segunda-feira, 16 de julho de 2012

Por que o Brasil se atrasa


Adriano Benayon * - 16.07.2012
A desindustrialização do Brasil não tem sido explicada adequadamente, sequer pelos economistas menos vinculados à ideologia das corporações transnacionais.
2. Em entrevista à BBC (13.07.2012), Gabriel Palma, professor da Universidade de Cambridge, Inglaterra, lembrou que, em 1980, a produção industrial no Brasil superava a do conjunto formado por China, Índia, Coreia do Sul, Malásia e Tailândia e que, em 2010, já não  representava senão 10% do total produzido nesses países.
3. O economista Leonardo Guimarães Neto, publicou artigo no portal do Centro Celso Furtado,  Ano 6 - Edição 8,  Recife, 13.04.2012, intitulado “A retomada da indústria brasileira: o recado de Antônio Barros de Castro”.
4. Nele aprecia o  pacote estímulos, de R$ 60 bilhões, à indústria brasileira (sic), incluindo: desoneração fiscal, ampliação e barateamento do crédito; redução de até 30% do imposto sobre produtos industrializados para o setor automobilístico; redirecionamento de compras governamentais para bens produzidos internamente; redução de impostos  na tecnologia da informação.
5. Deixa de denunciar mais esse absurdo presente à predadora indústria automobilística estrangeira, que não cessa de descapitalizar o País, enviando ao exterior os ganhos oligopolistas arrancados dos consumidores nacionais.
6. Omite também que, sob a presente estrutura industrial, dominada pelas transnacionais, os investimentos e subsídios  aos centros de pesquisa tecnológica significam desperdício de recursos públicos, porquanto, não havendo empresas nacionais viáveis no mercado, só ínfima fração do resultado das pesquisas resultará em inovação tecnológica.
7. Observa Guimarães, que, embora bem recebido, o pacote  foi considerado insuficiente por sindicatos patronais e de trabalhadores. Esses reclamam: (i) desvalorização cambial, (ii) redução dos juros e dos spreads bancários e (iii) redução do preço de insumos fundamentais para a atividade industrial, como a energia elétrica.
8. Segundo Guimarães, a perda de competitividade da indústria nacional [sic] não se deve só  ao custo Brasil: enorme carga tributária;  juros e spreads bancários altos; elevados preços da energia elétrica;  enormes déficits de infra-estrutura de transporte e logística.
9. A perda estaria associada à reduzida capacidade de inovação da grande maioria dos segmentos produtivos da indústria nacional (sic), em contexto de acelerado avanço tecnológico nos países competidores, tais como a China.
10. Precisamos, porém, ir mais fundo. Entender por que essa capacidade é reduzida. Daí, inseri três vezes o advérbio latino “sic”, após “indústria brasileira ou nacional, porque a questão básica, intocada nas discussões correntes, é a desnacionalização, o fato de a produção realizada no Brasil não ser nacional, mas subordinada às matrizes das transnacionais estrangeiras que a controlam.
11. É ridículo falar em inovação tecnológica com a indústria desnacionalizada e  com os seus centros das decisões sobre produção e mercados, situados no exterior.
12. Se não há inovação tecnológica no Brasil é porque as transnacionais se apropriaram de tecnologias no exterior, amortizaram-nas com as vendas em outros mercados e as utilizam aqui a custo real zero, tal como acontece com as máquinas e equipamentos importados a preços superfaturados.
13. Por que, então, tais indústrias não são competitivas, se seus custos reais de produção são extremamente baixos, ademais de as transnacionais receberem colossais subsídios prodigalizados pelos governos federal, estaduais e municipais?
14. Porque o valor contábil das despesas das subsidiárias no Brasil é levado às alturas, através dos preços que estas pagam às matrizes nas importações dos bens de produção (inclusive o da tecnologia, jamais transferida): os bens de capital e os insumos, tudo é superfaturado, além de serviços sobrefaturados e até fictícios.
15. Em suma, as políticas de favorecimento às transnacionais, inauguradas em 1954, e intensificadas desde então, fazem que os brasileiros paguem para se tornarem pobres. Os fabulosos lucros reais obtidos pelas transnacionais são transferidos ao exterior, não apenas como tal, mas também através desses superfaturamentos e do subfaturamento de exportações.
16. Estando a economia concentrada por empresas transnacionais e bancos, na maioria desnacionalizados, e os “nacionais” associados aos estrangeiros e com eles ideologicamente alinhados, é esse sistema imperial que elege os “governantes” nos poderes do Estado brasileiro, pois as eleições dependem dos dinheiros para as campanhas e do acesso às redes de TV comerciais, vinculadas aos mesmos interesses.
