e militar.” Esse núcleo ativo organizou a ação da elite orgânica –
composta por empresários e tecnoempresários, intelectuais, classes médias
urbanas, militares, representantes de interesses financeiros multinacionais e
associados – exercendo seu poder de classe, cujos objetivos seriam, entre
outros, “restringir a organização das classes trabalhadoras; consolidar o
crescimento econômico num modelo de capitalismo tardio, dependente,.. E a
formação de um regime “tecnoempresarial”, protegido e apoiado pelas Forças
Armadas”. (BENEVIDES,2003) O IPES foi fundado em novembro de 1961, desfrutava
de inegável respeitabilidade. “Suas propostas espelhavam o prestígio dos
projetos da “Aliança para o Progresso”, a qual só seria desmascarada por Che
Guevara em 1962, na Conferência de Punta del Este.” Ao “IBAD, estigmatizado
desde o início, competia o “jogo sujo” da manipulação de recursos de fontes
para financiar campanhas dos candidatos conservadores e “corrupções” de vários
calibres. ” (BENEVIDES, 2003). É extensa a lista de políticos que tiveram suas
campanhas patrocinadas por essa organização. No Ceará, com a instalação da CPI
do IBAD, aparecem os nomes dos parlamentares cearenses beneficiados: Paulo
Sarasate, Leão Sampaio e Wilson Roriz. (CASTRO e SILVA, 1970).
- O complexo IPES/IBAD estava engajado em uma vasta campanha que procurava manipular a opinião pública e doutrinar as forças sociais e empresariais, modelando esses interesses em uma classe “para si”. Além disso, ele estava envolvido em uma abrangente campanha que visava impedir a solidariedade das classes trabalhadoras, conter a sindicalização e mobilização dos camponeses, apoiar as clivagens ideológicas de direita na estrutura eclesiástica, desagregar o movimento estudantil e bloquear as forças nacionais - reformistas no Congresso e, ao mesmo tempo, mobilizar as classes médias como a “massa de manobra” da própria elite orgânica. Ainda, as manobras táticas faziam-se necessárias por uma outra razão fundamental: conduzir a estrutura social a um ponto de crise onde as Forças Armadas, cujo apoio fora simultaneamente e intensivamente aliciados, seriam levadas a intervir sob uma liderança coordenada. (DREIFUSS, 2000, p. 298)
Para o autor de 1964: A Conquista do Estado, a
utilização das classes médias como uma massa de manobra conferia a aparência de
amplo apoio popular à elite orgânica e à mídia coordenada pelo IPES. Para
atrair o apoio dessa classe, utilizavam-se duas bandeiras: o combate à inflação
e à esquerdização do país, com a propalada insígnia de “República
Sindicalista”. Tratava-se de uma campanha ofensiva para acentuar o clima de
inquietação e insegurança e dar a aparência de um apelo popular às Forças
Armadas para uma intervenção militar (DREIFUS, 2006, p. 308).
Outra ponta de lança importante para o ataque ao
governo de João Goulart foi a mobilização de vários segmentos, das mulheres,
donas de casa das classes médias, grupos católicos, estudantes, trabalhadores,
lideranças políticas, militares e até clubes de futebol. O IPES custeava e
orientava as organizações femininas, entre elas a União Cívica Feminina - UCF,
um movimento de arregimentação feminina, cujo principal lema era “combater o
comunismo e a corrupção”. Essas organizações realizaram uma campanha com
comícios públicos, propaganda porta a porta, panfletagem, cursos e conferências
agressivamente anticomunistas. O auge da ação desses grupos se deu com a
coordenação da “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, realizada no dia 19
de março de 1964, em São Paulo, com aproximadamente 500.000 pessoas, em
resposta ao comício de João Goulart, do dia 13 de março9 (DREIFUSS, 2006, p.
315). Na região do Cariri cearense, objeto do nosso estudo, Farias (2007)
aponta vários indícios, evidenciando a atuação comunista na defesa das reformas
de base, proposta pelo governo João Goulart e seu engajamento mesmo no interior
do Estado, onde historicamente o anticomunismo foi mais forte, em virtude das
pregações da Igreja católica10, aliada das oligarquias locais (FARIAS, 2007, p.
