quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Crise interna e mundial

Adriano Benayon * - 30.12.2014
O ano termina sob o espectro de perspectivas preocupantes no âmbito nacional e no do poder mundial.

2. Isso recomenda que os povos assumam atitude engajada e participativa, livre das falsas lideranças que iludem tanta gente, e, assim, se libertem de um sistema que os despoja e aliena.

3. No País persiste o assédio para que se desnacionalizem as poucas grandes empresas públicas e privadas sob controle nacional que ainda lhe restam.

4. Historicamente, os agentes das campanhas nesse sentido valeram-se sempre, como ocorre atualmente, da retórica moralista para atingir seu real objetivo.

5. Vivemos sob um sistema político em que os aspirantes aos cargos eletivos dependem de exposição na TV – um espaço fechado aos não comprometidos com os reais donos e beneficiários desse sistema. Dependem também de dinheiro grosso para as campanhas eleitorais, num país em que a economia é concentradíssima e desnacionalizada.

6. Nessas condições,  ainda que o Executivo estivesse nas mãos de titular solidamente apoiado pela maioria da sociedade, ele não teria como colocar os interesses dela acima dos grupos que concentram o poder real.
7. Estes elegem a grande maioria do Congresso e, sustentando-se  na grande mídia,  exercem ascendência ideológica sobre o Judiciário, o Ministério Público, a Polícia, os quadros técnicos e administrativos da Fazenda, Banco Central etc.
8. Além disso, a autonomia dada pela Constituição a esses órgãos e a instituição das agências independentes permitem ações e iniciativas descoordenadas, em que  preferências pessoais  substituem políticas coerentes orientadas pelo interesse público.
9. Ademais, cargos na Administração, nas agências do Estado e nas grandes empresas e bancos estatais são usados pelos chefes do Executivo, inclusive os do PT -  pois lhes falta maioria no  Congresso, onde prevalece o toma-lá-dá-cá - como moeda de barganha com partidos políticos, em nome da “governabilidade”.

10. Isso não significa que a corrupção tenha aumentado em relação a Collor e FHC, mais claramente engajados com a oligarquia financeira mundial - e cujas eleições foram por ela patrocinadas.

11. Os casos de corrupção nos entes públicos e nas estatais servem como  instrumentos de chantagem operados por revistas de opinião - tradicionalmente amparadas por serviços secretos estrangeiros – e como munição para alvejar as estatais e fazer que a União as entregue a troco de nada.

12. De qualquer forma,  os petistas no Executivo são,  de há muito, acuados para cederem mais espaço aos quadros da confiança da oligarquia, e, quanto mais fazem concessões, mais ficam vulneráveis, e mais são alvo de ataques desestabilizadores.

13.   Desde antes da eleição presidencial, o epicentro da crise tem sido os escândalos nas encomendas da Petrobrás, com ou sem licitações.

14. A presidente ficou na defensiva, pois a Administração não se antecipou nas investigações  à Polícia Federal e ao Ministério Público.  Enfraqueceu-se,  assim, em face das pressões que têm por  obter mais concessões em favor das grandes transnacionais do petróleo: mais leilões e abertura  ao óleo do pré-sal, mais ampla e favorecida que a que já lhes tem sido proporcionada pela ANP.

15. No mesmo impulso de tornar a Petrobrás um botim da onda privatizante, as transnacionais aproveitam para colocar em cheque as empreiteiras, conglomerados de capital nacional, atuantes em numerosas indústrias e serviços tecnológicos.

15. Seja sob o atual governo,  manipulado para ceder mais, seja sob políticos mais intimamente vinculados ao império angloamericano, como os do PSDB, trama-se a culminação do processo de desnacionalização da economia e de destruição completa da soberania nacional.

16. Na economia, a desnacionalização e demais defeitos estruturais geraram mais uma crise, tendo  - mesmo com baixo crescimento do PIB - o déficit de transações correntes com o exterior  aumentado em mais de 12% em 2014, após crescer de US$ 28,2 bilhões em 2008 para U$ 81 bilhões em 2013.  

17.  Enquanto a sociedade não forma um movimento para construir modelo econômico e social viável, é importante entender que só isso a poderá salvar. Golpe parlamentar, judicial, ou do tipo que for, para trocar de presidente e de partido no governo, apenas agravaria a situação.

18. O futuro ministro da Fazenda, Joaquim Levy  - não nestes termos -  declarou-se favorável a medidas macroeconômicas ao gosto do “mercado financeiro”, i.e., dos grandes bancos mundiais e locais.  É, pois, desse modo que a presidente espera enfrentar mais uma crise recorrente causada pelas estruturas políticas e econômicas do modelo dependente.

