Mostrando postagens com marcador Inconfidência Mineira. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Inconfidência Mineira. Mostrar todas as postagens

domingo, 18 de outubro de 2009

"Devassa da Devassa" a monarquia e o destino das nações.


Por que ler um clássico sobre a Inconfidência

Kenneth Maxwell traça a trajetória dos personagens do movimento e discute a crise do sistema colonial português. Maxwell, diretor do programa de Estudos Brasileiros do Centro David Rockefeller [.] para Estudos Latino-Americanos da Universidade Harvard

10 de outubro de 2009 | 0h 00
Lilia Moritz Schwarcz - O Estadao de S.Paulo
O escritor Italo Calvino abre sua obra Por Que Ler os Clássicos - uma coletânea de ensaios, críticas, prefácios e resenhas -, relacionando 14 definições sobre o que faria de um livro comum, um clássico. Lá vão algumas delas. "Seriam aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez, nas melhores condições para apreciá-los." E ainda: "Os clássicos são aqueles que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram."
A nos fiarmos nas máximas de Calvino, a sétima edição comemorativa dos 30 anos de A Devassa da Devassa, de autoria de Kenneth Maxwell, que apresenta texto inalterado - mas um oportuno caderno de imagens feito por Fernanda Carvalho, além da bela introdução de Jeremy Adelman - mereceria receber tal tipo de caracterização. O leitor tem nas mãos um clássico, consagrado pelo tempo.
Como dizem as definições, clássicos carregam consigo as marcas das suas várias leituras, e não seria o caso de resumir uma delas. A obra (tradução de João Maia) mereceu uma alentada fortuna crítica, começando pela euforia diante da descoberta de novos documentos - que atrapalhavam a até então consagrada sequência de fatos que definiam a Inconfidência Mineira - e chegando até análises mais recentes que destacam a oportunidade metodológica do livro. Afinal, o texto alia, com maestria, uma história de personagens (como Tiradentes ou Claudio Manuel da Costa) com a explicitação de fenômenos de mais longa duração, como são os movimentos de emancipação de finais do século 18.
Talvez o segredo da atualidade da obra seja a maneira como Maxwell, diretor do programa de Estudos Brasileiros do Centro David Rockefeller para Estudos Latino-Americanos da Universidade Harvard, apreende a trama de vários eventos, sempre entrelaçados. Evento aqui ganha uma acepção especial, uma vez que representa um episódio culturalmente significado. Ou seja, trata-se de pensar como um mero acontecimento, que se perderia na pátina do tempo, ganha uma percepção abrangente. Nesse sentido, o fracasso da rebelião foi também seu sucesso, uma vez que, se o movimento de 1789 foi prontamente debelado, já sua repercussão aumentou em espiral. Eis o estranho paradoxo que o historiador desvenda como quem abre porta enferrujada.
Na verdade, a resposta encontra-se na fronteira tensa entre a análise mais contingente (centrada nos protagonistas) e uma interpretação estrutural e comparativa. Maxwell analisa com cuidado a agenda dos fatos, mas escrutina, igualmente, mecanismos de mais longo espectro, como a crise do sistema colonial português e a crescente dependência para com a Inglaterra. Portugal constituía, pois, o mais retrógrado mas também o mais elástico dos impérios, e quem sabe tal particular explique sua durabilidade. Nada há no livro que lembre a nostalgia do passado mítico luso e muito menos o escárnio diante do que poderia ser chamado de modelo de religiosidade estatal. Não por coincidência, esse tipo de percepção estaria presente na análise fina que o autor elabora em seu outro livro sobre o Marquês de Pombal (1996), em que discute os limites do Iluminismo em Portugal, e mesmo no retrato duro que traz do salazarismo em A Construção da Democracia em Portugal (1999).
Conforme escreve Maxwell, "a pequena estatura das nações ibéricas no século 18 forçou estadistas espanhóis e portugueses a encararem o grande problema da modernização". A eficiência imperial foi sempre um tema a incomodar nossa metrópole e a Inconfidência Mineira talvez tenha corporificado o episódio mais comentado nesse sentido. A cronologia e a ideologia do movimento projetaram o evento em um contexto mais amplo, mostrando como - ao lado da Revolução Americana, dos primeiros rumores sobre a Revolução Francesa e das ideias de Raynal - os poucos membros da elite de Minas haviam articulado não só uma oposição ao domínio português, como desafiavam o próprio sistema colonial. É certo que a Revolta não se materializaria, mas tal fracasso não escondia o fato de que um importante segmento social, a elite mineira, em que o governo metropolitano deveria confiar para exercer o poder local, tinha agora o atrevimento de pensar que podia viver sem Portugal, e se tornar uma república independente.
O que fez Maxwell foi articular o que parecia contingente (como a ação de um grupo minoritário) a uma situação mais ampla e por isso estrutural. A Inconfidência foi mesmo um desastre, mas, como mostra o analista, a política de Portugal para com suas colônias não era muito diferente.
O movimento do livro leva a prever conturbações, mudanças e novos acomodamentos. Mas tudo estava mesmo para mudar. Essa é, porém, outra história, que implica entender as decorrências da crise portuguesa, a guerra na Europa e a mudança da corte para o Brasil.
Por essas e por outras, Devassa da Devassa é obra obrigatória não só para historiadores do Antigo Regime, do período colonial brasileiro ou da sociedade mineira. Ela cumpre papel fundamental para todo aquele que pretenda entender o que o historiador inglês Eric Hobsbawm chamou de "a era das revoluções"; aquele período em que agitações de toda ordem sacudiram o mundo, anunciando os primeiros sinais de um novo e barulhento contexto. Tudo parecia movediço: o mercantilismo até então bem assentado, o império português, a monarquia e o destino das nações.
Como diz Calvino, em mais uma de suas definições, "os clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos". Eis aí o mais "novo velho" livro de Kenneth Maxwell.
Lilia Moritz Schwarcz, professora do Departamento de Antropologia da USP, é autora, entre outros, de O Sol do Brasil (Companhia das Letras) 