48). Queiroz (2010) apresenta uma das facetas de como a Igreja e a elite
orgânica da região do Cariri participaram do golpe e estavam em uma articulação
nacional de classe, afirma que:
- No dia 19 de março de 1964, ocorreu a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, na cidade de São Paulo. Nesse evento, os clérigos católicos cumpriram um papel de inigualável magnitude. Utilizaram a sua capacidade de mover céu e terra e colocaram centenas de milhares de pessoas nas ruas. O apoio político do governo paulista e o dinheiro do empresariado completaram a obra que serviu de pretexto legitimador para ação golpista, quinze dias mais à frente. Nos dias que precederam as operações militares, e mesmo depois, o mesmo ato será repetido pelos quatro cantos do país, e novamente serão os pastores de Cristo que estarão na dianteira das multidões arrastadas. Em Juazeiro do Norte, quatro grandes manifestações foram organizadas e o padre Murilo de Sá Barreto (Pároco da cidade que coordenava as romarias do Pe. Cícero), no limite, utilizou a força moral da igreja para trazer um exército de marchadeiras às ruas da maior cidade caririense...se juntou ao prefeito, Humberto Bezerra, para colocar nas ruas um número incontável de mulheres com terços nas mãos, rezando o rosário para, uma vez mais, execrar o comunismo e se confraternizar com a quartelada, “A Redentora” (QUEIROZ, 2010, p. 123, 124).
O autor demonstra que, apesar das ações golpistas
concentrarem-se nos grandes centros urbanos, São Paulo e Rio de Janeiro, elas
se reverberaram em todos os rincões do país. O amplo trabalho ideológico e
político realizado pelo complexo IPES/IBAD objetivava a contenção da
mobilização popular e a desorganização da incipiente consciência e militância
de classe que as massas trabalhadoras, aos poucos, adquiriam. Tais ações no meio
dos trabalhadores enfatizavam a “função social do capital”, com ideias de
favorecimento do sistema econômico, participação nos lucros,
corresponsabilidade administrativa, boa imagem da empresa privada (DREIFUSS,
2006, p. 325). Elas visavam conter as mobilizações nacional-reformistas e a
consciência de classe dos trabalhadores. Os candidatos ao parlamento e ao
executivo, que levantavam a bandeira do anticomunismo e do
contra-nacional-reformismo, também recebiam forte apoio financeiro da elite
orgânica. A ação entre os militares do complexo IPES/IBAD visava envolver o
maior número de oficiais na mobilização contra o governo. Dreifuss observou
pelo menos três movimentos político- -militares: 1) o grupo IPES/ESG, do qual
fizeram parte o gen. Golbery e o tecnoempresário Roberto Campos; 2) o
extremista de direita, que envolveu elementos civis como Júlio de Mesquita
Filho, proprietário do jornal O Estado de São Paulo, o empresário Paulo Egydio
Martins e o brigadeiro Burnier; e 3) o tradicionalista, que envolvia nomes como
os generais Antônio Carlos da Silva Muricy, Amaury Kruel e Olympio Mourão
Filho. O complexo IPES/IBAD estava no centro dos acontecimentos, com homens de
ligação, organizadores do movimento “civil-militar”. Organizaram a tomada do
aparelho do Estado e estabeleceram uma nova relação de forças políticas no
poder. Nesse sentido, a queda do governo ocorreu com a culminância de um
movimento civil-militar (DREIFUSS, 2006, p. 382-419). Em seu trabalho Estado e
Oposição no Brasil, Maria Helena Moreira Alves analisa dialeticamente as
relações entre o Estado e a oposição, relacionando os aspectos políticos e
econômicos característicos dos anos de 1950 e 1960, “em que ocorrem a aliança
do capital multinacional, o capital associado dependente e o capital do estado”
(ALVES, 1984, p. 19). Para a autora, foram esses interesses econômicos e
políticos, do capital internacional e nacional a eles associados, que
resultaram na conspiração civil e militar que derrubou o governo de Jango.
Fruto de várias contradições anteriores, o governo de Goulart promovera uma
série de restrições aos investimentos multinacionais, como o controle das
remessas de lucro e o pagamento de royalties, adotando uma política de subsídios ao capital nacional. Os
anos 50 e 60 foram marcados por significativas mobilizações populares. A rápida
organização da classe trabalhadora e do campesinato assustou as classes mais
altas, que nunca antes haviam sido forçadas às mínimas concessões em questões
como salário, condições de trabalho ou mesmo organização sindical. O exemplo de
Cuba aumentou o medo de uma revolução que derrubasse o sistema com sérias
perdas para o capital nacional e multinacional. A tomada do poder do Estado foi
precedida de uma bem orquestrada política de desestabilização que envolveu corporações
multinacionais, o capital brasileiro associado dependente, o governo dos
Estados Unidos e militares brasileiros – em especial o grupo de oficiais da
Escola Superior de Guerra (ESG) (ALVES, 1984, p. 22). A ESG foi fundada no
Brasil, em 1949, com o apoio dos governos norte-americano e francês. Era
responsável pela formação de quadros civis e militares para ocuparem cargos de