19. Essas estruturas são: a primarização e perda de qualidade relativa do que sobrou da indústria; a concentração; a desnacionalização da economia.   Elas implicam que o Brasil está mal posicionado diante das dificuldades, sem falar no desastre estrutural derivado, que é a dívida pública.

20.  Essa já cresceu demais, devido aos juros compostos a taxas absurdas, e crescerá mais, mesmo com a volta do superávit primário para pagar juros, uma vez que os feiticeiros incumbidos de sanar a crise não pretendem baixar as taxas. Muito pelo contrário...

21.  Completando o conjunto de fatores -  incuráveis sem mudança de sistema político e econômico - estão aí as infra-estruturas deterioradas, desde há decênios, como as da energia e dos transportes.

22. Vejamos algumas das ideias de Levy externadas em entrevista ao “Valor”, na qual defendeu o consenso dos banqueiros e economistas “liberais”, em versão moderada, i.e., sem o radicalismo das propostas dos candidatos que se opuseram à presidente.

23. Levy não tem como escapar às contradições e aos impasses a que conduzem seus planos.  Ele pretende, por exemplo, aumentar a abertura no comércio exterior.

24. No quadro de retração econômica em quase todo o Mundo, não é provável obter concessões significativas em troca de maior abertura do Brasil às importações.  Ademais, o objetivo de conter a inflação dos preços importando mais bens e serviços, sem conseguir exportar mais,  implica fazer crescer o crítico déficit nas transações correntes.

25. Levy fala também de corrigir preços relativos. Mas o que quer dizer com isso? Se os subsídios que deseja suprimir são os do crédito dos bancos públicos, as empresas mais prejudicadas serão as de    capital nacional, já que as transnacionais dispõem de crédito baratíssimo no exterior.

26. Certamente, Levy não visa cortar os privilégios fiscais do sistema financeiro, nem os dos carteis industriais transnacionais, como as montadoras, nem intervir em seus mercados através do fomento a concorrentes independentes. E, sem isso, os preços relativos que mais se precisa corrigir não serão alterados.

27. Ou o preço que, na visão dos macroeconomistas oficiais, estaria precisando ser reduzido seriam os salários?

28. O futuro comandante da economia propugna, em especial, por acabar com a dualidade das taxas de juros, aproximando as taxas dos bancos públicos e as dos bancos privados.

29. O liberalismo é, sobre tudo, um rótulo, pois os concentradores usam a palavra mágica “mercado” como álibi para ocultar a identidade de quem exatamente manipula o mercado. 

30. Então os que se filiam aos interesses dos carteis, proclamam que não cabe ao governo intervir no mercado, que deve ser competitivo, i.e., governado pela concorrência, embora ele o faça para elevar, por exemplo,  as taxas de juros.

31. Não se informa que os preços nos mercados cartelizados não são dirigidos pela concorrência, mas, sim, pelo consenso dos concentradores.  Os bancos são favorecidos pela Constituição, cujo artigo 164 veda ao Banco Central financiar o Tesouro,  e este é proibido de emitir moeda.  Além disso, só um número limitado de bancos é autorizado a comprar e vender títulos do Tesouro.

32. Está claro, portanto, que a equalização das taxas recomendada por Levy só pode ser feita determinando aos bancos públicos elevar suas taxas.

33. Passando ao contexto mundial, no império angloamericano, satélites europeus e outros, têm prevalecido a degeneração estrutural: financeirização e retração da economia real.

34. O centro do poder mundial fez meia pausa na escalada de intervenções armadas, planejadas desde 2001, visando, pelo menos, até ao Irã, depois de ter arrasado, entre outros, Líbia e Iraque, e se ter apossado de suas imensas reservas de petróleo e de seu ouro.

35. Isso decorreu de ter  sido a ocupação da Síria contida pela Rússia, que se tornou o alvo primordial da agressão econômica e do cerco militar imperiais, intensificado com o golpe de Estado na Ucrânia e a ocupação do governo desta por prepostos dos EUA.

36. China, principalmente, e Índia são as maiores exceções ao panorama de retração econômica, no momento em que a Rússia busca sobreviver à pressão imperial intensificando suas relações com seus parceiros asiáticos.
37. Há que seguir de perto a evolução do jogo de poder mundial,  cujo equilíbrio constitui condição fundamental, embora não suficiente, para que o Brasil construa estruturas essenciais a seu progresso.

