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terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Em defesa da Xenofobia - "São Paulo para os Paulistas"*




Nos últimos dias foram vistas várias manifestações na internet insultando nordestinos, por parte de uma insignificante, mas barulhenta minoria. Esse fenômeno sectarista e xenofóbico parece ter eclodido das profundezas de nossa sociedade após a campanha eleitoral. Fui pesquisar e encontrei inclusive um movimento intitulado “São Paulo para os Paulistas” que possui até blog na internet. E diz o manifesto desse movimento:
"Quantas vezes você, paulista, presenciou cenas de desrespeito praticado por migrantes?
Invadirem espaços, agirem como se estivessem em sua terra. Imporem sua cultura e costumes à nossa vontade. Inundam nosso estado, exigem serviços, põem-se de 'vítimas', apagam nossa identidade. Assim somos desrespeitados. E dentro da nossa terra!
Não bastando, acham-se no direito de proibir o paulista de opinar sobre o tema. Se contrariados, já querem acusar de “conceitos prévios” e denunciar. Impuseram a nós que era um tema proibido, e nós aceitamos isso até hoje.
Porém, estes artifícios sutis usados para nos calar, não são próprios de um sistema democrático. Surge então a idéia de reunir em um Manifesto, o pensamento dos paulistas, não ouvidos e sem espaço na Mídia e pelas autoridades."
Vieram-me algumas dúvidas sobre a identidade desse movimento. O que caracteriza ser paulista? Ter nascido no estado de São Paulo? O que o distingue dos demais outros povos? O que diferencia um migrante de um imigrante? Gostaria de fazer um exercício de volta no tempo e pensar um pouco. 
Primeiro: o Brasil não foi “descoberto” por Cabral. Foi invadido. Havia muita gente morando e vivendo aqui, cara-pálida. E basicamente dois grupos indígenas ocupavam a região que hoje chamamos São Paulo: os Tupi-Guaranis e os Jês. Esses são os verdadeiros donos do pedaço, viu? Estão aqui há pelo menos dez mil primaveras. Antiguidade é posto, todos sabem. Italianos, alemães, Japoneses? Nada disso. Vieram a menos de duzentos anos.
Segundo: há um mito sobre a honrosa origem dos imigrantes europeus. Ao contrário do que se pensa, o europeu que veio pra cá fugia da fome, da guerra, da miséria e da falta de oportunidades na Europa. Não veio gente na primeira classe, pois saibam. Nossos antepassados cruzaram o Atlântico nos porões e na terceira classe dos navios, em péssimas condições de salubridade, não muito melhores do que as dos irmãos negros que sofreram até aportarem em nossas terras. Muitos morreram na longa viagem até aqui. O mesmo se deu com os japoneses. E vieram por gosto próprio. Os únicos que poderiam dizer que foram trazidos a contragosto foram os africanos.
Assim, alio-me a todos os que defendem São Paulo para os paulistas. Viva aos verdadeiros paulistas: os Tupi-Guaranis e os Jês!
Defendendo os legítimos donos do pedaço, lanço agora, portanto, um segundo manifesto, o mais fiel manifesto de “São Paulo para os Paulistas”, dirigido EXCLUSIVAMENTE aos que compartilham do primeiro manifesto.
Fora todos os forasteiros que desrespeitaram a cultura indígena, invadiram espaços, agiram como se estivessem em sua terra; buscaram, ao invés da mandioca, impor a pizza e o sushi. Ao invés do cauim, introduziram uma bebida amarga chamada cerveja.
Esses forasteiros impuseram sua cultura e costumes à nossa vontade indígena. Inundaram nosso estado com asfalto e cimento impermeáveis, encheram nossas terras de agrotóxicos e nossos lindos vales de automóveis. Nossa garoa agora é infestada de monóxido de carbono. Enfim, apagaram a identidade indígena. Assim, fomos desrespeitados. E dentro da nossa terra!
Vamos começar tomando de volta o Anhangabaú e o Ibirapuera, e as cidades que ainda conservam nossos nomes indígenas: Caraguatatuba, Guarapari, Guaratinguetá, Ipiranga, Itatiaia, Pindamonhangaba, Sorocaba, Apiaí, Araçatuba, Araçoiaba, Araraquara, Ariranha, Arujá, Atibaia, Avanhandava, Avaré, Bauru, Bertioga, Birigui, Boituva, Borá, Borborema, Botucatu, Buritama, Guaíra, Guapiará, Guará, Guaraçaí, Guarantã, Guararapes, Guaratinguetá, Guariba, Guarujá, Guarulhos, Iacanga, Ibaté, Ibirarema, Ibitinga, Igaraçu, Igarapava, Indaiatuba, Ipauçu, Ipeúna, Ipuã, Irapuã, Itajobi, Itapetininga, Itapeva, Itapevi, Itapira, Itu, Ituverava, Jacareí, Jaguariúna, Jaú, Jundiaí, Mairiporã, Mauá, Moji-Guaçu, Moji-Mirim, Morungaba, Nhandeara, Nuporanga, Pacaembu, Paraibuna, Paranapanema, Pindamonhangaba, Piracaia, Piracicaba, Pirassununga, Piratininga, Sorocaba, Tabapuã, Tabatinga, Taiaçu, Aiuva, Taquaritinga, Taubaté e Votuporanga. Depois será a vez do resto.
Se você não usa cocar - isto é, já foi corrompido pelos forasteiros e deixou de ser paulista - ou pior, é descendente de alemão, italiano (como eu sou), português e japonês, vá embora agora!
Mas ir pra onde? 
Se você não tem a cidadania da terra de seus ancestrais (minha esposa pelo menos estará a salvo, pois tem a italiana), não tente ir, pois certamente será deportado. Se tornará, finalmente, um sem-terra!
Quer então uma sugestão de um lugar para ir? Vá para o Nordeste. Tenho certeza de que lá será recebido como um irmão, como um legítimo brasileiro.