direção do Estado, formulou e propagou a Ideologia da Segurança Nacional,
contida na Doutrina de Segurança Nacional, na qual o inimigo a ser vencido não
era a ameaça externa de invasão do país, mas sim dos “inimigos internos”
influenciados pelas ideias comunistas. Em nome do anticomunismo, a Doutrina de
Segurança Nacional, com sua ênfase no tema segurança interna, levou inexoravelmente
ao abuso do poder, às prisões arbitrarias, à tortura e à supressão de toda
liberdade de expressão. (ALVES, 1984, p. 27). A Doutrina de Segurança Nacional
e Desenvolvimento transformou-se em uma ideologia de dominação de classe, que
serviu para justificar as mais violentas formas de opressão classista. O
General Golbery de Couto e Silva, coordenador e responsável pela montagem de
uma rede de informação, defendia a “estratégia contraofensiva”. A necessidade
de uma rede de informação era consequência da inevitabilidade da guerra total
para neutralizar a infiltração e as guerras psicológicas levadas a efeito pelo inimigo - o comunismo. Antes do
golpe de 1964, já se possuía um completo e detalhado dossiê de informações
sobre 400.000 cidadãos. O que demonstra que havia, bem antes do golpe em 1964,
uma prévia preparação. Agentes secretos atuavam entre estudantes, sindicatos,
camponeses, na imprensa, em organizações culturais, na Igreja católica, em
universidades e até em organizações de classe média, na coleta de informações
necessária ao planejamento da ação golpista (ALVES, 1984, p. 26). Perpetrado o
golpe, os militares colocaram em prática um conjunto de medidas repressivas
intitulado “Operação Limpeza”; foram criados os Inquéritos Policiais Militares
(IPMs), os quais investigavam as atividades ditas “subversivas” de funcionários
civis e militares. Tratava-se de colocar em prática o objetivo de eliminação do
“inimigo interno”. Logo após o golpe militar, uma vasta campanha de busca e
detenção foi desencadeada em todo o País. O Exército, a Marinha e a Aeronáutica
foram mobilizados, segundo técnicas predeterminadas de contraofensiva, para
levar a efeito operações em larga escala de “varredura com pente-fino”. Ruas
inteiras eram bloqueadas e cada casa era submetida à busca para detenção de
pessoas cujos nomes constavam em listas previamente preparadas. O objetivo era
“varrer” todos os que estivessem ligados ao governo anterior, a partidos
políticos considerados comunistas, ou altamente infiltrados por comunistas, e a
movimentos sociais do período anterior a 1964. Eram especialmente visados
líderes sindicais e estudantis, intelectuais, professores, estudantes e
organizadores leigos dos movimentos católicos nas universidades e no campo
(ALVES, 1984, p. 59). A repressão, nos primeiros dias após o golpe, teve um
caráter seletivo. Em seu depoimento, José Figueiredo de Brito Filho, Zé de
Brito, dirigente do Partido Comunista Brasileiro, PCB, na cidade do Crato, nos
anos 1950 e 1960, esclarece como se deu a “Operação Limpeza” no sul do Estado
do Ceará:
- Quem efetuava as prisões era a polícia militar. Essas prisões eram feitas fora de hora, de afogadilhos, sem dar a mínima condição de algum prisioneiro se preparar para uma viagem longa, como aconteceu conosco. Fomos presos e, na madrugada mesmo, levados para Juazeiro; Em seguida, transferidos para a Ordem Política e Social, lá em Fortaleza. Foram presos comigo e remetidos de Crato para Fortaleza: José Belchior Silva- -funcionário do Banco do Brasil. Hugo... (Esse Hugo apareceu lá, não sei de onde... não sei identificá-lo). Juvêncio Mariano dos Santos – comerciante; Saturnino Candéia do Nascimento – líder Sindical. José Figueiredo de Brito Filho – Líder Estudantil, professor e funcionário do Banco do Brasil; Francisco Ivan de Figueiredo – Comerciante; José Kleber Callou – bancário e político; Ernani Brígido e Silva – comerciante; Wellington Alves de Sousa – líder estudantil, bancário, jornalista; Raimundo Coelho Bezerra de Farias – médico (Apud TIMÓTEO, 2013, p. 150).
João Quartim de Moraes (1999) assinala que, no
Brasil, notórios liberais participaram do golpe de 1964, cujo objetivo era
derrotar o governo progressista e frear o avanço dos setores populares. Moraes
assegura que, “quando o dinheiro já não consegue manter o dinheiro no poder”
face ao avanço da esquerda e dos setores populares, os defensores da democracia
liberal não hesitam em recorrer aos bons serviços dos chefes fascistas, como
porta-vozes do capital e do campo da contrarrevolução armada, em momentos de
crises revolucionárias, e isso constituiu a regra geral da ordem burguesa.
- Em situação de crise política aguda, quando o controle exercido sobre a opinião pública, pelos grandes meios de comunicação não logra garantir a funcionalidade do sufrágio universal, a burguesia para manter seus privilégios econômicos, redescobre sua afinidade com o fascismo, para manter a propriedade recorrem a medidas de exceção, estados de sítio e às ditaduras militares que aplicam a tortura e as execuções sumárias em escala genocida (QUARTIM DE MORAES, 1999, p. 18).