* - Adriano Benayon é doutor em economia pela Universidade de Hamburgo e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.

3 comentários:

  1. Oscar Armando Baldonisexta-feira, 02 janeiro, 2015

    Prezado doutor Benayon
    Muito grato por seu artigo, excelente como todos os seus. Já imprimi e guardei.
    A dívida interna é preocupante. Que futuro fica para as novas gerações ?
    As distorções se acumulam. Como pode ser que o custo do metro quadrado de construção seja 500 % mais elevado que a media internacional ? Dizer que é efeito da oferta e da procura é mentira, porque não estão vendendo adoidados e existe a suspeita que acumulam um stock de unidades sem vender varias vezes milionárias. Pode estourar a bolha e gerar desemprego.
    Estamos acuados com tantos impostos, sem receber nada em troca.
    A midia é cúmplice porque disfarça e não informa sobre situações iguais em outros paises, que deveria ilustrar a opinião publica. Pior, a TV Globo, por exemplo tem o costume de ver a palha no olho alheio e não a viga no proprio e volta e meia chega até a mentira para disfarçar a situação no Brasil.
    Obrigado por sua atenção.
    Feliz ano 2015

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  2. Adriano Benayon
    respondo o e-mail de nosso amigo comum Oscar Baldoni e agora - além de reiterar, aludindo à entrada do ano, que haveremos de pôr em nossa mente e ajudar a pôr na de outros as energias do bem – permito-me comentar alguns dos pontos desta sua mensagem, em relação à qual agradeço sua generosa apreciação das matérias que tenho escrito.
    Peço que os leia, entremeados no seu texto, abaixo.
    Feliz ano novo,
    Adriano Benayon

    AB. Sim, é importante que tenhamos algumas pessoas de boa capacidade analítica dedicando parte razoável de seu tempo ao acompanhamento dos novos fatos e da relação que estes têm com a série dos que os precederam, e aí é que há um trabalho que requer percepção, intuição e o espírito, como você almeja, não amarrado por preferências ou idiossincrasias ideológicas.

    OB. Por exemplo, a forma que a D.Dilma governou o país contribuiu para agravar mais ainda os nossos problemas. E o pior: depois de se insurgir, ainda que discretamente, contra o neo-liberalismo, voltou a ele com tudo, surpreendendo até o Armínio Fraga.

    AB. A coisa não chega a esse ponto. Dilma gosta de estar no governo: ele oferece muitas vantagens do ponto de vista pessoal, notadamente ao ego, bastante inflável, mesmo com o poder limitado por tudo que mencionei no artigo e mais alguma coisa. Então, ela faz concessões ao império angloamericano, buscando com isso atenuar o ímpeto com que este a tem desestabilizado. Mas seu grau de subserviência ao império ainda está longe de ser comparável ao que mostraram Collor e os tucanos.

    OB. Poderíamos citar muitas áreas em que o ardor desnacionalizante e pró-concentração financeira não foi tão grande sob os governos petistas. Mesmo na área em que o império não gosta de brincadeira e exige mais, a saber, a área financeira, Dilma apenas manteve o que os governos anteriores estabeleceram em favor do cartel dos bancos, desde o militar, com a lei 4.595, que regula o mercado financeiro, ao gosto deste, e criou o BACEN, em dezembro de 1964

    Nota 1 - A Lei 4.595 foi recepcionada pela Constituição de 1988, como lei complementar.
    Nota 2 – “Mercado financeiro” significa, o mais das vezes, o cartel dos bancos, cerca de 20 dos quais detêm o privilégio de serem os únicos autorizados a operar na compra e venda dos títulos do Tesouro.

    Já Collor e FHC, antes de tomarem posse na presidência, já tinham prontos imensos pacotes de legislação entreguista, que, como mencionei no artigo, foram dócil e rapidamente aprovados pelo Congresso.

    A politica econômica a vigorar nos próximos anos no Brasil já é produto de um consenso entre os banqueiros, os petistas e os tucanos. Segundo esse "consenso tupinquim", a estratégia neoliberal vai recuperar modestamente a economia que deverá chegar aos 3% de crescimento do PIB no final do 4o. mandato petista - isso se der tudo certo.