* Abusei da ironia nessa crônica porque apesar de ser grave a questão, não há como levar a sério tais posicionamentos xenofóbicos. Aproveito para mandar um abraço à imensa maioria dos paulistas que não compartilham dessa visão xenofóbica e preconceituosa, bem como aos queridos parentes e amigos paulistas, e aos colegas da magistratura de São Paulo que tanto honram a toga que vestem, em especial aos membros da Associação Juízes para a Democracia - AJD - da qual faço parte.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O dia seguinte

Segunda, 29 de novembro de 2010, 08h28  Portal Terra

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AFP
Policiais vigiam supostos traficantes durante a operação no Complexo do Alemão
Policiais vigiam supostos traficantes durante a operação no Complexo do Alemão
Cláudio Lembo
De São Paulo
As cenas dos últimos acontecimentos no Rio de Janeiro preocupam. Há em alguns meios de comunicação uma euforia juvenil pelas ações militares. São expressivas. Demonstram capacidade de ação.
Ocorre que, na outra ponta, se encontram pessoas fragilizadas pela situação e enfraquecidas pela dura realidade que as cercam. Não são os integrantes do tráfico.
Trata-se daquelas pessoas que compõem a comunidade e nela desenvolvem suas vidas e esperanças. Todas, em razão da generalização, são tratadas como delinqüentes.
Perigosa percepção. Tanta gente boa e trabalhadora. Sensata. Envolvida, porém, pela violência e por um preconceito generalista e inconseqüente. As questões sociais exigem mais do que armas.
Sente-se, nos episódios do Rio de Janeiro, a ausência de comissões específicas de parlamentares federais. Onde estão os representantes do povo no Congresso Nacional?
Até agora foram incapazes de conceber um grupo para acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos dos órgãos de segurança. Nada, absolutamente nada.
O Judiciário - federal e o estadual - certamente poderia ter instalado juizados nos locais afetados para receber eventuais registros de um Ministério Público até agora aparentemente ausente.
A mesma observação cabe à Defensoria Pública. Onde se encontra este novo órgão concebido pela Constituição de 1988? Há uma ausência das entidades significativas da sociedade.
Só contingentes militares. Nada de atividade social. Pessoas preparadas para enviar mensagens em situações de confronto. Apenas armas. Nenhuma atividade de solidariedade aos bons.
Esquecem os agentes da legítima ação contra os traficantes que há um dia seguinte e este diz respeito à comunidade como um todo. Os habitantes de todas as regiões precisam conviver em harmonia.
É própria das cidades a convivência civil. Aquela que permite a igualdade, ao menos formal, entre as pessoas. As armas são instrumentos transitórios. Pode-se resolver aparentemente um conflito.
Elas, todavia, jamais levam à paz. Esta é conseqüência da harmonia entre pessoas e da busca comum da felicidade. Este anseio não pode ser apenas de alguns. Para ser efetiva necessita ser de todos.
Falta, na fala das autoridades, a exposição do dia seguinte. Como serão tratadas as comunidades? Quais os investimentos a serem efetivados? Como se combaterá a ociosidade oriunda da ausência de escolas e trabalho?
As operações são necessárias em razão da violência atomizada que se espalhou pelo Rio de Janeiro. Mas o extermínio de alguns poderá contentar setores da sociedade. Não resolverá, porém, a questão.
Esta necessita de esforço conjunto de todas as esferas de Governo. Contentar determinados segmentos da sociedade, em detrimento de outros, não é boa política.
A política sadia é desapaixonada. Pensa no bem comum. Esquece diferenças. Compreende que todas as pessoas são iguais e merecem, em conseqüência, tratamento igualitário.
As exposições das autoridades, em grande massa, nas rádios e televisões apontam para o momento. Lembram comandantes de batalhas contra inimigos da Nação.
Jamais se lança palavra apaziguadora e sensata. A comunicação eletrônica, nestes momentos difíceis, deve ser usada para dirigir mensagens positivas à parte que se deseja reintegrar na sociedade.
Caso contrário, todos se tornam bravateiros em busca de fama transitória, Esta se transformará em veredicto histórico. Até hoje, acontecimentos sociais do passado são relembrados.
Aquilo que, no momento, parece heróico mostra-se com o afastamento do tempo patèticamente amargo. Basta reviver Canudos. O Rio de Janeiro é diferente, dirá alguém. Trata-se de criminalidade puro e simples.
É verdade. Mas mesma miséria que gerou inúmeros episódios pelo Brasil afora, no longo dos séculos, se encontra presente nos morros da cidade do Rio.
Valeira a pena pensar em recolher as armas. Procurar a paz. Os brasileiros não podem ser divididos por brasileiros. É preciso buscar - desesperadamente - a união de cada cidadão com o seu conacional.
Assim se construirá o futuro.

Cláudio Lembo é advogado e professor universitário. Foi vice-governador do Estado de São Paulo de 2003 a março de 2006, quando assumiu como governador.