Quartim de Moraes (1999) evidencia a afirmação de
Maurício Duverger, para o qual os EUA apoiaram essas ações ao desenvolver a
política de “fascismo exterior”: liberdade no seu país e opressão nos outros. O
componente fascista não se reduziu à militarização da política, mas apoia-se na
radicalização à direita da burguesia e das massas pequeno burguesas, face à
perspectiva do socialismo. Colaborando com essa assertiva, Ronaldo Costa Couto,
no livro Memória Viva do Regime Militar: Brasil, 1964-1985, assim conclui:
- No Brasil, a Escola Superior de Guerra, a Sociedade de Estudos Internacionais, a Fundação Aliança para o Progresso e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática colaboraram com órgãos congêneres dos Estados Unidos como o Councie ou Foreing Relations, Agency for Internacional Development, Councie for Latim América e a CIA (...). O golpe militar de 1964 não foi mero reflexo de uma administração desastrosa, mas o triunfo da ordem internacional e das forças conservadoras (COUTO, 1994, p. 41).
O que aterrorizava os setores conservadores,
decerto, era o fortalecimento das organizações populares, das ligas camponesas,
das entidades estudantis, dos sindicatos e a implantação das reformas de base.
Os primeiros atos dos golpistas foram prisões de lideranças sindicais,
operárias, estudantis, populares e cassações de mandatos parlamentares. Com o
explícito apoio dos Estados Unidos, o regime militar instalado em abril de 1964
eliminou a democracia, perseguiu, torturou e assassinou democratas,
nacionalistas e progressistas, impôs a censura e desmantelou as organizações
populares, que vinham impulsionando as mudanças. Alfred Stepan (1975) afirma
que “a instituição militar não é um fator autônomo, mas deve ser pensado como
um subsistema que reage às mudanças no conjunto do sistema político”; para ele,
a revolução derivava da inabilidade de Goulart em “reequilibrar” o sistema
político. Os militares eram chamados para depor um governo e transferi-lo para
outro grupo de políticos civis; se incialmente não estavam convencidos da sua
capacidade e legitimidade para governar, entretanto, com o treinamento desenvolvido
pela Escola Superior de Guerra, “haveria dentro das Forças Armadas um nível de
confiança relativamente elevado de que eles contavam com membros possuidores de
uma solução relevante para os problemas brasileiros e que estavam tecnicamente
preparados para governar” (p. 49). Desse modo, os militares se viram aptos a
assumir o controle do Estado.
Nos livros A Ditadura Envergonhada (2002), A
Ditadura Escancarada (2002) e a Ditadura Derrotada (2003), todos sobre a
ditadura militar, assentados em vasta documentação sigilosa fornecida pelos
militares do período, o jornalista Elio Gaspari faz uma narrativa objetiva,
como a trama de um filme, que prende a atenção do leitor, evidenciando, em
muitos momentos, trivialidades. São exaltadas as figuras de Geisel e Golbery
como os sujeitos que “fizeram e acabaram com ela”; na obra prevalece uma
leitura militarista, sendo o golpe reduzido aos episódios da conspiração e da
ação dos militares (FICO, 2004, p. 56).
7 A
expressão “ elite orgânica” utilizada pelo autor remete a articulação do
empresariado multinacional associado com os meios de comunicação, no qual se
agrupam, funcionando como uma central de informações, ao passo que desenvolvem
ações econômicas, desenvolvem uma ação política em defesa dos interesses dos
grandes conglomerados empresariais.
8 Desse
modo, o conceito de sociedade civil deve ser entendido, não como um espaço da
liberdade, mas como um campo de lutas pela hegemonia onde se articulam
interesses privados de natureza classista.
9 Nesse
comício do dia 13 de março de 1964, realizado na Central do Brasil, no Rio de
Janeiro, o presidente João Goulart anunciou o início das reformas de base, que
dentre outros pontos incluía a reforma agrária; o controle da remessa de lucros
das empresas estrangeiras; as reformas da educação, administrativa, bancária,
da previdência, a nacionalização das concessionárias de serviços públicos etc.
Contou com a participação de 100.000 pessoas e o apoio de sindicatos
coordenados pelo CGT e do Movimento Estudantil e suas entidades.
10 Sobre
o conservadorismo e a ação anticomunista da Igreja Católica no Ceará, ver
PARENTE, Francisco Josênio Camelo. A fé e a razão na política: conservadorismo
e modernidade das elites cearenses. Fortaleza: Edições UFC: 2000.
RESISTÊNCIA,. ROTA DE FUGA. E REFÚGIO. O CARIRI CEARENSE NA DITADURA MILITAR. CÍCERO AURELISNOR MATIAS SIMIÃO. (Professor Aurélio) .
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