    AB. Esse consenso não vai recuperar coisa alguma. É de esperar, ao contrário, queda e deterioração bem maiores que a verificada no primeiro mandato de Dilma. A única maneira de o enganoso PIB crescer, sob o presente modelo, é piorar ainda mais a qualidade da economia brasileira. Por exemplo, aumentando barbaramente a exportação baseada em recursos naturais, acelerando a já intolerável dilapidação das reservas de minérios básicos e estratégicos, e a exploração depredadora do solo, com as exportações das monoculturas do agronegócio. E isso, se o mercado mundial, em retração, tiver demanda e oferecer preços melhores que os atuais reprimidos, como os atuais.

    Poucas pessoas têm presente em suas mentes que a simples variação da taxa de crescimento do PIB, positiva ou não, não significa, em si, nada de relevante. Tudo depende de como essa variação é obtida. Pode ser, como já ocorreu muito, comprometendo todo o futuro, e inclusive levando a pagar o preço depois, com períodos de queda muito mais longos do que aqueles em que o povo foi enganado com as taxas positivas de crescimento do PIB.(continua)

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  3. (continuação)
    OB. A gestão petista na Petrobrás foi um dos maiores desastres da história do Brasil e agora o governo cogita de contratar empreiteiras estrangeiras já que as nacionais estão todas enrascadas. Não fosse a gestão fraudulenta do PT não teriamos mais essa barbaridade na nossa lista de problemas insolúveis.

    AB. Você até pode ter razão ao dizer que a gestão petista na Petrobrás foi um dos maiores desastres da história do Brasil, mas, a meu ver, isso está longe de ter sido o maior desastre. A Petrobrás foi alvejada de morte desde a Lei 9.478 de 1997, empurrada por FHC, juntamente com outros crimes, como a venda de 60% das ações preferenciais, a preço muito baixo, na Bolsa de N.Y., a criação da ANP e a colocação de gente ligada ao cartel mundial do petróleo, tanto na ANP como na própria Petrobrás.

    Lula, principalmente no primeiro mandato, ainda pôs técnicos competentes (em parte em diretorias importantes), como foi o caso de Guilherme Estrella e Ildo Sauer, o que possibilitou grandes descobertas de óleo e gás. Ademais, os principais bandidos agora notados, já no final do primeiro mandato de Dilma, foram quase todos colocados na Petrobrás na era tucana. Não é que Dilma não tenha culpa em os ter mantido, mas há que avaliar as coisas na justa proporção.

    OB. No plano internacional, a economia americana já está se recuperando, mantendo-se a crise de 2007/2008 na Europa e na A.Latina, principalmente.

    AB. Não posso tomar por verdadeiro o que a mídia apregoa, notadamente quanto à durabilidade da suposta recuperação da economia dos EUA, toda ela baseada na mesma coisa de sempre, ou seja as atividades militares, inclusive as terceirizadas, e as demais formas de intervenção imperial. Isso, aliás, se manteve ao longo do tempo, e a dita recuperação decorreu fundamentalmente da ajuda do grande crescimento da produção, dentro dos EUA, de petróleo e gás proveniente do xisto ou folhelho, que é terrivelmente poluente e apresenta custos crescentes e rendimentos decrescentes.

    Por isso, para que a tal recuperação se mantenha, vai ser preciso que os EUA mantenham e ampliem o controle das áreas ocupadas graças às agressões e devastações que têm perpetrado, por exemplo, no Iraque e na Líbia (duas das maiores reservas de petróleo do mundo). Até o momento, a Rússia e o próprio Irã, que se arma muito bem, ainda têm evitado ser dominados. O Irã é o terceiro alvo (depois do Iraque e Líbia, conquistados).

    A própria Rússia, se vencida, significaria mais uma colossal reserva de combustíveis fósseis sob o controle da oligarquia financeira angloamericana. A Síria era, entre outros objetivos, rota para atingir o Irã. Daí que a 4ª Guerra Mundial começou, quando o poder balístico, entre outros, da Rússia, conseguiu impedir a vitória dos mercenários armados que invadiram a Síria. Poderíamos dizer que os EUA derrotaram a União Soviética na 3ª, impropriamente chamada de Guerra Fria.

    Você esqueceu dos dois países que mais contam em termos de desenvolvimento econômico, na atualidade: em primeiro lugar, a China, em que mesmo em ritmo menor, representa grande parcela do total do crescimento da economia mundial. Em segundo lugar, a Índia.

    Na América Latina, tirante o Brasil e o México - principalmente, este totalmente arrasado pela vizinhança que tem ao Norte e por ter aderido à NAFTA (o que completou a desgraça da desnacionalização que já vinha de muitos decênios) - o panorama tem sido de crescimento econômico e com mudança, para melhor, nas estruturas, na superação do endividamento etc.

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