terça-feira, 21 de abril de 2009

Conjuração Mineira "A devassa da devassa"


Inconfidência: sucesso sem ter acontecido


A História revê os reais interesses e acontecimentos do movimento mineiro


Por Renata Costa 21/04/2005
Era uma noite qualquer do mês de abril de 1789. Os casarões da antiga cidade de Vila Rica estavam com as janelas fechadas para impedir a entrada do vento de outono. Por isso, passou quase incólume aquela figura com o corpo e parte do rosto cobertos por uma capa escura e que andava pelas ruas àquela hora quando ninguém mais ousava sair, batendo em algumas portas. O recado que transmitiu deixou com expressão de horror todos aqueles que o receberam. O plano foi descoberto e era preciso se precaver de possíveis punições.
Este personagem, o Embuçado - nome com o qual passou para a História - cuja identidade permanece até os dias de hoje sendo uma incógnita, foi o responsável por avisar as pessoas envolvidas de que o plano do que ficou conhecido como a Inconfidência Mineira havia sido descoberto pelas autoridades.
O termo "Inconfidência" foi cunhado pelos inimigos da trama, já que significa "infidelidade". Os historiadores hoje se referem respeitosamente a este episódio como "Conjuração mineira".
A participação do Embuçado, embora romanceada no primeiro parágrafo deste texto, realmente aconteceu e foi descrita em vários depoimentos dos conjurados. Quem era e como ele soube que a trama havia sido descoberta permanece um mistério.
Alguns historiadores sugerem que este pode ser mais um elemento indicativo de que hoje não é mais possível ver a Conjuração Mineira como uma manifestação dualista: colonos versus colônia, mas como um plano onde muitos interesses estavam envolvidos. Isto porque se deduz que o Embuçado tenha saído do palácio do governador da capitania de Minas Gerais, Visconde de Barbacena - o que mostraria que os "inconfidentes" eram pessoas da alta sociedade, com contatos dentro do próprio palácio. Esta história, porém, é especulação, já que não há provas.
A história em linhas gerais
No final do século XVIII, a mineração em Minas Gerais não era lá mais tão próspera como antes. E Portugal estava levando desvantagem em cobrar o quinto (a quinta parte do total de ouro extraído era pago em imposto), alegando que o metal precioso estava sendo sonegado. O visconde de Barbacena chegou ao estado em 1788 com a missão de cobrar os impostos atrasados. Eram exigidos 1.500 quilos de ouro - cem arrobas - por ano para a Coroa portuguesa. Se o valor não fosse atingido, aconteceria a "derrama", uma cobrança extra de impostos, até que se alcançasse o valor estabelecido.
Neste clima de arrocho nasceu a conspiração. Durante muito tempo falou-se e os livros didáticos ensinaram que a Inconfidência Mineira foi um movimento para libertar o Brasil de Portugal. Hoje, essa visão já é desconsiderada.
"Não se trata de colonos em luta contra a metrópole. Não é nacionalista, porque é fora do tempo dizer isso, pois neste momento não se pensava em nação. O movimento se circunscreve a Minas e quando muito na possibilidade de federação com o Rio de Janeiro", explica a professora do Departamento de História da UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto), Andréa Lisly Gonçalves.
A professora salienta ainda que nem a palavra "movimento" pode, ao pé da letra, ser aplicada. "Costumamos dizer que não há movimento, porque ele não chegou a acontecer", explica.
A Conjuração pós "A devassa da devassa"
Não foi a primeira vez que olhos externos nos fizeram relembrar a nossa história. Na década de 70, o historiador inglês Kenneth Maxwell publicou o livro "A devassa da devassa" que praticamente se tornou uma Bíblia para quem estuda a Conjuração Mineira. Para escrevê-lo, Maxwell analisou o "Auto da devassa", documentação recolhida pelo governo da época, acrescentando outros estudos. "Há uma história da Conjuração antes e depois deste livro, porque ele realmente não só recolocou a questão sob outros pontos, mas também chamou o tema para uma discussão acadêmica mais profunda", afirma o professor do Departamento de História da UFSCAR (Universidade Federal de São Carlos) e autor da coleção "Sociedade e História do Brasil", Marco Antonio Villa.
Estes documentos oficiais listam os bens dos envolvidos na trama e indicam que eram praticamente todos proprietários de escravos, de terra, bens, e estavam bastante endividados com a Coroa portuguesa. Em resumo, eles tinham interesse em não pagar a dívida. "A questão da dívida era o mote popular, o pretexto com o qual essas elites conseguiriam agregar os interesses populares", diz o diretor da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG e autor do livro "O manto de Penélope: história, mito e memória da Inconfidência Mineira de 1788-9", João Pinto Furtado. "O principal motivo da conjuração era restabelecer a ordem e privilégios de vários dos membros do grupo", explica.