17. Em tais condições, tornam-se inócuos os votos piedosos dos economistas, quando recomendam reformular a infra-estrutura de transportes e logística, baixar os juros até o patamar internacional (o que viabilizaria reduzir a carga tributária), desvalorizar a taxa cambial etc.
18. Mantendo-se a atual estrutura de poder, essas medidas seriam irrealizáveis, além de que, para funcionarem, acarretariam a necessidade do controle de capitais e da estatização dos principais bancos, ou seja, políticas ainda menos toleráveis para os aproveitadores dessa estrutura.
19. Assim, o governo que empreendesse tais políticas, seria desestabilizado e derrubado antes de promover a indispensável a passagem do controle da indústria para capitais nacionais, privados e públicos.
20. Se a indústria não for realmente nacional, jamais terá chance de ser competitiva. O mesmo se aplica à infra-estrutura econômica (energia, transportes e comunicações) e à social (saúde, educação e cultura).  Há que desmercadorizar os serviços públicos e eliminar as agências “reguladoras”, devolvendo o poder delas ao Estado.
21. Também importante para o Estado  recuperar funções perdidas com o modelo do “consenso de Washington” é a total reformulação da administração pública, generalizando-se os concursos públicos, a formação de técnicos e administradores, e instituindo a aferição de desempenho, com possibilidade de demissão, seleção de quadros desde a escola primária etc.
22. Voltando a Guimarães: “Segundo Antônio Barros de Castro ...não se trata hoje de superar um hiato em relação a concorrentes que evoluíam lentamente em termos tecnológicos e de produtividade. Para ele, esta premissa não existe mais, e os concorrentes do Brasil, notadamente a China, ‘ainda estão alcançando novos patamares de produtividade e aumentando o esforço tecnológico para acelerar sua eficiência.’  A China teria superado a fase de "made in China" para outra de "created in China".
23. Ora, como assinalei no artigo “Tecnologia e Desenvolvimento”, publicado em maio, é incrível que até os  economistas que não se restringem a discutir política macroeconômica, conclamem para a necessidade de inovação tecnológica sem reconhecerem a impossibilidade dela num país cujos mercados estão sob controle praticamente total de empresas transnacionais. 
24. Em artigo próximo tentarei resumir a avassaladora ocupação da economia brasileira, a qual prossegue em tal velocidade, que a empresa nacional é, cada vez mais, espécie em extinção.
25. De novo, Guimarães: “Castro acredita que o Brasil, de início, deve ganhar tempo até induzir as grandes transformações, garantindo superávits no balanço de pagamento por 10 ou 15 anos com petróleo e matérias primas agrícolas, além da expansão do mercado interno ‘colocando areia para limitar a ocupação do mercado interno por importações ...’.”
26. Isso seria, na realidade, perder tempo. E o Brasil já se atrasou demasiado nos últimos 58 anos! Proteção para a indústria, na atual estrutura, só favorece as transnacionais e eleva os incalculáveis prejuízos que vêm causando ao País.
27. De resto, enquanto se dilapidam os recursos naturais através das exportações primárias, as receitas são usadas para pagar por serviços superfaturados e fictícios, às matrizes das transnacionais, e para importar bens de alto valor agregado e insumos grandemente superfaturados. Nem se fica sabendo o que valem as matérias-primas exportadas, nem o balanço de pagamentos se equilibra sem endividamento.
28. Isso implica fomentar a estrutura econômica atrasada, como a da Venezuela, por mais de um século, antes de Chávez: exportar quantidades fabulosas de petróleo e ficar com a estrutura econômica mais primitiva da América do Sul, para gáudio do império anglo-americano.
29. Com governos acomodados às imposições do império, até por carecerem de consciência nacional,  as transnacionais estão ocupando até os espaços recomendados por Barros de Castro e seguidores, como a agroindústria do etanol e a química baseada na  energia vegetal. Note-se que nem falam dos óleos vegetais, como o dendê, capaz de produzir mais óleo – melhor que o de petróleo -  do que a Arábia Saudita.
*  - Adriano Benayon é Doutor em Economia e autor de “Globalização versus Desenvolvimento” abenayon.df@gmail.com 

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