Com a chegada de Barbacena, a estrutura toda do governo foi mudada e muitos dos conjurados perderam cargos que ocupavam anteriormente. Acredita-se que Tiradentes seja um exemplo. O posto de alferes - uma espécie de subtenente - era considerado baixo. Antes de Barbacena, Tiradentes tinha uma promessa de ascensão na carreira, que não ocorreu com a mudança de governador.
Hoje não se duvida mais que o interesse da Conjuração Mineira era realmente duplo. A professora Andréa, da UFOP, cita o caso de Alvarenga Peixoto. Poeta, nascido no Rio de Janeiro, concluiu estudos em Portugal e era ouvidor da região de Rio das Mortes, em Minas. Casado com Bárbara Eliodora (que também escrevia poesias e era raro uma mulher na época ser letrada), tinha laço de parentesco com Tomás Antonio Gonzaga. "Ele estava extremamente endividado com um investimento que havia feito para continuar a exploração de minérios e tinha um grande número de escravos africanos", conta.
Se o movimento desse certo e contasse com adesão da sociedade e da tropa da cavalaria (onde Tiradentes tinha influência junto aos colegas), os inconfidentes não teriam de pagar a dívida. Se houvesse adesão do Rio de Janeiro que, na época era a capital do Império e tinha papel importante como cidade portuária, haveria tomada de poder e, conseqüentemente, os envolvidos na Conjuração teriam postos políticos importantes.
Por ser um plano da elite, não se tinha como propósito - pelo menos não em consenso entre todos - o fim da escravatura. Propunha-se, sim, a libertação dos negros nascidos no Brasil, mas não havia intenção em se deixar de usar mão de obra escrava africana.
Movimentos e seus contextos
Os historiadores chamam a atenção para o fato de que a Conjuração Mineira não é um fato isolado. Em 1794, no Rio de Janeiro, o vice-rei recebeu denúncias de que alguns intelectuais estariam conspirando contra Portugal, com idéias republicanas. Os acusados foram presos. Em 1798, foi a vez dos baianos, com a Conjuração Baiana (ou dos alfaiates). Com a transferência da sede do Governo da Bahia para o Rio de Janeiro, a região perdeu importância política e caiu em uma grave crise econômica, da qual apenas os ricos se beneficiavam e a população, composta especialmente por escravos, alforriados, pardos e mulatos vivia na miséria. Idéias de libertação e abolição da escravatura começaram a surgir. Com manifestos escritos colados pela cidade, o governo reprimiu a conjuração e prendeu seus líderes - todos da classe popular. Em Pernambuco, em 1801, foi reprimida uma conspiração liderada pelos irmãos Suassuna, proprietários de Engenho que tinha como objetivo a independência da capitania. Os conspiradores foram presos e depois libertos.
A época, claro, tem a marca da Revolução Francesa, de 1789. ? inegável que os movimentos acima, com o objetivo de liberdade - seja política, seja de abolição da escravatura - têm influência do movimento europeu, mas o mesmo não pode ser dito, segundo os pesquisadores, sobre a Inconfidência Mineira.
"Gonzaga, por exemplo, era ultraconservador. Em Cartas Chilenas há um tratado que ele dedica ao Marquês de Pombal. Então não é bem assim que eles fossem iluministas e quisessem mudar a ordem", explica Villa.
Traição após o fim
Historicamente, Joaquim Silvério dos Reis ficou conhecido como uma espécie de "Judas" brasileiro. As pesquisas realizadas sobre o assunto, no entanto, tiram um pouco do peso de culpa de sobre os ombros desta personagem.
Segundo o professor Furtado, o movimento já havia sido abortado antes da denúncia de Silvério. "Isto aconteceu porque não havia consenso entre os conjurados. Os interesses eram diversos, o que fez com que o grupo perdesse a coesão já no final de 1788. Houve ainda a suspensão da derrama, o que era o motivo de maior apelo popular para que a trama acontecesse. Com tudo isso, o movimento não tinha fôlego", explica. A "denúncia" de Silvério acontece como uma tentativa de lucrar algo com a situação. "Ele primeiro fez uma denúncia oral e depois escrita, a fim de ganhar perdão para sua dívida fiscal. O que ele fez foi ïesquentar` um movimento que já não existia", diz Furtado. E talvez tenha sido Silvério dos Reis e sua denúncia com interesses pessoais que fizeram a Conjuração Mineira famosa.http://noticias.universia.com.br/